quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Octa

(Publicado no Jornal de Londrina desta quarta, 15/12)

Os três diabinhos se reuniram no Bar Celestial para acompanhar o jogo do Inter no Mundial. A bola ainda não estava rolando em Abu Dabi quando Luís César resolveu provocar Moitinha.

– Até que enfim ganharam alguma coisa no futebol. Achei que iam passar o ano do Centenário só com o título da Fórmula Truck.

– Tá me zoando, bambi?

– Ué, ganharam o Torneio Cidade de Londrina. De master, é verdade, mas ganharam, pô. E em cima do Parmera, hein...

Moitinha já ia soltar um palavrão daqueles dignos de cartão vermelho quando Bracciola chegou. Soltou um “e aí?” protocolar, acomodou-se e ficou em silêncio, lendo uns papéis que acabara de imprimir de um site – sim, no purgatório também tem computador e internet.

E em silêncio ficou. Lia e relia. Só dava um tempo na hora de entornar um gole generoso de cerveja. Aquele ritual estava deixando os colegas tensos. O são-paulino tentou quebrar o gelo.

– O que você tá lendo aí, porcão?

– Nada não.

E assim foi até a metade do segundo tempo. Seis garrafas vazias na mesa. Com a bexiga cheia, Bracciola pegou os gargalos de três cervejas em cada mão, deixou-as no balcão e foi tirar água do joelho. A papelada ficou virada de cara para a mesa, com a chave do carro em cima.

Moitinha não se agüentou. “Vamos ver o que esse porco imundo tá lendo.” Esticou o braço, alcançou os papéis. Luís César arrancou um para ele. Praguejaram ao mesmo tempo.

– Ai, cacilda!

Era a cópia de uma matéria de um portal de notícias. A manchete: “CBF iguala Robertão e Taça Brasil a Brasileiro. Santos e Palmeiras viram octas”. Em outra página, o novo ranking de títulos nacionais.

Passaram a desdenhar daquelas conquistas, apontando discrepâncias e contradições. Se fosse o Timão o favorecido – argumentava Moitinha – estaria todo mundo caindo de pau. “Quem vive de passado é museu”, vaticinou o tricolor.

Ainda estavam roxos de raiva quando viram o colega voltando do banheiro. Silêncio geral. Na mesa, ninguém mais falava nada. Bracciola então notou que os papéis talvez não estivessem exatamente do jeito que deixara. No final, Inter 3 x 1 Mazembe. Moitinha e Luís César falaram que tinham que ir pra casa. Bracciola disse que ia tomar mais umas oito.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Chorintians

(Publicado nesta quarta-feira, 8/12, no Jornal de Londrina)

No domingo, a fim de secar mais de perto o Curíntia, o diabinho Bracciola pediu licença ao Divino e desceu até Londrina. Chegou cedo e começou a peregrinação pelo Vale do Rubi, onde acompanhou uma pelada daquelas de matar qualquer um de risada. Seguiu a turma de peladeiros até o bar do Quinim.

Com meia dúzia de Brahmas na telha e o estômago roncando, já passava das três da tarde quando Bracciola saiu andando pela Nilson Ribas, pegou a Tiradentes, seguiu a JK, quebrou à esquerda, atravessou a Leste-Oeste e acabou caindo num inferninho da Duque.

Lá, acompanhou a rodada decisiva numa TV de 14 polegadas e acalmou o estômago com duas coxinhas e um quibe com cara de anteontem.

Consumado o título do Flu, ficou em dúvida se ia até o Moringão ver as lutas do Londrina Fight – ganhara convite do Lelei, com quem puxara conversa nos Bancários – ou ficava por ali mesmo. Já meio zureta, acabou ficando e, pra comemorar, pediu uma dose de Velho Barreiro.

A mulata com pneuzinhos salientes – que ele tinha desdenhado quando entrara no bar – ganhara, àquela altura, contornos de princesa. Bracciola passou a olhar de esguelha para a mulata, mas agora era ela quem o desdenhava. E logo apareceu o motivo: um sarará com cara de pedreiro – e em cuja dentição faltavam o centroavante e o meia-esquerda – interpelou-o:

– E aí, branquelo, tá querendo o que co’a minha nega?

