quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Romário e Vera Fischer no sítio do Diô


Meu tio Diomedes sempre tratou como filhos seus animais de estimação, os quais batiza com nomes de artistas famosos da TV, e eles, invariavelmente, atendem seu chamado - por isso fiquei curioso hoje, 26 de dezembro, quando o Papelão, marido da tia Dite, anunciou, na varanda do sítio, onde já tínhamos emborcado várias latinhas de skol com sal e limão galego, que estava na hora dele, o Diomedes, chamar o Romário para o beijo matinal.

- Quem é Romário? - perguntei, ciente de que a cadela Tieta devia estar por ali, no terreiro, dando um carreirão num frango incauto e a leitoa Xuxa, àquela hora, certamente estaria tomando o segundo banho de lama do dia no mangueiro ao lado do paiol.

- O beija-flor, uai - respondeu Papelão, com jeito de quem presenciou a cena várias vezes.

No dia de Natal, na casa dos meus pais, em Guará-SP, Fernando Papelão ouvira com muita atenção o relato de Paulo, casado com Lívia, minha prima que mora em Penápolis. Há quatro meses Paulo trabalha, como pintor e funileiro, para uma empresa brasileira que constrói barracões industriais no Congo.

Conceituado consertador de máquinas e implementos agrícolas, Papelão - mesmo às vésperas da aposentadoria - ficou deveras interessado pelo salário em euros que a empresa pago aos funcionários depois de receber do governo local. Mas teria a atração congolesa deixado Papelão tantã a ponto de asseverar que um beija-flor, bicho arisco por natureza, se aproximaria do bicho homem como um gato à procura de afago?

- É mesmo - concordou Diomedes, olhando de soslaio para a parede que sustenta a caixa d'água e, também, o bebedouro onde Romário volta e meia sacia a sede. - Daqui a pouco ele aparece - vaticinou.

Aí não, beijar-flor domesticado não, pensei eu, mesmo sabendo que o Sítio Boa Esperança, na Grotinha, onde nasceu boa parte dos dez irmãos da minha mãe, em quase nada difere do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Diria mesmo que se não houvesse havido Monteiro Lobato em Taubaté um século atrás, talvez fosse tio Diô, hoje, a povoar a nossa imaginação.

Mesmo sem Romário, a coisa passou a ficar um pouco mais crível quando Diô, olhando pro outro lado, tascou:

- Lá vem a Vera Fischer.

Todos olharam para o terreiro, onde uma franguinha creme ciscava, bicando ora um inseto ora uma migalha de pão atirada na beira da cerca de arame que protege a varanda da cachorrada e da galinhada. A um chamado que certamente somente ambos entendem, Vera Fischer atravessou a cerca de arame (como se uma foca passasse por uma argola apertada), pulou no ombro do Diomedes e ali ficou, como se estivesse cumprindo um ritual para o qual tivesse exaustivamente sido treinada.

Diô, instigado por alguém da cozinha, levantou-se da cadeira de descanso para fazer alguma coisa na pia e Vera Fischer seguiu seu rumo. À beira da pia, Diomedes avistou Romário e fez com a boca um sinal que, se não fosse sonoro, lembraria perfeitamente uma dupla jogando truco. E não é que o beija-flor sentou no dedo indicador dele, como fazem os papagaios e os pássaros preto?

E ali permaneceu, batendo as asas naquele ritmo frenético dos beija-flores, até que Diomedes propôs um beijo de língua, e Romário, como se fugisse de um Júnior Baiano, vazou a 800 km/h, rumo à jabuticabeira que, devido ao pinga-pinga constante de um torneira, dá jabuticaba o ano inteiro.

- Tem muita gente hoje aqui, acho que ele se assustou - arriscou Papelão, sobre o fato de o beija-flor não ter consumado o beijo em Diô.

Pode ser, pode ser... Mas então acho melhor mudar o nome dele, porque todo mundo sabe que o Baixinho adora estádio lotado.




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