quarta-feira, 27 de julho de 2011

Balança

(Publicado nesta quinta-feira 28/07 no Jornal de Londrina)

Sentado num toco de mangueira e coçando a orelha de uma cadela gorda de pelo vermelho baixo, à sombra de uma jabuticabeira carregada de jabuticaba verde, Luís César achou graça quando viu Diomedes, no Sítio Recreio, fazendo contas com o dedo na poeira acumulada na pia do barracão, a fim de calcular o peso final do porco que tinha acabado de vender ao cunhado João Bim.

Fazia um minuto que Diô e Joãozinho tinham pesado o cocho dentro do qual, meia hora antes, o porco viajara no estrado do trator rumo à nova morada. De cabeça, Diomedes já tinha calculado o peso do porco – tirando o peso do cocho do peso total – e, agora, na poeira da pia, tirava os 20% de praxe, correspondentes, principalmente, à barrigada.

Peso total do porco: 78 kg. Peso final, sem a barrigada: 62,4 kg. Porcão, hein... Mais ou menos um Márcio Araújo. Maior talvez mais que um Cicinho.

Mas por que cargas d’água eles não levaram o porco diretamente à balança – aquelas de fazenda, em que o cidadão cutuca aquele negócio até o troço parar de balançar – em vez de pesá-lo com o cocho e depois pesar o cocho para saber o peso só do porco?

Vai saber, matutava Luís César na terça-feira, no retorno a Londrina, enquanto observava fartos exemplares de cipó-de-são-joão e ipês amarelos na beira da estrada que une a região de Ribeirão Preto ao Norte do Paraná.

– Deve ser a lógica da roça, que só o povo da roça entende.

Luís César liga o rádio do carro e fica sabendo que o Tubarão deu o troco no Grêmio de Maringá e que o Toledo surrou o Foz. Na última e decisiva rodada, o Londrina pega o Foz na fronteira e o Toledo – dois pontos à frente – encara o Serrano em Prudentópolis.

Daí, é ele quem faz as contas de cabeça. Para o LEC, campeão do primeiro turno, ganhar também o segundo e subir direto pra Primeirona, precisa vencer o Foz e torcer pro Toledo só empatar. Assim, o próprio Toledo, dono da segunda melhor campanha no geral, também sobe direto.

Mas se o Toledo ganhar o segundo turno, ele e o Londrina terão de jogar as semifinais para definir os dois classificados. E, nessa, até podem ficar de fora, porque, enfim, futebol é uma caixinha de surpresa.

– Pensando bem, a lógica da roça até que é simples. Absurdo é o regulamento do futebol.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Falar o quê?

(Publicado nesta quinta-feira 21/07 no Jornal de Londrina)

Era a terceira vez que ele tentava pular da cama. Não estava fácil. Pegara pesado na noite anterior. Começou com uma inocente sessão de cinema no Com-Tour. Em cartaz, “O Poder e a Lei”, com Mattew McConaughey, o hollywoodiano que, bobo nem nada, casou com uma brasileira de tirar o chapéu.

Um minuto antes do filme, o chefe do cinema pediu a palavra e informou que um gato entrara no recinto ainda na semana anterior, durante “Meia-noite em Paris”, de Woddy Allen, e que podia acontecer do bicho começar a miar. Se alguém se incomodasse, poderia requerer o dinheiro de volta.

Depois da telona, Bracciola curtiu uma jam session esperta na Casa das Máquinas e, à procura de algo mais hard, caiu no Cemitério de Automóveis, onde deparou-se com uma roda de samba de responsa, com dona Vilma e Joaquim Braga.

Voltou pra casa às quatro e tralalá, depois de ingerir um mix de substâncias sólidas, líquidas e gasosas – não exatamente nessa ordem. Portanto, era de se esperar tamanha resistência em abandonar o edredon. Ao abrir os olhos, percebeu o sol forte, levantou-se e, ato contínuo, sintonizou a Paiquerê, bem na hora do Hino Nacional.

Vintão ele se recusa a pagar para ir ao Estádio do Café, sem ao menos poder tomar uma cervejinha. Então, estava decidido que de manhã acompanharia Londrina x Cascavel pelo rádio, enquanto prepararia a brasa para a carne que estava na geladeira e, também, a que viria com Faísca Acesa, Blau-Blau e Nilton Peteleco. Véio do Rio apareceu, já almoçado.

