sexta-feira, 31 de julho de 2009

Jornal de Londrina, 20 anos. Caramba...


Caramba, hoje o JL completa 20 anos de vida. Parece que foi ontem. Apaixonado, saí da república onde ficara seis anos, na lendária Paraíba 322, para me mudar, “casado”, com a Cris, para a rua Taubaté, quase em frente ao portão dos fundos da Londrimalhas, perto da esquina com a Araçatuba, onde ainda funcionava a Belon, distribuidora da Skol. Bem em frente de casa tinha o consórcio Norpave. Ali, ao contrário do que muitos pensam, não é Jardim Alvorada. É, vim saber tempos depois, um tal Jardim Vera Liz. Tinha pouca coisa na Rua Taubaté. Do lado de cima, além desse famoso consórcio, todo o fundo da Londrimalhas e, na parte de baixo, onde morávamos, algumas casas. A Taubaté é uma rua pequena, que vai da Araçatuba até a Arthur Thomas – uns 300, 400 metros. No quarteirão do meio tinha um terrenão baldio, onde depois viria a ser construída a primeira cancha de society artificial de Londrina. Bem, eu e a Cris fomos morar no primeiro quarteirão da Taubaté, perto da Belon. Na outra ponta da rua, na esquina com a Arthur Thomas, ficava um imóvel que, meses antes, tinha servido de comitê eleitoral para Alex Canziani. Alex tinha se candidato a vereador, se não me engano. É, tinha que ser a vereador mesmo, porque dois anos antes, em 86, ele fizera parte da turma da Realidade, a chapa que perdeu as eleições no DCE para a Vaca, da qual eu fazia parte, junto com o Marcelo Sokolowski, a Carla Sehn, o Leandrão, a Jamile, uma turma fera e bem intencionada. Pois no ano em que eu e a Cris fomos morar na Taubaté, numa casinha de fundo, com um jardim imenso na entrada, o Jornal de Londrina nasceu e ocupou o tal imóvel do Canziani. Para um jornalista, como eu, a proximidade física com o jornal recém-nascido era só um detalhe, e menor, nessa relação. Eu já era profissional da Folha havia dois anos e meio. Por sorte, entrara no jornal ainda estudante, numa época em que a imprensa escrita de Londrina tinha voz única. Em setembro de 1986 e nos primeiros meses de 87, eu trabalhara no Paraná Norte, jornal regional editado pela própria Folha para, mais uma vez, entre outros propósitos, sufocar a ideia de um segundo diário na cidade. Aí, no carnaval de 87, o PN morreu. As duas redações entraram em greve, no que teria sido a maior greve de jornalistas do País, e ao fim da paralisação a direção decidiu fechar o PN. Os jornalistas que lá trabalhavam e cujo vínculo era com a Folha foram reabsorvidos. Alguns iniciantes, também. O resto dançou. Eu, focaço, estudante, dancei. Fui chamado dois ou três meses depois para o Local da Folha, que estava sendo reestruturado. O editor era Edílson Leal, então – e até hoje – assessor de Alvaro Dias. Jerê, o lendário editor de Local, era editor-chefe do PN, comandava o jornal com o Bernardo. Na reincorporação, ele e os cabeças da greve (por sinal, os melhores jornalistas da cidade) foram segregados numa tal Editoria Especial: Edson Vicente (Jerê), Bernardo Pelegrini, João Arruda, Nelson Capucho. Apolo Theodoro, que começara em jornal no PN, também. Mas o Local estava sendo reestruturado, e eu entrei. Havia os que haviam sobrado da greve – Ruth Meira, Helder Vilela – e os novatos. A cada dia entrava alguém novo: Rosane Barros, Marcos Gouveia. A Redação tinha as feras da Editoria Especial e os veteranos Jota, Widson, Stélio, Isnard, Rui, Petrin. Por muitos anos eu fui o caçulinha da Redação da Folha. Entrei lá aos 20 anos, saí perto dos 35. Em 1989, finalmente, rebentou o sonhado segundo jornal de Londrina. Graças ao Belinati e ao Walter Macarini. Belinati, por ter voltado à prefeitura, após a desastrosa primeira passagem. Walter, pela atuação frente ao Comercial da Folha, impondo suas próprias regras aos anunciantes. Foi então, pelo que me lembro, que um grupo de jornalistas ideológica e pragmaticamente ligados ao ex-prefeito Wilson Moreira, aquele que pôs ordem na casa após o furacão Belinati I, convenceu um grupo de empresários, ligados majoritariamente ao ramo imobiliário e da construção civil, a empreender um órgão para ser uma alternativa comercial e editorial à Folha e ao grupo político que voltava ao poder. Para nós, jornalistas, foi um momento muito especial. Não apenas – corporativamente falando – pelo surgimento de novas vagas de trabalho, em um mercado já saturado, mas, sobretudo, pela relação que se estabeleceria entre a Redação da velha Folha com os profissionais do novo jornal. Viveríamos, nós, os jornalistas da Folha, uma situação ímpar: dividir os fatos do dia, as entrevistas coletivas e tudo mais, com profissionais de outro jornal. Como ficaria, então, essa convivência, entre uma redação habituada a ser voz única com um “intruso”, um grilo falante? Como se ombrariam, no dia a dia, esses dois grupos? A questão era muito mais séria do que se pode imaginar hoje. Era um momento único, especial. A expectativa dessa convivência, desse embate, desse duelo, era aterrador. A Redação da Folha passaria a ter concorrência. Conviveria com a possibilidade, o temor, de furos. Ninguém, por mais cortês que possa ser, gosta de ter seu quintal invadido. E era essa a sensação da época. E os departamentos comerciais de ambos os jornais, da Folha em especial, passaram a alimentar esse embate, tão logo o pessoal do JL começou a trabalhar ainda intramuros. E daí vem o resultado que me fez e me faz até hoje a ter – apesar de tudo! – orgulho dessa categoria. Pois se sobrevivemos sem nenhum arranhão foi graças à maneira com que os profissionais de ambas as redações se portaram naquele momento particularmente espinhoso. Embora irradiássemos, em cada poro, desconforto e algum constrangimento, pela situação absolutamente ímpar em que nos encontrávamos, o modo respeitoso e profissional como nos tratamos, naqueles primeiros dias, primeiras semanas, primeiros meses, foi essencial para estabelecermos, em Londrina, uma categoria forte, razoavelmente unida, sobretudo madura, uma categoria que, naquele ano e nos seguintes, construiria uma relação corporativa que resultaria na criação de um sindicato próprio e na conquista de pontos – como o piso salarial – que são, vinte anos depois, o esteio de um segmento profissional que, hoje, procura seu rumo feito cachorro caído de um caminhão de mudança. A maneira como nos comportamos frente a frente, na cobertura diária e então não mais monopolizada da notícia, a maneira como nos colocamos na busca pela notícia exclusiva, pela abordagem dos fatos, tenho certeza de que contribuiu significativamente para o lado bom da sociedade de Londrina. Resgatar esse período seria fundamental para que os jornalistas de Londrina – depois de tudo o que sofreram e tudo o que erraram – se reaprumassem. Pode acreditar: se a Redação do JL, atualmente, é integrada por profissionais majoritariamente competentes e decentes, isso tem muito a ver com o que aconteceu desde 20 anos atrás. Por tudo, mas principalmente pelos jornalistas que lá estão e que por lá passaram, o JL merece, sim, os parabéns.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Frango ou galinha, eis a questão


