segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Orgulho

(Publicado domingo 27/11 no Jornal de Londrina)



  
Desde que o santista Léri-bí apareceu e, mancomunado com o bambi Luís César, fez troça dos “mundiais” do Curíntia e do Parmera, os rivais, caindo feito patinhos, se sentiram desafiados a “provar” que são tão campeões quanto eles. A bola, agora, estava com Bracciola que, a exemplo de Moitinha, tomou um gole generoso de Presidente a fim de aprumar as ideias.

A preocupação de Bracciola era encarar o “inimigo” Luís César. Era conhecido de todos o entrevero deles sobre a importância da Taça Rio, o torneio que a prefeitura carioca promoveu em 1951 para movimentar o gigante Maracanã, às moscas desde a tragédia da Copa de 50. Bracciola se apegava à qualidade do torneio, enquanto Luís César batia na tecla de que se não era da Fifa, então não valia nada.

O palmeirense matutava. Por onde começar? Pelo aspecto técnico da competição, que reuniu oito campeões europeus e sul-americanos? Pela importância histórica da conquista, com a qual o Brasil teria começado a deixar de ser um país de vira-latas, como apregoava Nelson Rodrigues? Pelo formato do torneio, repetido pela Fifa no Mundial de 2000, vencido pelo Corinthians? Pela decisão, em dois jogos, contra a Juventus, da Itália, com o Maraca lotado? Pela festança sem precedentes na volta dos campeões a São Paulo?

Mal Bracciola abriu a boca, Luís César lançou mão, de bate-pronto, do mesmo argumento com o qual rechaçava, sempre, o discurso do palestrino.

– Lá vem ele com essa fita de Taça Rio de novo. Acorda, porcão. Eu me envergonharia dessa sua tentativa de transformar esse torneio amistoso em um mundial de verdade – tascou o são-paulino. Espumando de raiva pela repetitiva tese e pela intempestiva interrupção, Bracciola deixou a Taça Rio de lado para lavar de vez a roupa suja, evocando acontecimentos que iam da Segunda Guerra até Rogério Ceni, passando pela Taça das Bolinhas.

– Eu me sentiria envergonhado se meu time tivesse tentado tomar o estádio de outro na mão grande, se tivesse fugido de campo numa decisão de campeonato, se tivesse levado para casa um troféu que pertence a outro, se treinasse gandulas para impedir contra-ataque dos adversários. Mas, enfim, cada um se orgulha e se envergonha daquilo que pode.

De repente, todos concordaram que estava na hora de chamar o garçom e acertar a conta.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Primeirão

(Publicado na quinta-feira 15/11 no Jornal de Londrina

Desafiados pelo são-paulino Luís César e pelo santista Léri-bí a provarem que Palmeiras e Corinthians também são campeões mundiais, Bracciola, gentilmente, concedeu a palavra a Moitinha, que tomou um gole generoso de Presidente e passou a divagar sobre a época em que tudo se passou.

Relatou os dias que antecederam a finalíssima contra o Vasco num Maracanã lotado por 73 mil torcedores, em 14 de janeiro de 2000. Está certo que não foi lá um dos maiores públicos do estádio, nem o jogo foi aquela brastemp – um 0 a 0 sem praticamente nenhuma chance de gol, sendo que o título foi decidido nos pênaltis.

Alheio a esses detalhes que só interessavam aos adversários, Moitinha detalhava o clima em Londrina, que recepcionava a Seleção Brasileira Sub-23 que, sob o comando de Luxemburgo, já treinava na cidade e dali uns dias iniciaria, no Estádio do Café, a caminhada rumo aos Jogos de Sydney.

Luxemburgo assumira o comando da Seleção Principal e fizera questão de dirigir também a Sub-23. Ele dirigiu o Corinthians no título brasileiro de 1998, pelo qual o time fora convidado pela CBF para ocupar a vaga de convidado no 1º Mundial de Clubes da Fifa.

Ou seja: todo corintiano de Londrina andava com o peito estufado: a equipe canarinho estava na cidade e seu clube estava prestes a conquistar um Mundial, embora tivesse sido eliminado pelo Palmeiras da Libertadores-99.

Moitinha tirava de letra esses e outros questionamentos, como o fato de o Corinthians ter obtido a vaga na decisão pelo saldo de gols, por conta de um gol a mais que o Real, embora em um dos gols de seu jogo contra o Raja Casablanca a bola não tenha entrado.

E também o fato de que a Fifa segregara o título até 2005, quando houve a segunda edição do Mundial. A entidade demorou quatro anos para reconhecer o título corintiano porque Joseph Blatter afirmara ter sido um erro ter permitido que dois times do mesmo país fizessem a final e que aquela fórmula de disputa (com equipe convidada) jamais aconteceria novamente.

– Tudo inveja. O caneco está lá no Parque São Jorge e pronto – encerrou Moitinha, pedindo licença para tirar água do joelho e passando a bola para Bracciola.

– Quero ver você, porcão, se explicar agora. 

domingo, 6 de novembro de 2011

Clube dos tri

(Publicado neste domingo 06/11 no Jornal de Londrina)

Enquanto Moitinha e Bracciola torciam o rosto diante da súbita manifestação de soberba do até então educado e sereno Léri-bí, que sinalizara a mudança do nome diante da certeza do sucesso santista no Mundial da Fifa, em dezembro, Luís César parece ter curtido o novo companheiro de mesa.

– Léri-tri, né? Gostei dessa. Mas vocês vão ter de jogar muito pra superar a rapaziada do Messi, hein... Esse gostinho de ganhar do Barça em final de Mundial é para poucos. De qualquer forma, boa sorte. De repente a gente arruma um espaço para vocês aqui no clube dos tricampeões mundiais.

– Como é bom ganhar Mundial de verdade, né, compadre? Pena que nem todo mundo é assim.

Léri devolvera a “gentileza” e... pronto! Ficara estabelecida uma divisão clara: santista e são-paulino de um lado; corintiano e palmeirense de outro. Moitinha e Bracciola se entreolharam novamente, como que buscando, telepaticamente, um argumento como contraponto à soberba da dupla adversária. Pelas caras que fizeram, dava para imaginar o calibre da reação que gostariam de ter.

A troca de “gentilezas” foi uma indireta ao Mundial conquistado pelo Curíntia em 2000 – ou Torneio de Verão, como é tratado pelos rivais – e à Taça Rio, que os palmeirenses defendem como verdadeiro Mundial até a morte. Indireta, sim, mas que pegou como um direto de Mike Tyson. Mário, o garçom, deixou duas geladas na mesa e, sentindo o clima, vazou rapidinho.

Moitinha parecia querer voltar aos tempos de várzea no interior de São Paulo, naquelas refregas cujo lema – comum entre ambas as equipes – era algo do tipo “da medalhinha pra baixo é tudo canela”.

A expressão de Bracciola revelava o desenho de uma voadora do Júnior Baiano em tarde de chuva, daquelas em que o animal abria o compasso a dez metros de distância e só largava a vítima após certificar-se de que o coitado já estava devidamente estatelado no alambrado, com três ou quatro fraturas em cada perna.

Moitinha respirou fundo e, supostamente calmo, dirigiu-se ao agora aliado Bracciola.

– Você ou eu primeiro?

– Tenha a gentileza, nobre colega.