quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fiapos

(Publicado no Jornal de Londrina desta quarta-feira, 26/01)


Abençoado o homem cujo café da manhã é uma manga Sabina inteirinha, bem madura, pensou Bracciola a caminho da feira, domingo de manhã, ainda curtindo o sabor do desjejum e tentando se livrar dos últimos fiapos entre os dentes.

O fiapo mais resistente, sempre, é aquele que ocupa o vácuo entre a meia e a ponta-esquerda, e Bracciola, agora no meio do povão que transita pela rua Alagoas, não querendo levar os dedos à boca para puxar o maledeto, usava a língua, num gesto que remete a uma daquelas piadas infames de gaúcho.

Não por etiqueta, que ele não é muito disso, mas para não dar trela pra que ninguém, ainda que baixinho, o chamasse de porco – justo naquela manhã, em que estreava a camiseta que mandara confeccionar em homenagem à unificação dos títulos nacionais.

– Galinha botou tem que cacarejar, ué.

Bracciola gastara 25 mirréis para uma estamparia produzir uma Hering branca com golas verdes, um enorme distintivo do Palmeiras na frente e, embaixo dele, OCTACAMPEÃO NACIONAL.

E agora, à procura da barraca dos queijos frescos, ele dobrava a São Paulo, observando a feição de quem inadvertidamente batia o olho na camiseta e, principalmente, tentando imaginar a cara do cidadão quando lesse a frase escrita nas costas: DESCULPA AÍ.

No retorno para o carro, fingiu não ter visto o morcegão do Ivo Akio estacionado de bico para o cemitério – ainda não era hora para um encontro dessa envergadura – e rumou para casa, ansioso para ler na internet notícias do vôlei, que enfrentara, na noite anterior, o Santo André, fora de casa, na abertura do returno da Superliga.

Vitória massacrante, 3 a 0, sexta colocação consolidada, três jogos em casa pela frente, beleza pura. Daí se deparou com a notícia da morte de Fábio Crippa, goleiro campeão da Taça Rio, mundial disputado em 1951 que, para os palmeirenses de quatro costados, vale mais que um balaio de Toyotas.

Crippa tomou o posto de Oberdan Cattani – ainda vivo, morando perto da Turiassu e colaborando sobremaneira com a cornetagem por lá – na semifinal, e fez partidas memoráveis contra o Vasco e a Juventus.

– Goleraço!

E continuou a navegar, em busca de notícias sobre o Tolima, seu time de coração nesta quarta-feira.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

À espera do avião, Adriano pilota um bar na Maranhão

(Publicado na seção Boas Histórias do site da Sercomtel)





Vá lá saber como nascem os bons botequins, desses que formam uma clientela fiel que os mantém abertos por décadas. Seja qual for o segredo, o caso do Bar do Adriano, na rua Maranhão, centro de Londrina, certamente escapou de qualquer receita convencional.

Afinal, quase tudo ali – incluindo a decoração – é obra dos próprios fregueses, gente que perambulou uma vida toda à procura de um espaço em que pudesse realmente se sentir à vontade. E, finalmente, achou.

Trata-se de um local reservado, que muitas vezes passa despercebido. Fica na lateral da saída de um estacionamento. Não há placa – o que faz com que ninguém, com exceção do dono, saiba o nome oficial do estabelecimento: “Garagem”. É o Bar do Adriano, e ponto.

E a coisa tinha tudo para dar errado. Inaugurado no final de fevereiro de 2010, o negócio capengou logo no início, com a saída – não muito honrosa – do sócio de Adriano, que resolveu dar um pulo em Lins (Lugar Incerto e Não Sabido) e até hoje não voltou. Foi um tombo federal.

Habituado à dura lida do sítio onde nasceu e viveu até os vinte e poucos anos, em São José do Povo, a 80 km de Rondonópolis, no sudeste matogrossense, Adriano encaixou o golpe e foi à luta, contando com a contribuição dos próprios clientes.

Presentes
O bar exibe peças de todos os tamanhos doadas pelos fregueses, que foram levando para lá coisas que achavam “a cara” do local – copos com distintivos de clubes de futebol, pequenas peças artesanais, samambaias.

“Nem acreditei quando vi um cara magrinho carregando nas costas uma roda de carroça”, conta Adriano, se referindo a Pinduca, o frequentador que, além da roda, pôs estofo em mesas, cadeiras e banquetas por um preço camarada.

Com o bar sob sua direção, Adriano passou a oferecer música ao vivo, uma vez por semana. Passaram por lá músicos de tradição da noite londrinense, como Joel, Timóteo, Pinheiro, que atraíram, segundo o proprietário, “uma galera mais antiga”, que conheceu e se misturou aos mais jovens, dando ao bar a característica atual: um clima de camaradagem e descontração.