Saí de Guará-SP aos 18 anos de idade para cursar Jornalismo em Londrina-PR sem que tivesse resolvido um dilema existencial: saber diferenciar um frango de uma galinha. É sério. Até então, nos terreiros do sítio do meu avô, no Barro Preto, do meu outro avô, na Grota, e no do meu pai e da minha mãe, na Grotinha, eu observava aquele monte de penosas ciscando pra lá e pra cá e ficava encasquetado por não distinguir o macho da fêmea. Sempre que eu olhava os terreiros cheios de frangos e galinhas, galos e pintinhos, franguinhas e franguinhos, me brotava uma leve irritação quando eu fitava um e outro e não sabia dizer peremptoriamente, assim, na bucha, como os adultos faziam, qual era qual. Na adolescência, do alto do meu 1,85 metro de altura e menos de 60 quilos, eu era constantemente intimado a cercar os frangos na hora da degola. “Rogério Carlos”, dizia minha mãe (sim, dona Maura é a única pessoa do mundo que me chama de Rogério Carlos, e faz questão disso), “ajuda seu pai a pegar aquele frangão amarelo ali, ó”, e apontava para o bicho que, pressentindo o perigo, já ia margeando o alambrado e exclamando os primeiros có, có, có de desespero. Daí eu olhava aquele monte de bicos com pena amarela, preta, amarela e branca, preta amarelada, branca avermelhada, carijó, e perguntava: “Qual, mãe?”. A resposta vinha com jeitão de bronca: “Aquele, né, filho, é o único frango amarelo que tem aí, ué!” Eu até que me esforçava para entender – sozinho, porque dilemas como esse a gente não reparte com ninguém. Parece filosofia de boteco, mas é isso mesmo: muitas coisas a gente só aprende com o tempo. É a tal experiência. Quando se é moleque, come-se frango por comer, sem se importar de que raça é, de que sítio veio, se é caipira ou de granja, se custou caro ou se foi de graça. O passar do tempo é que nos obriga a pensar nessas coisas. Antes de virar gente grande, a minha experiência com frangos era na hora de catar o bicho e na hora de matar. Até hoje, quando estou em Guará, é assim: no tanque, eu seguro as duas asas com uma mão e as duas canelas com a outra. Viro o rosto e a dona Maura passa a faca no pescoço – do bicho, claro. Logo depois vem o último ato da minha participação: seguro mais forte ainda, para aguentar o tranco da derradeira convulsão. O bicho dá um estrimilique e você sente as contrações musculares se esvaindo. Se não segurar bem, o bicho fica se debatendo e suja a varanda toda. Uma cena bem feia, por sinal. E, de repente, já distante dos terreiros, estudando, trabalhando e morando na cidade grande, num estalo a distinção veio e se alojou na cabeça. Pronto: você olha o galinheiro e reconhece, um por um, quem é frango e quem é galinha. E fica até com vergonha do passado. Deus do céu, está ali, claro como o sol: o frango é mais espivetado, esguio, mais caneludo, mais rápido na hora de dar no pé. A galinha é mais atarracada, as penas mais afofadas, as asas mais próximas ao chão – certamente para abrigar os filhotes, obrigação da qual o frango não compartilha, e também para chocar os ovos, coisa que o frango nem aceita discutir. Afinal, tem mais é que ficar ciscando por aí.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Palmeiras de Prudente e o Palmeiras de Londrina

Antes que vocês entendam como absurdo, eu garanto que a coisa é séria: houve grandes coincidências entre o jogo dos pprofissionais do Palmeiras neste domingo em Presidente Prudente contra o Corinthians e em partidas que o infantil do Verdão disputou semana passada, em Londrina, pela Copa Brasil Sub-15. Vamos a elas:

1. VOLTA A COBRANÇA DE PÊNALTI - Na partida contra o Cruzeiro, que viria a disputar a final da Copa contra o Inter, o Palmeiras precisava pelo menos do empate, resultado que o deixaria em boas condições para alcançar as quartas-de-final. O Palmeiras fazia sua melhor partida na primeira fase. E o lance capital do jogo foi um pênalti, bem assinalado pela arbitragem. O goleiro Bruno saiu jogando mal e acabou derrubando o atacante adversário na grande área. Só que o atacante do Cruzeiro bateu para fora, à la Baggio diante de Taffarel: enquanto o goleiro caiu para o canto esquerdo, ele isolou a bola por cima do lado esquerdo do travessão. Só que o juizão mandou voltar a cobrança, alegando invasão de área. Igualzinho ao que aconteceu com o pênalti cobrado por Obina em Felipe. Diferentes foram os desfechos: o Verdão sub-15 sofreu o gol na segunda cobrança e deu adeus à competição; o Verdão-Verdão fez o segundo gol e selou a vitória sobre o Corinthians do Gordo.




2. UM RUIVO, OUTRO SARARÁ - O lance decisivo de ontem em Prudente foi o tranco que o volante Souza, aquele de cabelos vermelhos, deu no Gordo, derrubando-o e machucando-o. Depois da saída de Ronaldo, o Corinthians foi presa fácil para o Palmeiras. Acontece que esse Souza de cabelos vermelhos é jovem, subiu recentemente da equipe B, e joga na mesma posição de Alan, o camisa 8 do sub-15 que, em Londrina, foi eleito para a seleção da Copa Brasil. E o Alan sub-15 tem o cabelo amarelo - o garoto é sarará que nem o Ademir da Guia. Ambos são magros, esguios, jogam na mesma posição, tem estilos semelhantes de jogo: uma boa pegada e razoável distribuição de bola. Um foi decisivo para o Palmeiras diante de seu maior rival; outro entrou na seleção da principal competição de sua categoria no País.





3. TROCA-TROCA DE CAMISA - Em uma das partidas do Palmeiras aqui em Londrina, e eu acompanhei quase todas, como assessor de imprensa da Copa, o goleiro Bruno entrou em campo com aquela camisa verde escura com detalhes amarelos. Embora de tom diferente, o verde confunde-se com o verde da camisa dos jogadores de linha, e o juiz pediu, no intervalo, para que ele trocasse de camisa, atendendo solicitação feita pelo pessoal responsável pela arbitragem. Só que ontem, em Prudente, São Marcos usou a mesma camisa contrastando com o mesmo uniforme do time em campo, e ninguém falou para ninguém trocar de camisa. Ou o pessoal de Londrina foi muito rigoroso ou o pessoal da CBF foi muito displicente.


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Quatro ou cinco domingos como esse, por ano, são suficientes.

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O sparring está na área. É só chamar.

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Dizem que o Muricy é o Bernardinho do futebol: deixou o Feminino para treinar o Masculino.