O sujeito vestia uma camiseta do Curíntia, daquelas do tempo da Kalunga, a 10 com o nome do Neto atrás. Bracciola achou que era melhor mudar de ares. Passara a semana escutando choramingo dos corintianos por causa da “entregada” para o Fluminense.

O consolo era que, ao sequer terem ganhado do Goiás, os corintianos pelo menos parariam de culpar o Parmera por suas mazelas. Daí sua cara de espanto quando o sarará voltou à carga:

– E ainda por cima ocê tem cara de parmerense. Perdero pro Cruzeiro só pra deixá nóis em tercero.

Ah, não, pensou Bracciola. Aí já é demais. Levantou-se, tirou água do joelho, acertou a conta, entornou mais uma dose, passou incólume pelo corintiano, chegou à calçada, olhou para a direita, aprumou o passo e desceu a Duque de Cachaça cantando.

– Salve o Chorintians / O mais chorão dos mais chorões / Eternamente / Dentro dos nossos coraçõeeessss...

Brincadeiras e mancadas do garçom Nelson

(Publicado na seção Boas Histórias, do site da Sercomtel)






Nelson Faneco mora no conjunto São Lourenço. Tem 71 anos – cinco a menos que Londrina, levando em conta a data da emancipação. Nasceu “na fazenda do Mister Thomas”, onde hoje é o conjunto Lindóia, zona leste da cidade. Seus pais vieram de Catanduva (SP). O pai trabalhava no setor de Costumes da Polícia Civil, checando livros de entrada de hóspedes em hotéis e pensões daquela Londrina pioneira.

Talvez isso explique o gosto de Nelson por lugares movimentados como o Restaurante Rodeio, onde trabalha desde janeiro de 1969. Seu estilo peculiar de atendimento o faz conhecido por todos. Na área central de Londrina, não há uma mosca que não o conheça.

Nesse tempo todo de Londrina e de Rodeio, Nelson Faneco colecionou amigos, homenagens – é, inclusive, cidadão honorário – e histórias.

Maguila
Nelson gosta de lembrar quando o pugilista Adilson Maguila Rodrigues (nosso maior peso-pesado, apesar do queixo de vidro) esteve na cidade para enfrentar o norte-americano Mike White, que de white não tinha nada – era um respeitável afrodescendente de dois metros e cacetada, que depois daquela luta no Moringão, em 1984, foi jogar basquete no Corinthians.

Na noite anterior à da luta, provavelmente hospedados que estavam no hotel Bourbon, os dois contendores foram jantar no Rodeio. Ficaram em mesas distantes e se trataram friamente. Nelson lembra que White jantou um filé. Maguila, dois – com sobremesa. No dia seguinte, depois da luta, banho tomado e tudo, voltaram ao Rodeio para jantar, já tardão da noite. “Foi engraçado vê-los sentados nas mesmas mesas, com uma diferença: as duas caras amassadas de tanta pancada”, diz Nelson.

Moraes Moreira
Nelson conta também um mico que pagou no tempo da ditadura. Havia três caras que todos os dias, religiosamente, comiam no Rodeio. Sentavam-se na mesa 11, do canto. De repente, os rapazes sumiram. Dez anos depois, reapareceram. Os três entraram no Rodeio, sentaram-se à mesa 11. Nelson, agitado como sempre, ao atendê-los, brincou: “Vocês estavam presos, por acaso?” Quase. Eram três ativistas políticos que passaram uma década exilados.

Situação semelhante ele viveu quando “um cara barbudo, cabeludo, de havaianas no pé” sentou-se à mesa 5 e pediu, no Rodeio, o que poderia ter pedido em qualquer espelunca da cidade: arroz, feijão e ovo frito. Ressabiado, Nelson encostou-se no balcão do caixa e cochichou para Arlindo, o dono: “Não vou servir aquele cara ali não. Não passa de um mendigo”. Arlindo esticou o pescoço e devolveu: “Você não sabe quem é? É o Moraes Moreira, Nelson”.