O 2 a 2 que tirou do Londrina a liderança da Segundona não foi a única tragédia do domingo. Com a turma, Bracciola acompanhou a eliminação do Brasil na Copa América. Antes, tinha lido no jornal sobre o bebê encontrado num bueiro da Vila Hípica – como que para fechar uma semana em que, surpreendentemente, não ocorrera nenhum novo grande escândalo na prefeitura.

Na hora dos pênaltis contra o Paraguai, era tangível o clima de pessimismo na sala, plenamente justificado com aquelas cobranças estapafúrdias rumo ao espaço sideral. Findo o vexame, Bracciola rumou para a churrasqueira e lá, por uns 10 minutos, ficou tal qual o gatinho do Com-Tour: sem dar um pio. Juntando LEC e Seleção, torceu em seis cobranças de pênaltis... Só um entrou. Falar o quê?

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sinuca

(Publicado nesta quarta-feira 13/07 no Jornal de Londrina)

Mais absurdo que o enorme muro cinza e com arame farpado que deixou o Estádio do Café com cara de campo de concentração é a facilidade com que o bancário Paulo Lima mata de fina na sinuca. No meio, no canto, pela esquerda, pela direita, de perto, de longe: não importa a situação, o sujeito é mestre na fininha.

Bracciola sofreu nas mãos do Paulinho na segunda-feira à noite, no Bar do Jota, onde a turma está tentando restabelecer o Dia da Sinuca. O placar de quatro ou cinco a um, de virada, não representou a realidade do pega. Bracciola apenas foi mais feliz nos arremates finais. Alguns dos quais mereceram o comentário característico do adversário.

– Imponderêibou on the têibou.

É assim que Paulinho se manifesta toda vez que o imponderável sobe à mesa. Tipo aquela boa que cai na caçapa do meio depois de bicar em dois ou três cantos, tá ligado? O resultado adverso certamente deveu-se ao inferno astral de Paulinho, um corno-procopense são-paulino – uma coisa não tem nada a ver com a outra – que ontem completou 54 anos.

Embora a turma lá costume rachar o custo das fichas irmanamente, Paulo Lima, com o espírito natalino, decidiu quitar a conta da sinuca. Restou a Bracciola e ao Armandinho – outro que festejou idade nova ontem, quatro ponto cinco – apenas a conta da cerveja.

Que, aliauses, não foi pequena. A relação da comanda fez Bracciola lembrar o mar de latas que forrava a rampa leste do Café na noite do jogo com o Toledo. Sem poder saborear uma cerveja dentro do estádio, a torcida foi emborcando a última pelo caminho.

Nos 40 ou 50 metros que separam a Henrique Mansano das catracas, havia talvez milhares de latinhas – intactas, amassadas, pisoteadas, comprimidas. Um reciclador ali faria a festa. Certamente o mesmo deve ter ocorrido na rampa oeste, que dá acesso às cativas.

Bracciola, Moitinha e Luís César resolveram ver a partida caminhando, para espantar o frio. Pararam no último lance de arquibancada, ao lado dos espetinhos de gato. Não mais que de repente, Moitinha viu um torcedor cruzando rapidamente aquele espaço, com um espeto numa mão e, na outra, um copo com uma espuminha suspeita. A reação foi instintiva:

–Ei, brother, que cê tá tomando aí?

O apressado torcedor apenas sorriu aquele sorriso dos espertalhões, e sumiu em meio ao fumacê dos braseiros.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

É nóis!




Queria muito estar lá. Deve rolar um monte de camisa que nem se imagina. A despeito de toda sua tradição, o Palmeiras sempre brincou com seus uniformes, produzindo camisetas muitas vezes inusitadas, quase sempre com grande qualidade. Bico Doce, seu coxa-branca mal ajambrado, vá lá nos representar. Não são vocês que se dizem torcedores do Verdão? Então...

Estabanado

(Publicado no Jornal de Londrina nesta quinta 07/07)


Derrubar copo em mesa de bar, esbarrar em batente de porta ou chutar o pé da mesa com os dedos de fora é apenas uma das características de Bracciola, um homem de 1,86m que, ainda jovem, descobriu ter perdido quatro centímetros por conta de má postura no trabalho e, a partir dali, passou a se policiar para não chegar à velhice abaixo do metro e meia de altura.

Outra característica peculiar é a arte de se enroscar. Enrosca-se com uma facilidade tremenda. Dias atrás, naquela semana em que o clima nos lembrou de que, infelizmente, Londrina fica no mesmo Estado de Curitiba, tamanho o frio, o dito cujo conseguiu enroscar a manga no botão da própria blusa de couro.