domingo, 26 de julho de 2009

1984, o ano em que fizemos contato


Semanas atrás entreguei a casa onde morava em Maringá e decidi passar uma temporada de engorda e cochilos na casa da família em Guará-SP. Sem documentos, que eu perdera em Londrina na Semana Santa, fui a Maringá resolver tudo de ônibus, para não ia me arriscar na estrada – ainda mais na fase zica em que me encontrava. Até aí tudo bem, não tivesse acontecido uma baita coincidência: o busão da Garcia em que embarquei de volta com destino a Ribeirão Preto fez a linha Ourinhos-Jaú-Bauru. Desde que vim para Londrina cursar faculdade, há 25 anos, sempre percorri, de ônibus ou de carro, o trajeto Assis-Marília-Ribeirão. A única vez em que eu fiz aquele outro roteiro foi justamente nas minhas primeiras férias de meio de ano na UEL. Ingressei em Jornalismo no início de 1984 – “o ano em que fizemos contato”, como se intitula uma comunidade no Orkut criada, se não me engano, pelo Ariel Palácios. Quando, agora, exatamente um quarto de século depois, viajava para Guará, a cidade natal, para descansar a cachola e pensar no que fazer da vida, e o ônibus da Garcia estacionou na rodoviária de Jaú, lembrei daquela viagem de julho de 1984. Quando o busão parou na mesma rodoviária e fez aquele barulho de freio hidráulico que acorda todo mundo, pissccchhhh, ou algo assim, virei o rosto amassado para a janela e, a um metro e meio de distância, no meio da madrugada, vi uma TV ligada, fixada na parede da plataforma, e deu para ouvir o Hino Nacional, e a imagem mostrava a bandeira, e de repente a câmera abriu mais e passou a mostrar um pódio, e me toquei de que estávamos no meio dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, e daí reconheci Joaquim Cruz e, caraca, o cara ganhou, o cara ganhou, era Joaquim Cruz com o ouro no peito, o primeiro ouro do atletismo brasileiro desde Ademar Ferreira da Silva, 30 anos antes, e eu ali, vendo tudo ao vivo, ainda que pela TV, no meio da madrugada, dentro de um ônibus, numa TV pregada na parede da plataforma de uma rodoviária, voltando para a minha cidade de férias pela primeira vez desde que me aventurara a fazer faculdade na cidade grande. Acordei de vez, curti aquela transmissão até o final, desci do ônibus, tomei um café com pão de queijo, fumei dois hollywoods e voltei para a poltrona, pisei em três ou quatro pés no corredor, e curti aquela imagem no restante da viagem até Ribeirão, onde pegaria um São Bento para Guará. Agora, quando aportamos em Jaú e lembrei disso, no restante da viagem eu curti muito mais lembranças. Agora tinha 25 anos de imagens para relembrar. Vinte e cinco anos se passaram na vida de uma mané cabaço para caralho que deixou a cidade de então 15 mil habitantes para descer numa rodoviária cujo teto deixava a chuva entrar (mas diziam tudo bem, porque era de um arquiteto famoso), que ficava numa tal rua Sergipe que ficava mais ou menos perto de uma tal rua Paraíba, onde eu moraria numa república em cima de uma tal madeireira Paroschi, perto de uma tal rua Quintino, onde eu pegaria ônibus para ir numa tal de UEL fazer um tal curso de Jornalismo. Em 1984, ano que Londrina comemorava seu cinqüentenário, com Dominguinhos, Osvaldinho e Sivuca num tal de Moringão, com Jorge Ben e Herva Doce – eram os que eu conhecia – num palco flutuante, à noite, no meio de um tal lago Igapó que, vim a saber muito tempo depois, foi construído por um jovem prefeito nascido na minha terra, Antônio Fernandes Sobrinho. 1984, o ano em que fizemos contato. O ano em que eu e um bando de caipiras conhecemos um calouro chamado Homero Barbosa Neto e um monte de outras coisas boas e ruins: um tal de Lumiar, um tal de Clube da Esquina, um tal professor Marinósio, uma tal Campanha das Diretas, uma cidade em dúvida sobre sua própria vocação. 1984... George Orwell, rock nacional, linha desativada de trem, terminal no bosque. Sem Leste-Oeste, sem Catuaí, sem Madre Leônia, uma mosquiteira dos infernos na Humaitá, a caminho da UEL. 1984... Um bando de caipiras de Andradina, Piraju, Olímpia, Palmital, Ibitinga, Guaíra, até um argentino de Curitiba, gente da terra, gente boa pra caralho que entra na nossa vida para sempre, sem pedir licença. 1984... Preciso ver que fim deu aquela comunidade no Orkut.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Desta vez, vou ver pela TV





Corinthians x Palmeiras, em Presidente Prudente. Desta vez, vou ver pela TV. Aquela do início do ano, pelo Paulistão, quando o Gordo empatou o jogo e derrubou o alambrado, eu vi ao vivo. Fui de Maringá, onde morava. Amigos corintianos pipocaram e o único que encontrei para pegar carona e rachar despesas foi um estudante de Direito do Cesumar cuja família mudou-se de São Paulo para Maringá há alguns anos. O fato é que esse cara é da Mancha, da Mancha mesmo, de São Paulo. Aquele tipinho: um metro e setenta, setenta quilos, corpo definido, lutador de jiu-jitsu, camiseta cavada, cabelo raspado, ares de senhor de si. Fomos na Montana dele, que é a álcool e, por isso, ficava mais barato. O cara não bebe uma gota, não fuma um trago, é todo certinho, mas pisa fundo o moleque. Chegando lá, nos dividimos: ele foi procurar a turma dele - literalmente - que veio de Sampa e eu fiquei esperando a minha amiga de Prudente com os ingressos, num calor de rachar mamona. Nesse interim, fui entrevistado duas vezes: por um pessoal que eu julgava ser de alguma emissora local, mas que na verdade era do programa de Flávio Prado, e pela turma do CQC. Quando vi a turma descendo o barranco do Farahzão, foi aquele auê: as pessoas reconheciam o Andreoli e por onde ele andava era aquela zona. Quando se aproximaram, flagrei o produtor olhando pra mim. Eu estava com camiseta do Palmeiras, lençol do Palmeiras amarrado na cabeça, óculos escuros... Enfim, um príncipe do mau gosto. O cara deve ter gostado do vizú. O fato é que ele direcionou o Andreoli e o cinégra, pegou um corintiano pelo braço no caminho, arrastou-o perto de mim, pôs o repórter no meio e aí rolou uma entrevista daquelas que eles fazem, cheia de pegadinhas, mas que deve ter ficando muito sem graça, porque dançamos na edição. Mas um amigo do meu pai disse a ele na segunda de manhã que me viu na TV. Foi no programa do Flávio Prado, a tal outra entrevista. Fomos para o jogo. Fiquei em pé atrás da terceira fila dos que ficaram em pé. Lamentei até o fundo da alma ter pago o ingresso mais caro de arquibancada, porque todos ficaram na mesma merda: sentados tal qual sardinha no cimento abrasivo do estádio ou de pé esticando o pescoço para ver se via alguma coisa lá embaixo, no gramado. Fizemos 1 a 0 com o Keirrison dando uma puxeta numa bola perdida, o Diego Souza limpando a defesa dos caras e socando pra dentro. Mais da metade do estádio endoidou. Sim, nós, palmeirenses, éramos maioria. Dos que saíram de Maringá, digo com certeza, pelo que vi na estrada, éramos 90%. Enfim, depois desse gol perdemos pelo menos duas chances claras de matar a parada, já com o Gordo em campo, o tempo passando e eu lá em cima, pensando, carai, essa já papamos, quando pintou aquele escanteio fatídico. Pensava em voz alta: "Vai Bruno, vai que é sua, é só aliviar essa e correr pro abraço", e a bola veio, 47 do segundo, e o Bruno, reserva do Marcão goleiro, não foi, porque o Marcão zagueiro estava, supostamente, na jogada, estava bosta nenhuma, o Gordo subiu nas costas dele e cabeceou pra dentro. Caralho, nunca vi e acho que nunca vou ver uma torcida comemorando tanto um empate. Fica a certeza de que ele até poderia fazer sucesso, como está fazendo, mas sem aquele gol as coisas para o Gordo seriam muito mais complicadas. Agora estou em Londrina, assessorando a Copa Brasil de Futebol Sub-15, e não vai dar pra ir a Prudente, trabalharemos no domingo. Mas o corintiano Ricardinho, que, aliás, foi a Prudente também daquela vez, acaba de receber telefonema do corintianíssimo Poka aqui na Sala de Imprensa do Cedro Hotel com o convite para verem o jogo deste domingo pela TV, na casa do Poka, em meio ao churrasco de sempre. Ricardo disse que eu estava na área, Poka estendeu o convite na hora - claro que ele não perderia a chance. "Manda esse sparring ir também", disse ele ao Ricardo. Apenas lembrei ao amigo, quando Ricardo me passou a ligação, que a última vez que me trataram dessa forma a coisa não terminou bem para os lados do Parque São Jorge. Foi em 1999, quando o Corinthians, mordido pela perda da Libertadores, pegaria o Parmera pelo Brasileirão. O time, como sempre naquela época, diga-se de passagem, estava voando, com Marcelinho, Ricardinho, Vampa, Edilson, Luizão, e era a chance, a certeza, de socar o Porco até o fígado. O clássico caiu no domingo de aniversário da filha de outro gambá lendário da minha lista de amigos, o Marião Fragoso, que chamou um pessoal de São Jerônimo de La Sierra para preparar um carneiro recheado, um bando de corintianos para curtir o jogo e um palmeirense - eu - para sparring. E um sãopaulino, Bruka Lopes, para testemunha. Além dos já citados, estavam lá ApoloTheodoro, Marquinho Feio, o pessoal dos Vicentini, que mora ali no Santa Mônica. Para resumir a história, digo que com 20 minutos de jogo estava 3 a 0 para o Palmeiras, foi um balde d'água fria na qual nem eu acreditava, os caras ficaram que nem barata tonta, todo mundo sem graça, inclusive eu e o Bruka, que não podíamos gozar os anfitriões, que estavam todos com cara de tacho, mais que o Muricy exibindo a bandeira palmeirense na apresentação dele no Palestra, e eu sinceramente apostava que eles, corintianos, jamais repetiriam a dose comigo, o convite para eu ser sparring num clássico desses. Mas confiar no bom senso corintiano definitivamente não dá. Corintiano é um ser que nasceu com o sitocômetro avariado. Ou sem o dispositivo. Enfim, em nome do Palestra, vamos a mais esse sacrifício.