Pela TV
A descontração transformou-se em euforia quando Adriano decidiu homenagear a clientela: o pessoal que vai às quartas-feiras, dia de costela e som ao vivo, é fotografado e, na semana seguinte, enquanto a música rola, se vê em slides projetados na TV de 32 polegadas.

“O pessoal sente-se em casa”, afirma Adriano, que recebe os fregueses sempre com a mesma brincadeira. “Você tem dente cariado?” ou então “Pode ser assim?” – ele pergunta, antes de abrir uma cerva estupidamente gelada.

O bar na rua Maranhão é o primeiro negócio próprio de Adriano Pereira Neto, 28 anos, terceiro de cinco irmãos. Depois que deixou o sítio da família, trabalhou como operador de máquinas, motorista e mecânico de uma empresa agrícola e, da amizade com um piloto que fazia pulverizações, nasceu a paixão pela aviação.

Assuntando daqui e dali, Adriano descobriu o curso de Ciências Aeronáuticas da Unopar. Desembarcou em Londrina no dia 7 de novembro de 2007. Cursou os dois primeiros anos de Ciências Aeronáuticas em 2008 e 2009. Em 2010, trancou a matrícula para se dedicar ao bar.

Carreira
No segundo semestre daquele ano, fez o curso teórico para piloto privado, cuja banca está marcada para fevereiro. Uma vez aprovado, estará apto a realizar aulas práticas de voo. Daí, pretende retomar o curso na Unopar, até alcançar a meta de atuar na aviação comercial – de preferência, numa empresa de táxi aéreo.

“Quero seguir carreira”, ele avisa. E o bar, como fica? “Arrumo um sócio ou um funcionário que saiba administrar direitinho.”

Ametur informa!

(Publicado no Jornal de Londrina desta quarta-feira, 19/01)


Luís César jiboiava na cadeira da varanda. Devorara um frango caipira e pensava na sobra para o jantar. Já passava muito das três da tarde quando decidiu que iria, sim, ao Café ver Ronaldinho Gaúcho. Além de matar a saudade do estádio, ajudaria as vítimas da chuvarada no Rio.

Tão logo chegou, tentou cavar uma vaga na sombra que, àquelas horas, divide a cativa da arquibancada. Sem chance. A parada estava tomada de flamenguistas. O jeito foi encostar-se no muro com arame farpado que agora impede quem está no estádio de ver aquela curva do autódromo.

– Vou pegar uma cerva e ficar aqui, de pé, pra ver se vejo o Dentuço de longe.

No balcão do bar, se tocou de que faz tempo que não mais se vende cerveja em estádio. Bateu uma deprê no nosso diabinho tricolor. Enquanto a galera acompanhava o amistoso com o América-MG como se fosse semifinal da Taça Rio, Luís César permaneceu estático, sorumbático, olhar perdido para além do gol dos vestiários.

Fazia um tempo que ele não ia a estádio – desde que o Londrina caíra para a segundona do Paranaense e para a Série F do Brasileiro. Tudo estava diferente. Não viu a galera de sempre. Soube que o time do LEC é, na verdade, o Iraty. Cerveja está proibida. Vestir camisa que não a do Londrina está ficando perigoso.

Lembrou das tardes e noites no VGD, das figuras carimbadas que desciam do Cincão, da Casoni, do Leonor, do Ideal, da Fraternidade, de São Jerônimo da Serra. Da cerveja vagabunda e nem sempre gelada, do espetinho de gato, do desfile de dirigentes e corneteiros, do “Ametur informa!”, dos amigos de longa data. Das conversas fiadas, do alambrado, dos coitados dos bandeiras e dos laterais.

Tentou puxar pela memória; não se lembrou de um único incidente mais grave que pudesse justificar a proibição de se vender cerveja no estádio. O fato é que, agora, em nome da segurança, o estádio estava diferente.

Vazou no intervalo. Saiu cabisbaixo, meio down. Desceu pelo Santa Mônica, alcançou a BR e pegou a Duque de Caxias, torcendo para topar com o Jairão Pão Doce, o Jair Bala, o Marião, o Bado, o Lelei, o Marquinho Feio, o Cláudio Paçoca, o Paulinho Bengala, um tranqueira qualquer para afogar a saudade de um tempo que, pelo jeito, não volta mais.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

As voltas que o mundo dá

O que a posse de Dilma, a unificação dos títulos brasileiros e o cowboy Billy The Kid têm em comum?