Jô Soares
O famoso apresentador foi alvo de brincadeira de Nelson quando fez um show em Londrina em meados da década de 80. Jô chegou para jantar, com sua trupe, já perto da 1h30 da madrugada e, para ele, pediu filé na manteiga completo.

Nelson não se fez de rogado: depois de consultar um dos amigos do apresentador, que lhe deu sinal verde, aproximou-se de Jô e, em pé, passou a falar de uma disfunção orgânica da qual sofria. Contou que aquilo lhe atrapalhava muito, que havia consultado vários médicos e nada. Depois de muita lenga-lenga, perguntou a Jô se ele sabia “o que é bom para urina solta”.

Enquanto aguardava a resposta, deixou cair feijões na perna de Jô, o que, segundo ele, dá a impressão, para quem é a vítima da brincadeira, de urina sendo despejada. “O Jô se assustou, como todo mundo se assusta, mas acabou caindo na gargalhada”, afirma Nelson. “Viu, fio?”

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

História de torcedor: Carlos quer desenterrar bandeira do Palmeiras

(Publicado na seção Boas Histórias do site da Sercomtel)




A trágica derrota do Palmeiras para o Goiás na quarta-feira dia 24 de novembro, em pleno estádio do Pacaembu lotado, foi mais uma ducha d’água fria na torcida. Afinal, o Verdão vai terminar a década sem ter conquistado um título expressivo.

Pior é que o time de Felipão só precisava empatar em casa com uma equipe que já estava rebaixada para a Série B do Campeonato Brasileiro. E, ainda por cima, saiu na frente do placar. E conseguiu tomar a virada, para desespero de 37 mil incrédulos torcedores – entre eles o garotinho de oito anos que apareceu chorando na TV.

Nada, porém, parece abalar o lado espirituoso desta gente – como mostra esse caso ocorrido em Assaí, Norte do Estado, segundo o relato de Silvio Antônio Bueno (foto), que há nove anos toca uma pastelaria na avenida Rio de Janeiro, área central de Londrina.

A família Fuzari é formada por descendentes de italianos que há muito tempo vivem na região de Assaí e Cornélio Procópio. No início do ano passado, morreu seo Lázaro, “palmeirense doente”, na definição de Sílvio, “daqueles que gostam de ver jogo sozinho, sabem a escalação de equipes antigas do Palestra Itália e são capazes de sair na briga se o Parmera for destratado”.

Não só seo Lázaro era fanático pelo Palmeiras. A paixão é comum em toda a família. Durante o enterro, realizado no cemitério municipal de Cornélio, Tiago, jovem escriturário, neto de Lázaro, colocou uma pequena bandeira, uma flâmula, do Palmeiras junto do avô.

Carlos, dono de restaurante em Assaí, desconfiado como todo bom palmeirense, cochichou com alguém do lado: “Isso não vai dar certo”. Outro parente, mais zombeteiro, ainda brincou: “Vô, não vai enterrar o Palmeiras junto, hein...”

O fato é que, desde então, o Palestra só colecionou fracassos. No ano passado, sob o comando de Muricy Ramalho, hoje no Fluminense, liderou boa parte do Campeonato Brasileiro, era apontado como favorito disparado ao título, mas “amarelou” na reta final e nem para a Libertadores se classificou.

No primeiro semestre deste ano, fez campanha pífia no Paulistão e foi desclassificado prematuramente da Copa do Brasil. No intervalo estabelecido para a Copa do Mundo, na África do Sul, acertou a contratação de Luís Felipe Scolari, campeão mundial com a seleção em 2002 e comandante da campanha vitoriosa do Palmeiras na Libertadores de 1999.

Para os palmeirenses, chegara a hora do clube voltar a conquistar título, ainda mais depois que a diretoria trouxe de volta o atacante Kleber e o habilidoso meia chileno Valdívia.