terça-feira, 21 de julho de 2009

A molecada em campo



A Copa Brasil de Futebol Sub-15, para a qual estou fazendo assessoria de imprensa, encerra a primeira fase nesta quarta. Na quinta, folga. Na sexta, quartas-de-final. No sábado, semi. No domingo, decisão. Se pudesse, iria de novo a Prudente ver Corinthians x Palmeiras. Fui lá no primeiro semestre, ver o Gordo derrubar o alambrado. Gostaria muito de ver esse novo jogo. Mas não dá. Estarei trabalhando.

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A Copa Sub-15 está sendo realizada em Londrina e três cidades da região: Tamarana, Rolândia e Bela Vista do Paraíso. Cada uma sedia um grupo. Vi as duas primeiras rodadas em Londrina e Tamarana, e a terceira em Bela Vista (quem quiser conferir os participantes, os resultados, textos dos jogos, fotos etc, pode acessar www.copabrasilsub15.com.br). Vão algumas observações.

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Pode ser que exista alguma exceção, mas, pelo que eu vi até agora, todo mundo – atletas, dirigentes, comissão técnica – fala carioquês. Todo mundo! Seja carioca, paulista, mineiro, nordestino... Parece ser proibido, vergonhoso, vexatório, falar com o sotaque da terra. O carioquês é o sotaque oficial do mundo do futebol. Teria mais a ver com influência futebolística do Rio ou com malandragem?

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Outra mania, essa da garotada: chamar, além do treinador, também o árbitro de professor. É professor pra cá, professor pra lá. No caso dos não-cariocas, professô, eliminando o erre, para não confessar o sotaque caipira. Sai um “o” seco no final, engolindo o “r” – uma coisa horrível.

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De um estádio a outro, encontro velhos conhecidos. No VGD, cruzei com Aliomar Mansano, o lendário Ticão, olheiro que deixou muita gente com o burro na sombra. Trabalhou no Londrina, no Cruzeiro, no PSTC. Em Tamarana, reconheci Júlio César, goleiro que Ticão trouxe do Corinthians para o Londrina, em meados da década passada. Júlio agora é preparador de goleiros da base do Timão. Excelente caráter.

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Dos jogos que vi, dá pra selecionar alguns destaques. O Cruzeiro foi o que mais me impressionou. O time todo é bom, e bem treinado. Mas tem um lateralzinho, Hugo, que é bão demais. Aliás, ala, porque ataca sempre. Tem fundamento, o garoto: passe, cruzamento, posicionamento, impulsão, domínio.

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Do meu Palmeiras, gostei do segundo volante Alan, que combate e sabe sair jogando, e chuta com as duas, e o goleiro Bruno, que transmite segurança. O garoto, quando sai pra decidir, decide. O Marcão podia ficar mais uns três anos na equipe principal, até esse garoto subir, porque o Bruno que está hoje na reserva eu não engulo desde aquele jogo em Prudente, quando ele ficou plantado e permitiu ao Gordo empatar o jogo e depois derrubar o alambrado.

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No Grêmio, tem um centroavante rompedor chamado Antônio. O nome que está na ficha é Antônio. Fiquei aguardando alguém chamá-lo pelo apelido, mas, incrível, todos o chamam de Antônio mesmo. Incrível como ele ainda não pegou apelido. O cara parte para cima dos zagueiros e... passa. E vai passando, um por um. Não tem medo de botinada. É do tipo de atacante que toda defesa gostaria de ter.

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A foto acima, de Tatiana Guimarães, mostra um lance de Grêmio x Legião. O Grêmio, que ganhou duas das sete edições da Copa, socou cinco no time de Brasília. O Legião é, sim, uma homenagem à banda. O fundador é amigo de Renato Russo e pediu permissão à mãe do roqueiro, que concedeu. Dona Carminha virou madrinha da equipe.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Benedito Assis da Silva


Olha a fera aí, aos 57 anos, na foto de Carlos Bozelli, clicada no Hotel Dona Linda, centro de Londrina. Segundo a Wikipédia, a decisão de 84 contra o Vasco terminou 0 a 0, com 128.781 pagantes - o Flu vencera a primeira partida, 1 a 0, gol do paraguaio Romerito. O time jogou com Paulo Vitor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato. No Vasco, destaque para Roberto Dinamite, e só. Na cabeça de área, Pires, o mesmo volante que jogara pelo Palmeiras naquele jogo contra a Francana de Assis.

Vi Assis, o infernal, em Franca, há uns 30 anos


Hoje cedo, em Londrina, entrevistei Assis, o atacante que formou, com Washington, a maior dupla de ataque da história do Fluminense. Assis é coordenador geral das categorias de base do tricolor, que está na cidade para a 8ª Copa Brasil Sub-15, para a qual estou fazendo assessoria de imprensa. Depois das perguntas formais, perguntei a ele se jogara a partida de estreia da Francana no Paulistão, no ano seguinte ao da subida à Primeira Divisão. Não lembro se a Francana subiu em 77 ou 78. Sei que vi a abertura do Paulistão seguinte. Como caçula, a Francana estreiou em casa contra o Palmeiras. Meu pai levou a família para ver. Guará fica bem perto de Franca. Contei isso a Assis, que lembrou de alguns jogadores daquele time. No gol, Geninho, hoje treinador de renome. Na lateral direita, Gasparzinho - não sei se o nome é por causa do personagem de desenho animado, mas o cara era baixinho, polaco e atarracado. Assis falou outros nomes, que não anotei. Lembro dele ter citado Borjão, irmão de Paulo César Carpegiani. Lembrei a ele que na partida que eu vi estava, no gol, um tal de Tonho, que estreava, contratado junto ao próprio Palmeiras. Digo "um tal de" porque esse Tonho, pelo que lembro, foi o eterno reserva de Leão. O jogo ficou 1 a 1. O Palmeiras saiu na frente com um gol de Toninho Vanusa, que chutou de longe uma bola rasteira, frangão do Tonho. A Francana empatou no segundo tempo, acho. O Estádio Lancha Filho - o nome completo é José Lancha Filho, como lembrou o Assis - estava lotado. Lembro de torcedores da Francana - ou corintianos camuflados - terem arrancado o boné de um garoto de um ou dois anos de idade que estava nos braços do avô, despedaçado o boné e jogado para o alto. Anos depois, pouco antes de vir pra Londrina cursar faculdade, fiquei duas semanas em Franca integrando a delegação guaraense que disputou os Jogos Regionais. Era uma etapa anterior aos Jogos Abertos do Interior. Joguei futebol e futsal. Do Assis, a imagem de que mais lembro é um golaço de cabeça, completando um cruzamento no segundo pau, acho que na decisão contra o Vasco, no único título de Campeonato Brasileiro até hoje do Fluminense. Ele e Washington formaram realmente uma dupla infernal. Naquele time de 84 tinha, senão me engano, o Edinho na zaga e o Branco na lateral. Delei, talvez, no meio-campo. Paulo Vitor no gol? Enfim, depois posto uma foto atual do Assis, porque o Carlinhos Bozzelli tá enrolando praca pra me mandar uma. Nesse post, vou colocar uma de antigamente. Nela, está à esquerda, com o brother Washington.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Volte, Kleber, para pararmos o Curíntia