Texto: Rogério Fischer
Ilustração: Edvaldo Jacinto


Não se engane com o aparente clima de tranquilidade: muitos sofás de alta patente estremeceram quando Luiz Inácio Lula da Silva passou a faixa presidencial para Dilma Rousseff no primeiro dia de 2011. Os tremores ocorreram onde costuma repousar gente que trinta, quarenta anos atrás estava por cima da carne seca e, agora, resignada, se vê obrigada a assistir à posse, no mais alto cargo da República, de uma pessoa a quem combateu e a quem poderia ter eliminado sem dar maiores satisfações a ninguém.
Não se engane com o aparente clima de conformismo: muitas cadeiras de bairros pobres e chiques de São Paulo e outros estados estremeceram quando o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, anunciou, em 22 de dezembro, a unificação dos títulos nacionais de 1959 a 1970. Os tremores ocorreram onde repousa gente que se achava o soberano da cocada preta e agora tem de engolir Santos e Palmeiras como os maiores campeões brasileiros da história.
Não se engane com o aparente clima de civilidade: muitas catacumbas e algumas mesas de escritórios de advocacia nos EUA estremeceram quando o governador do Novo México, Bill Richardson, anunciou, na última semana do ano, que em breve dará a palavra final sobre o processo que pede o perdão oficial a Billy The Kid. Os tremores ocorreram na consciência de gente que sempre considerou Billy um bandido sanguinário e agora se vê às voltas com a possibilidade de ele ter sido condenado à morte injustamente em 1881.
O que, afinal, une casos aparentemente tão distintos como o da presidente Dilma, do lendário cowboy americano e de dois dos maiores clubes de futebol do Brasil? A comprovação de que o mundo dá voltas – e a verdade pode não ser a mesma depois de 40, 50 ou 130 anos depois.
Há quatro décadas, Dilma Vana Rousseff era Luísa, um dos codinomes que utilizava como integrante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, organização de esquerda que combatia o regime militar no Brasil. A luta era absolutamente desigual: grupos clandestinos aqui e ali em ação contra o Exército e todos os organismos policiais nas mãos de quem tomara o poder pela força das armas.
E era justamente cuidar do arsenal da VAR-Palmares – fuzis, metralhadoras, revólveres, carabinas, pólvora e outros materiais próprios para fabricação de explosivos – uma das tarefas da guerrilheira Dilma, primeira mulher a comandar o Executivo na história do Brasil. Se a ação armada não conseguiu derrubar a ditadura, a articulação política deflagrada naquela época conseguiu vencer todas as eleições diretas desde o restabelecimento da democracia – com a desonrosa exceção da primeira, em 1989.

Tirando Fernando Collor, filhote da elite usineira nordestina, passaram pela presidência Itamar Franco (então vice, nome historicamente ligado à oposição), Fernando Henrique Cardoso (sociólogo), Lula (operário) e agora a engenheira Dilma. A ordem é cronológica e, também, de intensidade de ação política: uma raposa política mineira, um intelectual, um agitador de massas e, por fim, uma guerrilheira.

Os arquivos da ditadura

No rol de expectativas em relação ao novo governo, uma é particularmente instigante: como se comportará o Governo Dilma diante dos arquivos da ditadura? O País finalmente remexerá aqueles porões, trazendo luz a muitos casos até hoje insolúveis, como aqueles famosos desaparecimentos que até hoje afligem muitas famílias? Ou, ao contrário da Argentina, que recentemente condenou Jorge Videla, vamos seguir no caminho de uma transição pacífica, sem sobressaltos, sem mexer com gente de alto coturno?
A permanência do conservador Nelson Jobim no Ministério da Defesa parece ser uma sinalização clara dessa última opção. Mas é apenas uma sinalização. O que poderá sair da cabeça de uma mulher que esteve do outro lado da trincheira?
A escalada de Dilma ao poder é uma redenção – a mesma que a advogada Randi McGinn busca para Billy The Kid, que formou uma quadrilha para vingar o assassinato de um amigo rancheiro e infernizou o deserto americano e mexicano, distribuindo balas de revólveres para os xerifes e mimos às mulheres, o que o transformou numa lenda do Velho Oeste.
O suposto fato que motivou o pedido de perdão é que muitas das mortes atribuídas a ele não foram cometidas por Billy The Kid que, uma vez preso pelo persistente xerife Pat Garrett, escreveu quatro cartas ao governador Lew Wallace cobrando um acordo pelo qual o fora-da-lei ganharia o perdão por um homicídio em troca do testemunho em outro caso. Wallace teria quebrado a promessa.
O argumento da defesa é o de que o bandido foi mais honrado que a autoridade e, portanto, merece o perdão póstumo. Julgado e condenado à forca, Billy fugiu da prisão matando dois policiais e passou semanas desaparecido com a ajuda da população, até ser morto pelo xerife Garrett à queima-roupa em 13 de julho de 1881.
Já a decisão da CBF faz justiça ao Palmeiras – clube mais vitorioso do Brasil no século XX – e a Pelé, que, embora tenha sido eleito o Atleta do Século, nunca fora considerado campeão brasileiro. Ao reconhecer os títulos da Taça Brasil e do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, a CBF atribuiu a Palmeiras quatro conquistas nacionais e ao Santos, seis, o que tornou ambos os clubes octacampeões brasileiros – acima, agora, do São Paulo hexa e do Flamengo penta.
A iniciativa altera as conquistas, os rankings e as estatísticas oficiais. E dá uma espécie de cala-boca a quem tratava com desdém a época de ouro do futebol brasileiro, por contemplar o período dos três primeiros títulos mundiais da seleção. Para se falar em história, é preciso ter bala na agulha.
(Publicado na Revista Real, de Londres, editada por Régis Querino)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Aquele abraço

