domingo, 29 de dezembro de 2013

Extra, extra! Vô da Marianne é pioneiro em Guará!

O tempo passa, o tempo voa e as ligações históricas entre minhas duas cidades do coração só crescem. Depois de descobrir, acredito que nos anos 90, através de uma reportagem de Widson Schwartz, que Antonio Fernandes Sobrinho, mais jovem prefeito de Londrina, eleito aos 32 anos de idade, é guaraense da gema, agora a nossa Marianne de Paula Alves me revela, via Facebook, que o avô paterno dela, José de Castro Alves, o Castrinho, é pioneiro de Guará. Ele era farmacêutico, informa Marianne. Me pus, claro, a investigar a informação. E quem melhor para lembrar de algo dos antigamentes senão dona Zizinha, minha vó materna, do alto de seus 94 anos? "Lembro sim", aformou, de pronto, Elzira Ilza Tizziotti, última de oito irmãos descendentes de italianos cuja tribo, imagino, seja a mesma dos Pavarotti, dadas a compleição física, atarracada, e a cabeça redonda como um globo, praticamente sem pescoço. "Foi ele que abriu a farmácia que, depois, foi tocada pelo seo Rubens", complementou a senhora Paulo Fischer, imprimindo referências claras e diretas da localização do local de trabalho do Castrinho. Meu tio João, caminhoneiro aposentado, genro da dona Zizinha, casado com a Ciló, aquela que costuma cozinhar para uma dúzia de pessoas, no almoço de Ano Novo, comida suficiente para o 4º Batalhão de Infantaria Motorizada, acrescentou: já sob nova direção, o nome da farmácia continuou o mesmo, Pharmacia Castro, assim mesmo, com ph, a não deixar dúvidas sobre o autor do empreendimento. Ambos, porém, não souberam precisar a época em que Castrinho exerceu a profissão em Guará, mas dá para estimar que foi na primeira metade do século, algo ao redor das décadas de 30 a 50. Nascido em 1965, nem de seo Rubens eu lembro direito, até porque minha família, sempre que precisava destrancar a garganta ou levar uma agulhada na bunda, recorria à farmácia do seo Wilson, que ficava na mesma rua, a principal, rua Deputado João de Faria. A farmácia do seo Wilson - vi ele hoje, está bem velhinho, mas, segundo meu pai, lúcido - ficava próximo à entrada da cidade e a do seo Rubens ficava pertinho da praça da Matriz, ao lado do bazar do Zé Carlos e defronte o bar do Zé Berto, onde se reuniam os pés-rachados que, de certa forma, até hoje disputam o poder local com os macaúbas. Lembro de ter entrado na farmácia do seo Rubens, uma ou duas vezes - se fosse mais observador, teria lembrado do "Pharmacia Castro". No mesmo quarteirão, ainda em frente à farmácia do Castrinho, funcionavam outro bar concorrido da cidade (onde os passantes comiam coxinhas e a malandragem jogava sinuca de tampinha nos fundos) e o cinema onde assisti a todos os filmes do Bruce Lee e, claro, Garganta Profunda, e que hoje abriga a Igreja Universal do Reino de Deus - ou seja, em termos de sacanagem não mudou muito. Se nos próximos dois dias eu topar com o seo Wilson, vou procurar mais informações sobre o Castrinho. Enquanto isso, a própria Marianne poderia nos agraciar com mais informações sobre a trajetória de seu avô paterno, né, não, Loira?

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Romário e Vera Fischer no sítio do Diô


Meu tio Diomedes sempre tratou como filhos seus animais de estimação, os quais batiza com nomes de artistas famosos da TV, e eles, invariavelmente, atendem seu chamado - por isso fiquei curioso hoje, 26 de dezembro, quando o Papelão, marido da tia Dite, anunciou, na varanda do sítio, onde já tínhamos emborcado várias latinhas de skol com sal e limão galego, que estava na hora dele, o Diomedes, chamar o Romário para o beijo matinal.

- Quem é Romário? - perguntei, ciente de que a cadela Tieta devia estar por ali, no terreiro, dando um carreirão num frango incauto e a leitoa Xuxa, àquela hora, certamente estaria tomando o segundo banho de lama do dia no mangueiro ao lado do paiol.

- O beija-flor, uai - respondeu Papelão, com jeito de quem presenciou a cena várias vezes.

No dia de Natal, na casa dos meus pais, em Guará-SP, Fernando Papelão ouvira com muita atenção o relato de Paulo, casado com Lívia, minha prima que mora em Penápolis. Há quatro meses Paulo trabalha, como pintor e funileiro, para uma empresa brasileira que constrói barracões industriais no Congo.

Conceituado consertador de máquinas e implementos agrícolas, Papelão - mesmo às vésperas da aposentadoria - ficou deveras interessado pelo salário em euros que a empresa pago aos funcionários depois de receber do governo local. Mas teria a atração congolesa deixado Papelão tantã a ponto de asseverar que um beija-flor, bicho arisco por natureza, se aproximaria do bicho homem como um gato à procura de afago?

- É mesmo - concordou Diomedes, olhando de soslaio para a parede que sustenta a caixa d'água e, também, o bebedouro onde Romário volta e meia sacia a sede. - Daqui a pouco ele aparece - vaticinou.

Aí não, beijar-flor domesticado não, pensei eu, mesmo sabendo que o Sítio Boa Esperança, na Grotinha, onde nasceu boa parte dos dez irmãos da minha mãe, em quase nada difere do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Diria mesmo que se não houvesse havido Monteiro Lobato em Taubaté um século atrás, talvez fosse tio Diô, hoje, a povoar a nossa imaginação.

Mesmo sem Romário, a coisa passou a ficar um pouco mais crível quando Diô, olhando pro outro lado, tascou:

- Lá vem a Vera Fischer.

Todos olharam para o terreiro, onde uma franguinha creme ciscava, bicando ora um inseto ora uma migalha de pão atirada na beira da cerca de arame que protege a varanda da cachorrada e da galinhada. A um chamado que certamente somente ambos entendem, Vera Fischer atravessou a cerca de arame (como se uma foca passasse por uma argola apertada), pulou no ombro do Diomedes e ali ficou, como se estivesse cumprindo um ritual para o qual tivesse exaustivamente sido treinada.

Diô, instigado por alguém da cozinha, levantou-se da cadeira de descanso para fazer alguma coisa na pia e Vera Fischer seguiu seu rumo. À beira da pia, Diomedes avistou Romário e fez com a boca um sinal que, se não fosse sonoro, lembraria perfeitamente uma dupla jogando truco. E não é que o beija-flor sentou no dedo indicador dele, como fazem os papagaios e os pássaros preto?

E ali permaneceu, batendo as asas naquele ritmo frenético dos beija-flores, até que Diomedes propôs um beijo de língua, e Romário, como se fugisse de um Júnior Baiano, vazou a 800 km/h, rumo à jabuticabeira que, devido ao pinga-pinga constante de um torneira, dá jabuticaba o ano inteiro.

- Tem muita gente hoje aqui, acho que ele se assustou - arriscou Papelão, sobre o fato de o beija-flor não ter consumado o beijo em Diô.

Pode ser, pode ser... Mas então acho melhor mudar o nome dele, porque todo mundo sabe que o Baixinho adora estádio lotado.