Definitivamente, o futebol tem mais mistérios do que sonha a nossa vã filosofia. A psicologia desse jogo transcende os bancos universitários. Como explicar o comportamento do Cruzeiro ontem, depois de ter marcado o gol? Como explicar o Estudiantes ter virado aquele jogo? Ao abrir o marcador, parece que o Cruzeiro sofreu um descarrego de energia. Era como se tivesse mentalizado que precisava de um gol. E fez. Só que fez muito cedo. E o gol de Henrique, em vez de acender de vez a equipe, que jogava em seu estádio, parece que sugou as energias do Cruzeiro, que vendeu muito barato o gol de empate e tanto quanto o segundo gol argentino. Foi a quarta conquista do Estudiantes na Libertadores. Antes, o time de La Plata tinha sido tricampeão seguido, em 1968-69-70. Essa série foi iniciada em cima do Palmeiras, que disputava, em 68, sua segunda final de Libertadores. O Verdão já havia decidido a segunda edição da Copa, em 61, contra o Penarol. Em 68, o Estudiantes tinha em campo Carlos Billardo, que dirigiu a Argentina na conquista de 78. Dizem que Billardo entrou em campo com um alfinete e ficava caçando Ademir da Guia para furá-lo. Parece que funcionou. Que a derrota do Cruzeiro pelo menos sirva para que Kleber, o Gladiador, mantenha acesa a vontade de vencer a Libertadores, e faça isso de volta ao Palmeiras, ano que vem, quando teremos, mais uma vez, a missão de parar o Corinthians no ano de seu centenário. Pelo jeito, quem terá de entrar com alfinete agora somos nós, para furar a pança do Gordo! Não vai ser fácil, não vai ser fácil...

terça-feira, 14 de julho de 2009

Rapa de curau: minha vingança será malígrina


Já estamos no meio de julho, o que significa que milho verde já era. Granadas, as espigas entram agora em fase de maturação, para colheita da safrinha, em agosto. A menos que você queira pagar bem caro, nos supermercados, por milho irrigado, terá de esperar até dezembro/janeiro, na safrona de verão, para saborear curau, bolo e pamonha feitos em casa. De nossa parte, aqui em Guará-SP, aproveitamos razoavelmente bem. Só não foi nota 10 porque pamonha não fizemos. Atacamos três vezes a roça do Francisquinho, na Grota, e nas três vezes fizemos bolo e curau. Foram 30, 40 espigas em cada investida. Ou em cada roubada de milho. Sim, milho não se pede, se rouba. Mesmo se pedir ao dono, a gente fala que vai roubar milho. É costume. A gente chega para o dono da fazenda, ou do sítio, e pergunta: “Já tem mii bão?” Se o cara responde “tem, pódi ir lá pegá”, a gente acrescenta: “Vô lá robá um meio saco, intão”. Não sei de quando vem nem o porquê desse costume, sei que sempre foi assim, e deve ser, no fundo, aquela história: jabuticaba roubada é mais gostosa. Além do que, no nosso caso, a roça do Francisquinho fica parede e meia com o nosso sítio. Aliás, fica dentro, porque o Francisquinho plantou milho no meio alqueire que arrendou do meu pai. No começo o sítio tinha uns cinco alqueires, mas sabe como é, aperta daqui, aperta dali, vende um alqueire aqui, outro lá, e o que sobrou mesmo foi a casa, com uma boa área de pomar e um pequeno cafeeiro, além de um bambuzal e dois eucaliptos gigantescos onde uma turma de macacos faz a festa. E meio alqueire agricultável, que é arrendado pelo vizinho. E como a nossa política de boa vizinhança dá de lavada no Itamaraty, quando precisa a gente pega verdura no João Bim, mandioca e ovo no Diomedes... Neste ano, o alvo foi o milharal do Francisco. Meu pai e minha mãe apanharam as espigas, porque, se fosse eu, teria de abrir espiga por espiga, pra ver se está no ponto, e isso dá um trabalhão danado, além de uma coceira dos diabos, por causa do pó que cai dos pendões. Eu vou junto para dar aquele apoio moral e carregar as cestas lotadas. E meu irmão depois rala as espigas naquele ralador que costuma deixar as pontas e os nós dos dedos com um pouco menos de pele. O trampo acaba dividido civilizadamente, embora, no fim das contas, como em tudo, a mãe sempre se estrepa, porque depois tem a etapa final, a etapa do fogão, na qual, além de ficar de olho no forno para o bolo não passar do ponto, tem de ficar mexendo a panela do curau para o caldo não engrossar antes da hora, e nesse momento os marmanjões fogem da cozinha – são flagrados geralmente em frente da TV, deveras preocupados com o reality show da Record ou o jogo do Parmera. Tudo bem, minha mãe, assim como 99% das outras, acha que veio a esse mundo para agradar os filhos, daí que não demora e logo vem o aviso de que o curau está pronto. Quando a gente chega na cozinha, já vê os pratos fundos preparados, aquele mingau no ponto, cheiroso e fumacento. A gente come o curau quente, e aí você se toca de que culinária também é cultura, porque saboreando curau quente você entende direitinho o sentido figurado de “comer pelas beiradas”. O curau quente é quente praca. Tem de pegar as colheradas na beirada, e soprar bem antes, porque o contato do curau muito quente com a língua e o céu da boca é desastroso. Enfim, o troço é bão demais, mas se você perguntar se tem jeito de melhorar, eu digo que tem, mas aí você vai ter de convencer a responsável pelo preparo a deixar um pouquinho no fundo da panela, para aquele pouquinho juntar-se à rapa que normalmente já fica impregnada no fundo, aí você pega uma colher e rapa toda a panela, no fundo e dos lados. Meu amigo, rapa de curau só não é melhor que mulher, embora, para alguns, haja controvérsias. É a parte concentrada do curau, em que o milho e o tempero se manifestam em plenitude. A rapa da panela do curau é muito mais disputada que chave de carro e controle de TV. Se essa questão não ficar bem equacionada, pode comprometer o equilíbrio da família, destruir casamentos, gerar rancores fratricidas. Em casa, antes de eu ir viver no Paraná, eu e meu irmão revezávamos – num curau, a panela era dele; no outro, minha. Chegamos a esse acordo pela absoluta impossibilidade de dividir a dita cuja. Simplesmente não é possível dividir uma rapa de curau, por não haver solução salomônica para isso. Nem que a panela fosse dividida ao meio por um maçarico, uma das partes fatalmente reclamaria que na metade dele ficara menos rapa que na outra. Enfim, o fato é que, silenciosamente, nesses três últimos curaus, meu irmão, talvez julgando-o caduco, quebrou o acordo, e rapou olimpicamente as três panelas, sem qualquer satisfação. Poxa, brother, você sabe que rapa de curau não tem preço. Mas deixe estar, vou estudar um troco à altura. Minha vingança será malígrina!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Seção humor