(Publicado na quarta-feira 5/1 no Jornal de Londrina)

Segundona braba, Moitinha convidou Bracciola e Luís César para um rasante no aeroporto de Londrina a fim de ver a chegada do Flamengo. Estranharam o convite do amigo corintiano.

– Vamos fazer o quê lá? Só vai ter flamenguista...

– Quero dar um alô para o mestre Luxa. O cara anda meio em baixa, falando em reciclagem, sabe como é... Nessas horas que a gente deve demonstrar gratidão.

E foram. Esperaram até uma e pouco da manhã. O pessoal desembarcou, Moitinha furou o cerco e deu aquele abraço no treinador. Bracciola e Luís César ficaram só de botuca, comentando sobre o amistoso que o Mengão fará domingo à tarde com o Londrina velho de guerra, após os primeiros dias de pré-temporada.

Horas depois, já de tardezinha, à espera do jogo de vôlei, os diabinhos tomavam umas e outras na Jorge Velho, a caminho do Moringão, quando Moitinha relembrou a passagem vitoriosa de Luxemburgo pelo Timão, em 98 – no ano seguinte, ele assumiu de vez a seleção.

Bracciola também lembrou com carinho de Luxa, bicampeão brasileiro e paulista com o Verdão em 93/94, e o título paulista de 96. Mas as duas últimas passagens do “profexô” pelo Palmeiras – em 2002 e 2009 – foram “de lascar”, criticou.

Luís César disse que o São Paulo se orgulhava de nunca ter contratado Luxemburgo, “que não combina com a filosofia do clube”. Puro despeito, Bracciola pensou – mas não falou.

Moitinha voltou à carga, lembrando que há exatos onze anos, em janeiro/fevereiro de 2000, os corintianos de Londrina estavam particularmente agitados, porque, na cidade, Luxemburgo treinava e comandava a seleção sub-23 que, com Alex e Ronaldinho Gaúcho, venceu o Pré-Olímpico.

Enquanto isso, em São Paulo e no Rio, o Corinthians – comandado por Oswaldo de Oliveira, auxiliar e sucessor de Luxemburgo – disputava e vencia o primeiro Mundial de Clubes da Fifa.

– A Taça Rio foi muito mais importante - apimentou Bracciola, evocando aquele que os palmeirenses consideram o verdadeiro primeiro mundial de clubes.

Daí o pau quebrou na mesa do Zuppa. Sobraram cobras e lagartos. No fim, até esqueceram do jogo de vôlei. Mas não de combinar o programa de domingo à tarde. Para ver Luxemburgo? Flamengo? Não. Para rever o Londrina. E o Estádio do Café. Que saudade...

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Na telinha

(Publicado na quarta-feira 29/12 no Jornal de Londrina)


Ao ouvir a chamada na TV, Moitinha logo pensou em intimar os colegas diabinhos. Antes, foi ao mercado. Comprou uma quantidade industrial de cerveja e tira-gosto à vontade. Rapelou quase todo o estoque daquela marca que havia meses ocupava o fundo do corredor. Ligou pro Luís César.


– A Band vai mostrar o filme do Curíntia. Chega aí.

– Que filme? O Soberano?

– Que mané soberano? Aqui é Todo Poderoso, rapá.

Ligou pro Bracciola.

– Domingo, nove e meia. Comprei uns troços pra nóis bebê.

– Não me venha com aquela cerveja vagabunda de novo não, hein...