Com campanha irregular no Brasileirão, Felipão decidiu priorizar a Copa Sul-Americana, que dará ao campeão vaga na Libertadores do ano que vem – grande objetivo do clube para 2011. O time chegou à semifinal e, mesmo apoiado maciçamente pela torcida, e tendo vencido o Goiás no primeiro jogo, em Goiânia, “surtou” ao levar o gol de empate em São Paulo e acabou derrotado.

Para o filho Carlos, tão fanático quanto o pai Lázaro, só resta uma alternativa: “Vamos desenterrar o caixão e arrancar a bandeirinha de lá”, disse ele para a esposa, que deu de ombros. “Isso é coisa de louco”. Mas tem gente em Assaí e Cornélio que não duvida muito disso não.

No boné

(Publicado no Jornal de Londrina desta quarta, 1/12)

À espera do Moitinha, Luís César e Bracciola discutiam sobre o que iam conversar até a chegada do corintiano, na sagrada reunião das terças à noite. Haviam matado três cervas e dois espetos com farofa e molho verde, especialidade do tio Mário, que àquela altura do campeonato vez ou outra passava resmungando pela mesa dos amigos diabinhos, já disposto a fechar as portas e descansar os ossos.

Luís César, absolutamente conformado com o ano meia-boca do São Paulo, sugeria o assunto. E Bracciola, azedo por mais uma temporada trágica do Palmeiras, não dava muita trela.

– Eleições no LEC?

– Vamos ver no que dá.

– Vôlei na Superliga!

– Quando o time entrosar, engrena.

– Futsal.

– Trombamos com um osso duro. O Guarapuava joga muito.

– Barça cinco, Real zero.

– Vixe, que sapatada, hein...

– Propina pro Ricardo Teixeira.

– Grande novidade...

– Sei lá, venda da Garcia, censo do IBGE, Complexo do Alemão, Conferência do Clima, vamos falar de alguma coisa.

– Na verdade, tô doido para saber se o Moitinha usou verde domingo...

– Mesmo que tivesse usado você sabe que ele não falaria nem morto.

– Aposto que ele usou. Não foi só na Duque que viram ele não. Na Sergipe também. O Silvio da pastelaria viu ele perscrutando umas lojas por lá.

– Percrus o quê?

Nisso, Moitinha chegou. “Entregaram, né?”, foi logo desabafando, olhando torto para o palmeirense. “Lá se faz, lá se paga”, rebateu Bracciola, sem esconder um sorrisinho sarcástico, enquanto já elocubrava alguma maneira de arrancar do colega a confissão de que teria usado alguma peça de roupa verde como superstição para ver se o Parmera arrancava pelo menos um empate do Flu, como fora sugerido por um pai-de-santo do Cincão.

Instiga daqui, arrisca dali, e nada. Até que Bracciola percebeu que Moitinha usava o mesmo boné com o qual fora visto no domingo todo. Desconfiado, o palmeirense arrancou o boné da cabeça do corintiano, observou todos os detalhes e arrematou:

– Ahá, é verde por dentro.

– É pra torcer pro Guarani, seu porco imundo.

Atrás do balcão, tio Mário suspirou. Aquela conversa ia longe...

Em boa companhia


Foto de Gabriel Teixeira mostra o bonitão aqui com Andrea Monclar e Claudia Romariz, na festa Top de Marcas 2010, no buffet Planalto, dia 25. Eu e Fábio Cavazotti produzimos a revista Top deste ano. Monclar aniversariou dia 2 e, no último sábado, reunimos amigos comuns, em casa, para dar conta de um barril de 30 litros. Na festa do Top de Marcas teve show solo de Guilherme Arantes e a presença da Miss Paraná e de um atriz global de nome complicado. Foi muito legal ter produzido a revista do Top porque, acima de tudo, foi mais tampo bom dos vários que, felizmente, fizemos e estamos fazendo neste último trimestre do ano, o que nos dá boas perspectivas para 2011 quanto ao futuro da Tangará Comunicação. Nesta quarta em que eu aniversario, já antecipo boas festas e feliz ano novo para todos.