Seção família

Andam bem os preparativos para os 90 anos de dona Zizinha, no final de agosto. O almoço deve rolar mesmo na casa dela, em vez de no sítio, cuja distância poderia afugentar um ou outro. Puxaremos um encerado para proteger a varanda de eventual tempo ruim e pronto. Já encomendei ao Diomedes um capadinho que na última semana de agosto deve chegar a quatro ou cinco arrobas. Mais uns quatro ou cinco frangos caipiras do João Luís na panela e a festa está garantida.
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Parto agora cedo para Londrina, para frila de duas semanas. Saudades da cidade e do povo. O frio não espanta; pelo contrário, atrai, até porque Festival de Música sem frio não cola. Domingo quero prestigiar o Tubarão na Série D. Dispenso risadinhas sarcásticas.
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De Guará levo um corte pequeno na mão esquerda, em função de bloco de cimento que eu e meu irmão carregamos até a mureta perto do galinheiro, para servir de degrau. Neste domingo, terminamos de podar - decepar seria a palavra mais correta - os pés de carambola. Meu pai temia que, carregados, eles destruíssem o telhado do barracão, com um vento mais forte.
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Do sítio do Francisquinho, de onde meu pai pegou esterco para renovar a horta, furtei cidras para a tia Ciló fazer doce. Para completar, já que a cidra pode render pouco, levei também três mamões verdes, que são ralados junto com a cidra. Na volta de Londrina, experimentá-lo-ei.
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Boa semana a todos.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Um bicão de Cianorte no funeral de Michael Jackson


Estava começando o segundo pão com manteiga do dia, agora cedo, quando puxei o Jornal da Tarde de quarta-feira. Pô, pão com manteiga no café da manhã é magnífico; lendo jornal, ainda que atrasado, é demais. Na puxada, veio o caderno Cidade e, na página 10, que abria a cobertura sobre o funeral de Michael Jackson, sob um mosaico de fotos do acontecimento, um box, com o título: "Entrei de penetra". Logo procurei o crédito da matéria, para saber quem tinha sido o autor da façanha, e estava lá: Jotabê Medeiros, de Los Angeles. Legal. Devorei o texto. Jotabê é camarada das antigas, dos tempos de faculdade. Eu sou da turma 84/1 da UEL, ele é uns dois ou três semestres mais velho. A Cris, que viria a ser mãe da minha filha Natália, convivia com a turma daqueles malucos: Jogó, Fredão, Riba, Joyce, Sandrão Dal Picolo, Jersey Gogel, tinha uma loirona de parar o trânsito que não lembro o nome, Roberto Francisco, Careca... Era uma turma mais chegada às letras, à poesia. Nelson Sato, Rodrigo Garcia Lopes, Pinduca... Nossa turma, frustrada com a derrota das Diretas, filha direta da Nova República, era mais chegada a boteco mesmo, cerveja, cigarro e sinuca. Preciso escanear uma foto em que o Jotabê aparece em meio a uma galera na festa de lançamento da revista Roteiro, em Londrina. 1986, 87. Se não estou gagá por completo, Jotabê é de Cianorte, assim como Roberto Francisco, que edita o jornal da Associação Comercial de Londrina. Tão logo se formou, Jotabê foi para São Paulo e logo começamos a lê-lo no Estadão. Está até hoje lá, no Grupo Estado. Quando o Corinthians levou uma sapecada do Cianorte - então dirigido por Caio Júnior - em Maringá, pela Copa do Brasil, um três a zero com direito a gol de bicicleta, na badalada estreia de Daniel Passarella como treinador dos gambás, eu era editor-chefe de O Diário, de Maringá, e Jotabê, nos States, escreveu um depoimento de lá para o Estadão. E, agora, essa. Como é largo, o Jotabê. Na matéria do JT, ele conta que estava em frente ao Staples Center com a credencial de jornalista, de pulseira azul, que identificava, na verdade, quem deveria ser barrado pela segurança. Até que viu um velho amigo da família Jackson que dera uma entrevista na CNN na noite anterior. Como bom fisionomista, reconheceu Steve Manning, se aproximou, puxou papo, fez uma breve entrevista e não é que o cara, que estava entrando na ala vip do funeral, o convidou para entrar? Vai ser largo assim lá em Cianorte. "Quase caí de costas", conta ele na matéria. E conta mais: que viu de pertinho o caixão dourado, as irmãs La Toya e Janet, o reverendo Jesse Jackson, além, é claro, de todos os artistas fudidões que se apresentaram naquilo que foi muito mais um show do que um funeral. Se quiserem mais detalhes, visitem o blog dele (medeirosjotabe.blogspot.com), onde também fala sobre a polêmica do diploma para jornalista - e fala muito bem, por sinal.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Deveríamos poder comer pão com manteiga à vontade

Adoradores de pão com manteiga, uni-vos! Precisamos fazer alguma coisa que nos permita ingerir essa maravilhosa combinação sem que nossos pneuzinhos e exames laboratoriais nos causem um monstruoso arrependimento. Vamos combinar: querem coisa mais gostosa que pão com manteiga no café da manhã, pão com manteiga no café da tarde, pão com manteiga antes de dormir, pão com manteiga em qualquer hora e lugar, pombas! Pão com manteiga não respeita geografia, fuso horário, tendência ideológica, opção sexual, nada! Pão com manteiga é uma das coisas mais importantes do mundo, depois do oxigênio e do futebol.

E por que, my god, essa dádiva divina tem de vir acompanhada de um caminhão de carboidratos, uma jamanta de triglicerídeos e uma tonelada de paranóias para quem quer ou precisa manter a silhueta em dia? Eu, particularmente, tenho o colesterol controlado por remédio e, se ganhar peso, meu bico de papagaio sai bicando tudo o que encontra pela frente. Sem falar que, mais pesado, meus joelhos baleados reclamariam praca.

Como a reivindicação é universal, proponho que utilizemos a internet – oh, santa ferramenta! – para colhermos assinaturas suficientes a fim de que todos os governos nos ouçam. Que todas as constituições, do hemisfério sul ao hemisfério norte, do G-8 aos Brics, Cuba, Irã, todas enfim liberem o pão com manteiga à vontade. Vamos a Haia, se preciso.

Não, não, esqueça. Os homens não podem modificar a atuação daquelas substâncias em nossos organismos. Pesando bem, não conseguiremos resolver isso no plano terreno. Infelizmente, o metabolismo não está condicionado às leis. Nem mesmo às cláusulas pétreas.

Nossa única saída, então, é apelar a Deus. Sim, é isso: estou absolutamente convicto de que Ele deveria usar uma pontinha de Sua autoridade para permitir que todos os homens, católicos, evangélicos, muçulmanos, hare krishna, qualquer um pudesse comer pão com manteiga à vontade. A uma simples ordem Dele, nosso organismo ficaria imune aos efeitos colaterais da refestelança.

Além do que trata-se de produtos relativamente baratos, poxa. O dilema, para nós, classe média, a quem um saco de pão e um pote de manteiga não causariam maiores estragos orçamentários, é que o maldito – ops, bendito – pãozinho tem um número estratosférico de calorias. Rápida pesquisa no Google revela: uma unidade de 50g tem 135 calorias. Adicionada a manteiga, então, a coisa deve ficar bem pior.