– Geladinha, qualquer uma desce. Vê se não atrasa.

Começou o documentário. Moitinha ocupou todo o sofá de dois lugares na frente da TV. À esquerda dele, Bracciola se ajeitou numa velha poltrona que arrastou do quintal. À direita, Luís César se contentou com um banquinho sem encosto. No centro, uma mesinha. Sobre ela, um prato com mussarela picada e salame de beira de estrada.

Na telinha, o início: cinco operários redigindo a ata de criação do SCPP à luz de velas. A primeira década na várzea. A luta para entrar na “liga dos ricos”. Os primeiros títulos. A construção da Fazendinha. Os primeiros ídolos. A rivalidade já latente com o Palestra.

E o roteiro ia se desenrolando, em ordem cronológica. O título do Quarto Centenário em 1954. O longo jejum diante do Santos do Pelé na década de 60. A “Libertação” pelos pés de Basílio, na década de 70. A “democracia” de Sócrates, Casagrande & Vladimir, na década de 80.

Juca Kfouri, supostamente da sacada de seu apartamento, com o Pacaembu ao fundo: “A década de 90 foi quase um passeio”. E dá-lhe o primeiro título brasileiro, pelos cravos de Tupãzinho. Os Paulistões de 95, 97 e 99. A Copa do Brasil de 95 e o bi nacional em 98/99.

Aquele “quase” chamara a atenção. Passeio? Na década em que o São Paulo fora bicampeão continental e do mundo? Em que o Palmeiras fora bicampeão brasileiro e paulista simultaneamente e campeão da Libertadores? Bracciola e Luís César se entreolharam.

– E aquele gol do Raí em 98, voltando da França? - atacou o são-paulino.

– E os pênaltis no São Marcos? - emendou o palmeirense.

Moitinha nem tchuns. Continuava vidrado na TV. Estava por vir o Mundial de 2000. Esse ia dar pano pra manga...

Soberano

(Publicado na quarta-feira 22/12 no Jornal de Londrina)

Sem ter o que comemorar neste final de temporada sem títulos e, pior, sem vaga na Libertadores, o que não acontecia com o São Paulo havia um bom tempo, o diabinho Luís César acordou um tanto quanto macambúzio no último sábado.

Ainda estava com vontade de esganar o amigo Bracciola por conta daquela história da CBF em equiparar o Robertão e a Taça Brasil com o Campeonato Brasileiro, o que transformaria Santos e Palmeiras em octacampeões nacionais.

– Esse povinho vive de passado. E gosta mesmo é de um tapetão.

Do purgatório, resolveu dar um pulo em Londrina. Passeou pelo Mercadão do Shangri-lá, escolheu uma bela manga bourbon no Furuta, esticou para o centro, curtiu a mulherada bonita no Calçadão, comprou jornais, passou no sebo da Maranhão, pagou seis pilas por uma história completa do Tex.

Já passava das duas quando decidiu almoçar por aqui mesmo. Entrou no Rodeio, pediu um filé da casa, trocou umas palavras com o Arlindo no caixa. Quando o Nelson trouxe o tira-gosto, viu na TV que estava pra começar Inter de Milão x Mazembe, do Congo. Em jogo, o título mundial da Fifa.

– Ah, que saudade - suspirou, em silêncio.

Para fazer a digestão, saiu a caminhar pela cidade. A caída da noite o pegou próximo do Moringão. Pagou deizão e entrou para ver, pela primeira vez, o time de vôlei. O Santo André não impunha muita dificuldade. De Paula, Honoré e Gaúcho cravavam uma atrás da outra na quadra adversária.

Sem mais nem menos, veio à cabeça o jogo do Mundial na TV. Daí, ao folhear o jornal, se tocou que era 18 de dezembro. O dia do tricampeonato mundial. O dia em que o São Paulo bateu o Liverpool e levantou mais uma taça. Enquanto saboreava um saquinho de pipoca doce, passou a lembrar daquele jogo memorável de cinco anos atrás.

Lembrou do passe de três dedos do craque... ahã... Aloísio para o gol de Mineiro. Do segundo tempo sufocante dos ingleses. Das defesas extraordinárias de Rogério Ceni. Da festa em Yokohama. Da recepção aos jogadores. Dos títulos de 1992 e 1993, sob a batuta do mestre Telê, contra Barça e Milan.

– Ano que vem já vamos ganhar a Copa do Brasil para não depender do Brasileirão - pensou Luís César, em relação ao torneio que garante vaga na Libertadores e que, para o São Paulo, começa no dia 16 de fevereiro. Em Campina Grande, contra o Treze.