É um monumento, o sujeito, cujo lado B tem outro ponto de destaque: é péssimo para contar piada. De pouco adiantaram as aulas de Miguel Arturo, Eduardo Judas Barros e Donato Parizoto na UEL, nas quais a turma ria sem parar, seja com o sotaque dos dois primeiros ou com os chistes hilários do último.

O fato é que Bracciola é ruim de piada. Fizera sucesso uma única vez, num retiro espiritual, quando contou a estória dos dois mineiros que, sentados lado a lado num final de tarde, viram elefantes voando, vários, um seguido do outro. E não abriam o bico, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, até que um deles, lá pelo 30º elefante, comentou:

– Acho que o ninho deles é pra lá...

Por isso, a cara de pouco entusiasmo, ontem, no bar do Wilson, ali na rua Pará, esquina com a João Cândido, quando Moitinha o instigou a contar piadas, uma vez que ele e Luís César haviam travado ferrenha disputa nas duas últimas reuniões, um azucrinando o outro. Bracciola se negava peremptoriamente. Mas os dois amigos tanto insistiram que chegou uma hora que o palmeirense achou que ele já estava virando piada. Mirou o são-paulino e mandou:

– Tão falando que o Rogério Ceni é igual Leite Moça: bateu, tomou!

Moitinha rachou o bico. Ria a não poder mais, riu até chorar. Quando parecia que ia parar de rir, Bracciola tascou:

– Tem um amigo meu, palmeirense lá da Vila Yara, que a mulher tá grávida. Vai ganhar uma menina e já decidiu que o nome dela vai ser Libertadores.

– Putz, que nome, hein... - disse Moitinha, inocentemente, abrindo a guarda.

– É pra corintiano nenhum relar a mão nela.

Pra acabar a amizade, faltou pouco. Muito pouco.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O troco

(Publicado quarta-feira 29/06 no Jornal de Londrina)

É claro que depois de um 5 a 0 daquele Luís César tinha certeza mais do que absoluta de que levaria o troco de Moitinha. Afinal, na sagrada reunião das terças-feiras, semana passada, crente de que o São Paulo, líder do campeonato, surraria o Corinthians no domingo, esquentara o ouvido do colega com uma série de piadas infames.

Mas não sabia que o troco viria tão rápido. Assim que pisou no Bar Celestial, Moitinha gritou para Tio Mário, torcedor do Bangu que, ao trocar o Rio de Janeiro por Londrina, virou gavião de carteirinha, a ponto de ter presidido o Corintinha da Vila Ipiranga, campeão amador do Paraná em 1967:

– Tio Mário, traz um franguinho pra gente.

 – A passarinho?

– Não, à la Rogério Ceni.

Pô, zoar tudo bem, mas começar pegando pesado justamente com seu ídolo maior, de cara, na bucha, deixou o são-paulino com uma tromba de elefante. Mesmo assim, evocou o espírito esportivo, puxou a cadeira e sentou ao lado de Bracciola, que também não estava lá muito sorridente depois de levar 2 a 0 do... Ceará!

O palmeirense ficou na dele, pensativo. Notou Major Adalberto no canto do balcão, à espera da turma de sempre; ao lado, Alberto Macedo, Marcelo Rocha e Pafu – todos saboreando o tri da Libertadores. Pensou juntar-se aos santistas e começar, ali, uma campanha pela volta da cerveja aos estádios. Inspirado nas várias passeatas que têm pululado pelo Brasil, estava arquitetando a Marcha dos Maiores Abandonados em Prol de Uma Inocente Cervejinha nos Estádios de Futebol.

Pior para Luís César é que ele nem imaginava que Moitinha pesquisara algumas piadas infames para rebater as da semana passada. E piada infame, todo mundo sabe, é engraçada quando você está de bom humor. Se tu andas escorneado, é o fim da picada. De novo sem rodeios, o corintiano empinou a carroça:

– Meu bambi preferido, me diga uma coisa: o que o cavalo foi fazer no orelhão?

– Sei lá, seu gambá desqualificado.

– Foi passar um trote, uai.

E, antes que o são-paulino pudesse respirar, emendou:

– O que dá o cruzamento de pão, queijo e um macaco?

– X-panzé.

Luís César suspirou profundamente, como que se preparando para uma longa e tenebrosa noite de alugação.