Aí reside o problema de apelarmos à intercessão divina. Como convencê-Lo da reivindicação se estaríamos, com isso, traindo justamente uma de Suas leis maiores? Claro, a gula é um dos sete pecados capitais. E convenhamos: esse papo de comer um pãozinho por dia, como recomendam nutricionistas e cardiologistas, não está com nada.

Antes de parlamentar com Ele, precisamos de um bom argumento. Talvez Deus seja condescendente se propusermos, por exemplo, algum sacrifício. Algum, não; um bom sacrifício. Vamos propor a Ele que, em troca dos efeitos colaterais de cinco pães com manteiga por dia, executemos um determinado número de boas ações e também eliminemos ações pouco dignificantes, dessas que cometemos rotineira e deliberadamente – e, na boa, quem não as tem?

Eu trocaria minha imunidade metabólica por um trabalho voluntário semanal, algo que fosse benéfico a toda a comunidade. E, em relação à segunda parte do trato, assumo o compromisso de convencer o meu pessoal a não pintar de cor-de-rosa o muro da entrada da torcida são-paulina em tardes de clássico no Palestra. Se essa for fraquinha, tem outras manchas piores no meu comportamento; deixa que eu me entendo com Ele.

Para demonstrarmos boa vontade, já abriríamos mão da manteiga animal. Nos contentaríamos com a vegetal. O tipo de pão ficaria em aberto, mas, se Ele solicitar uma padronização, fechamos no francês. E se for necessário ainda um ritual de consumo, proponho o meu: corta-se o pão francês em três partes, comendo-se primeiro os dois bicos e deixando a parte do meio, que via lambuzada de manteiga dos dois lados, por último.

Ademais, por ser barato, o consumo de pães ajudaria substancialmente o combate à fome e à miséria. Pô, essa é uma missão divina, é ou não é? Quantos pães e gramas de manteiga não daria para comprar com o Bolsa-Família? Melhor: por que o Lula, aproveitando os estertores do seu governo, não cria dois subitens desse benefício social, o Bolsa-Pão e o Bolsa-Manteiga? A aprovação ao metalúrgico barbudo ia passar dos 100%.

Sem falar no incremento das atividades esportivas. Vejam o caso de São Paulo. Uma eventual explosão de venda de pães criaria inúmeros empregos e deixaria os donos de padaria com grana suficiente até para transformar a Portuguesa em time grande. Isso, sim, hein, seria um milagre.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Cala a boca e me deixa

Aqui vão algumas notas pontuais, que servem para comentar assuntos quentes, e que depois serão deletadas, como fiz com alguns posts sobre futebol, para que fiquem no blog apenas os textos que valem a pena mesmo - ou mais ou menos. São notas pelas quais planejo fazer um elogio, registrar uma data, ou uma indignação.



Quinze anos de Plano Real, comemora-se hoje, terça-feira. Parabéns a Edmar Bacha e Pérsio Arida, os mentores, e a Rubens Ricúpero, ministro da Fazenda que o implantou. Parabéns - vá lá - a FHC, Gustavo Franco e demais tucanos que o consolidaram. Uma de minhas maiores decepções com o PT, o qual eu defendia com unhas e dentes naquela época, foi, primeiro, ter jogado contra o Plano Real por motivos evidentemente eleitoreiros e, segundo, por até hoje falar em "herança maldita" de FHC, sendo que, sem o Real, estaríamos nas trevas até hoje. Parabéns, presidente Itamar Franco.

Roger Federer conquistou, domingo, em Wimbledon, seu 15º Grand Slam e tornou-se, assim, o maior tenista da história. Pete Sampras viu tudo de perto e concorda. Antes de Sampras e Agassi duelarem magistralmente, eu já via os embates heroicos entre McEnroe e Borg. Apesar da rebeldia da época, torcia por Bjorn Borg. Uma das minhas lembranças de adolescência foi ter ficado quatro horas e meia sem piscar em frente à TV vendo-os jogar. Acompanho quase nada do tênis pós-Guga, mas imagino o quanto esse suíço Federer joga.


E a propaganda da tal coleção "Paixão Sertaneja"? Há tempos notei que a Som Livre, que é da Globo, quando lança algum produto, massacra o público da TV com uma propaganda maciça, excessiva. Chega a ser aviltante com outros artistas e produtos. A cada intervalo, todos os dias, semanas a fio, aquele som que invade teus tímpanos e se aloja ali, tal qual um parasita. A bola da vez é esse sertanojo indecente. Socorro, Conar: não há no conselho nenhuma regulamentação contra abusos desse tipo? Alô, Som Livre: cala a boca e me deixa!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Nomes que servem para homem e mulher


Sempre me encafifou esse negócio de nome que serve para homem e mulher. Semana passada, estava batendo perna no centro de Ribeirão Preto, à espera de um rega-bofe na chácara onde um primo meu e uma turma de cafajestes se reúnem toda quarta, quando me lembrei de levar os óculos a uma ótica. Os aros já estavam bambos e as lentes, vergonhosamente sujas e riscadas. A moça que me atendeu, perto da Praça XV, disse que o caso era de solda e me indicou um sujeito ali perto, na rua Amador Bueno. “Procura o Dercy”, indicou a balconista. Bem, não sei se o nome do cara se escreve com i ou com y no final, mas o encontrei a um quarteirão e meio, na UTI do Óculos. Por quarenta pilas, Dercy fez um serviço de primeira, tão bom como faria o Zildo na Ótica Senador, do brahmeiro Carlão, em Londrina.

Saí de lá satisfeito e encafifado. Lembrei do Darci, irmão do tio Nilson, tão careca quanto corintiano (o tio Nilson, já que o Darci é são-paulino doente), para exemplificar casos de nomes que servem tanto para homens quanto para mulheres. Como espelho do Darci são-paulino tem a Darci Vargas, esposa do rechonchudo gaúcho presidente. Mas Dercy... Talvez o espanto tenha se dado pelo fato de eu ter associado rapidamente com a centenária e impagável Dercy Gonçalves. Ah, e lembrei agora de outro nome parecido, e também unissex: Darli, do desqualificado fazendeiro que encomendou a morte de Chico Mendes.

Nas rotineiras conversas com a tia Ciló na varanda da vó Zizinha, surgiram, em momentos distintos, dois nomes masculinos que chamaram atenção: Adalgiso e Esmeraldo. Pô, pensei, são nomes convencionalmente femininos, que foram masculinizados por alguma razão – geralmente, nesses casos, quando o casal deseja muito uma menina, já escolhe o nome e se o destino preferiu cara em vez de coroa, então apenas adaptam para o outro gênero. Deve ter sido isso...

E tem também os nomes compostos que originam o mesmo apelido. Tanto José Maria quanto Maria José projetam o ou a indefectível Zezé. Conheço casos dos três gêneros: o feminino, da Zezé Telles, minha amiga de primeira infância; o masculino, do Zezé Scapin, nosso zagueirão no time da Grota; e, na coluna do meio, o Zezé, exemplar da figura imortalizada por aquela marchinha de carnaval “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que é?” O Zezé que conheço é.

Também nas primeiras séries escolares, no Neif Antônio, em Guará-SP, tínhamos uma colega de classe chamada Donizeti. Lembro quase nada dela, mas o pouco que lembro me traz à mente uma figura fechada, introspectiva, envergonhada, um tanto arredia. Terá sido pelo nome? Pois ela é a única representante feminina da categoria dos Donizeti. As dezenas de outros que conheci são todos homens.

Minha namorada Danielle acrescenta Itamar na galeria dos nomes unissex. É verdade, ainda mais com aquele topete do ex-presidente. Ela cita também Josimar. Pô, o único de que me lembro é o lateral direito da seleção na Copa do México, em 1986. Na boa: depois daquele Mundial, seria difícil encarar uma Josimar, por mais bela e atraente que fosse. Suspeito que a todo instante seria aterrorizado pela figura do Josimar comemorando aquele golaço de fora da área contra a Irlanda do Norte, agitando os braços freneticamente e correndo como se estivesse numa raia de atletismo com barreiras.

Mas o caso mais impressionante deve ser o Íris. Em Goiânia tem o Iris Rezende, prefeito cassado pelo regime militar em 1969 que voltou como governador em 1982, naquela leva de oposicionistas que venceram em Estados importantes, como Montoro em São Paulo, Richa no Paraná e Brizola no Rio. E o Iris Rezende, imaginem, é casado com a Iris, que, lógico, não é a Abravanel, pois essa é casada com Silvio Santos.

Devo confessar que tenho sentimentos bem diferentes em relação ao meu nome e às referências a que ele está sujeito. Em relação ao sobrenome, uma pontinha de orgulho, pelo Fischer notabilizado pela atriz catarinense Vera, uma das mulheres mais bonitas desse país. Em relação à versão feminina de Rogério... Bem, deixa pra lá.

Alguém aí conhece casos inusitados de nomes unissex?

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Xis-tudo


Em Ribeirão para alguns contatos profissionais, fui, lógico, ao Pinguim. Tomei quatro chopp a R$ 4,40 cada um - já incluindo os 10% - e, a caminho da casa do meu primo, parei num carrinho de lanches para encher a pança. Pedi, lógico, o xis-tudo. E, no tal Lanche do Macal, na Avenida do Café, próximo à USP, me ocorreram muitas lembranças sobre lanches. Lanche de carrinho, para mim, é que nem feijoada ou macarronada à bolonha: tento comer apenas de vez em quando, mas, quando como, é pra chutar o balde. Não sei que gosto tem um xis-salada. Ignoro o sabor do xis-bacon. Apenas imagino como deve ser um xis-galinha ou um xis-egg. Desde a primeira experiência com lanches de carrinho, foi só xis-tudo pra cima. Digo lanches de carrinho porque, na infância, meu lanche favorito era o misto quente. Meu pai nos levava de vez em quando no restaurante do posto Algodoeira, na rodovia Anhanguera, para comer o comercial de lá, e eu, moleque besta, só comia sanduíche, e era só misto quente - três ou quatro a cada noite que íamos lá. Daí fui pra Londrina, cursar UEL, e o sanduíche para aliviar a fome às três, quatro da matina, depois de uma noite toda bebendo cerveja no Jota ou no Tio Mário, tinha de ser o maior que tivesse. Ao pegar o cardápio, só olhava a parte de cima, onde ficavam os mais ignorantes. Geralmente começava pelo lanche da casa, aí ia descendo, xis-tudo, xis-baderna, umas ignorâncias assim. Dia desses um primo me falou sobre um tal xis-monstro que, se Deus quiser, vou provar antes de morrer. E a rotina, durante toda a faculdade, foi essa: o maior lanche do carrinho quase todo final de noite. Tirando o efeito colateral de ter explodido meu índice de colesterol aos 20 anos de idade, era a maior delícia da paróquia. E Londrina, naquela época, meados da década de 80, tinha lanches de responsa. Tinha o Rangus, perto do Moringão. Tinha o Viva Verão, ou Verão, sei lá, no alto da Humaitá, em frente ao Mercado Municipal. O Mad, que trabalhou anos no Jota, saiu do Jota para trabalhar lá. Depois montou um lanche no Cincão. Tinha um carrinho que não me lembro o nome instalado num vagão - quase todos eles eram assim - na esquina da Paranaguá com a JK, ao lado do RU. Esse carrinho fazia o lanche mais sequinho de todos. O hambúrguer, o bacon, o ovo, a salsicha, enfim, todas as frituras vinham sequinhas, o pão bem prensado. Ficava aparentemente fino demais, mas era só impressão; lá dentro estava tudo concentrado, bem feitinho. Tinha um carrinho também muito bom no alto da JK, num terreno vazio quase esquina com a Fernando de Noronha. Esses lanches arregaçavam nosso colesterol, mas pelo menos não davam aquela azia do xis-queca do Clube da Esquina e daquele macarrão desqualificado do Café Set. Acho que tem até hoje o lanche da tia da canja, lá no alto da JK, quase Santos Dumont. O lanche do Jota também era gostoso, mas era inofensivo perto dos carrinhos - um aperitivo, somente. Tinha também o macarrão do Valentino, famosíssimo, mas caro para os bolsos de estudante quase bicho grilo. Tinha que dividir com alguém, mas não tínhamos paciência nem etiqueta para isso. Então reservávamos grana para devorar um xis-ignorância todo final de madrugada, depois de acompanhar o som de Luisinho, Marcão, Aurélio, Tadeu, Pedrinho Livoratti no Lumiar e, depois, no Clube da Esquina. Tinha também o Cansado, que agora é Cândido, e ai de quem chamá-lo pelo velho apelido. Da última vez que o encontrei foi em São Paulo: ele e uma trupe subiam a Cardeal Arcoverde rumo à praça Benedito Calixto, cheios de pratos, bumbos e outros instrumentos pesados pra cacete. Havíamos matado o lendário baião de dois do Bil, na companhia inesperada do Yuri, e ajudamos o Cans..., digo, o Cândido, a levar aquela parafernália toda. Aquele baião de dois não havia pesado na barriga nem um tiquinho do que pesava nossos lanches na madrugada de Londrina. As poucas vezes em que dávamos um tempo nos xis-badernas era pra tomar uma canja no Nanico (quando tínhamos algum dinheiro a mais), uma canja no Sereno (era um pouco mais cara e mais gostosa; as mulheres de lá, em relação ao Nanico, também) ou, heresia das heresias, sacrilégio dos sacrilégios, matar uma porção de costela no Bar da Costela. Acho que já disse isso em algum lugar: aquela guloseima do Davi devia ser responsável pela metade do colesterol da América Latina. Tratava-se de nacos grandes de costela gorda que ficavam banhando em tigelas cheias de farinha. O Davi não abria mão de um milímetro cúbico de gordura sequer. Ao servir, em pratos fundos, colocava uma porção generosa de farinha e uma ou duas conchas de costela com bastante molho. Às quatro, cinco, seis da manhã, meu amigo, era caixa! Colocávamos as mesas no meio da rua, em plena Celso Garcia, e devorávamos aquilo como o néctar dos deuses. Mas o que me fez lembrar dessas extravagâncias todas, ontem à noite, aqui em Ribeirão Preto, foi que no carrinho do Macal serve-se catchup e maionese como nos velhos tempos: naquelas bisnagas grandes de plástico, com as quais o cliente serve-se à vontade. Tudo bem, nos sachês você também se serve à vontade, mas não é a mesma coisa. Os sachês, apesar de flagrantemente mais higiênicos, são chatos de manusear. Tem de ficar abrindo aquelas coisinhas, uma por uma, e, como sempre comi unha, não conseguia abrir direito. A ansiedade também atrapalha. Com a bisnaga é diferente. O ritual consiste em dar um galeio com o biquinho virado pra baixo, para a maionese ficar em posição favorável dentro da bisnaga. Você deu o galeio correto se um pouquinho de maionese cair no chão. Aí você põe porções generosas, dessas de fazer você gastar dois ou três guardanapos em cada mordida. Ok, ok, a visão de um estudante de Jornalismo devorando um xis-ignorância com muita maionese e catchup na alta madrugada não é lá das coisas mais bonitas de se ver. Ontem à noite, em Ribeirão, foi assim. Mas, aos 43, a gente disfarça bem.