quarta-feira, 19 de março de 2014

A Grande Árvore

(Texto publicado no suplemento Folha Ambiente & Sustentabilidade, encartado neste 19 de março)
É impossível não admirá-la. Quem passa pelo HU rumo aos bairros mais distantes da zona leste depara com um gigante da natureza – provavelmente a maior árvore da área urbana de Londrina. Tem estimados 22 metros de altura. As raízes, irradiadas em todas as direções, chegam ao dobro desse tamanho, no mínimo. A copa, com 35 metros de comprimento, alcança as duas calçadas da Avenida Robert Koch, como se formasse um portal. É, de fato, exuberante aquela seringueira.
Seringueira?
É o que pensam dez em cada dez pessoas. Por conta do látex que sai do seu caule, imagina-se que seja da espécie que impulsionou o crescimento de Manaus, Porto Velho e Belém durante o Ciclo da Borracha, na virada do século XIX para o século XX. Ledo engano.
É uma figueira!
“Todos confundem, inclusive os próprios estudantes de Biologia”, afirma Moacyr Medri, doutor em Botânica pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) e professor aposentado da UEL. “A confusão se dá porque é muito leitosa”, ele explica. “O látex dela também dá borracha, mas tem composição muito baixa em relação ao da seringueira, o que a torna inviável economicamente”, acrescenta. “Nem parentes elas são.”
Diferentemente da seringueira, pertencente à família Euphorbiaceae e nativa da região amazônica, a figueira – ou Ficus elastica, da família Moraceae – é uma árvore exótica no Brasil. É originária do Sudeste Asiático e, segundo Medri, aqui chegou pelas mãos de imigrantes. Ao contrário da seringueira, que se assemelha mais ao brasileiríssimo ipê, a figueira não dá flores nem frutos; se reproduz por estacas.
De baixa resistência, a madeira também não é explorada comercialmente. É, portanto, uma planta ornamental, que tem um ritmo de crescimento impressionante. Enquanto a peroba rosa, por exemplo, absorve de 10 a 12 miligramas de gás carbônico por hora em cada decímetro quadrado de folha, a figueira absorve de 30 a 36 mg.
Enquanto as folhas se alimentam de CO2, diz Moacyr Medri, as raízes utilizam oxigênio. “A figueira tem um metabolismo muito ativo, que requer grande quantidade de O2. Para isso, além do sistema subterrâneo, ela lança raízes aéreas, chamadas adventícias, que maximizam a absorção de oxigênio e ajudam a dar suporte ao caule”, descreve o botânico.
“É uma árvore voraz, que não rejeita solo; para ela, qualquer barranco serve. Em terras profundas e férteis, cresce ainda mais vigorosa. Em seu habitat natural, como a Malásia, pode chegar a 60 metros de altura.”
O homem que ajudou a plantar “A Grande Árvore” da Avenida Robert Koch mora a poucos metros do terreno da antiga Cervejaria Londrina, onde trabalhou durante 36 anos. Olívio Gaion, que muito pequeno ganhou o apelido de Léo, chegou à cidade, com a família, em 1942, proveniente de Ibitinga, SP. O pai, José Souza Gaion, comprou um sítio de cinco alqueires, mais tarde cedido à família Garcia em troca do asfalto no loteamento que viria a ser o Jardim Gaion.
“Lá onde está a árvore ficava a porteira do sítio”, conta Léo, hoje com 67 anos de idade. “Fomos pescar no Três Bocas, eu, meu pai, um tio e um pessoal do sítio, e na volta achamos umas mudas no meio do pasto do Pimpão. Arrancamos duas, com raiz e tudo, e plantamos ao lado dos palanques da porteira. Uma delas, quando já tinha uns seis metros, nós cortamos porque estava forçando o palanque. A outra ficou, e virou aquilo lá. Num instantinho ela já estava uma arvrona.”
Léo arrisca que o ano do plantio tenha sido 1952, o que confere à figueira a condição de sexagenária. Mas o que, afinal, teria atraído a atenção dos Gaion a ponto de terem pegado as mudas perto do Ribeirão Três Bocas para plantar no sítio? Léo responde:
– A gente achou que era seringueira.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Você já viu?


Terreno vadio.
Menino baldio!
Pequeno tiziu.


Você já viu?

Grana em extravio.
Cadela no cio.
Curto pavio.


Você já viu?

Lata d`água no ‘sarril’.
Faca no esmeril.
Puta que pariu.

Você já viu?

Balanço de quadril.
Hormônios a mil
– sob céu anil.

Você já sentiu?

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Troca-troca

O cidadão bota “Feira de Mangaio” na vitrola e, sozinho no quarto do som, começa a dançar como se conhecesse todos os passos do samba, do maracatu, do xaxado, do xote, do frevo, algo assim como um Carlinhos de Jesus melhorado, a mandar ver no sapateado, nas viradas, nos gracejos com os pés sem sair do lugar, os deslizados pra cá e pra lá, como se naquele momento fosse capaz de concatenar cada passo conforme a exata batida da melodia, e daí se dá conta de que mal dançava música lenta nos tempos de clube e de república, que perdeu não sabe quantas chances de novas namoradas por não saber – nem ter coragem – arriscar um passo sequer em roda de pagode cheia de bêbados, de só não ter passado vergonha na valsa de formatura da filha por saber que, ali, no salão, ninguém sabia dançar direito, se dá conta de que já tentou aprender uma vez, não deu certo, desistiu por achar que jamais levaria jeito pra coisa, mas ele está ali agora, enfeitiçado pelo acordeon do Sivuca, e acha que, de repente, não deve ser tão difícil assim, só precisa de uma ajudinha extraterrena, faz que olha pra cima e começa a conversar com Deus.
“Pô, Divino”, começa ele, sem levar muito a sério, “bem que o Senhor podia dar uma ajudinha aí, né...” E prossegue, entre o transe e a galhofa: “Se o Senhor acha que está muito tarde para aprender, tudo bem, eu também acho, mas o Senhor a gente podia negociar, sei lá, tirar alguma coisa para incluir isso, um lance de troca, sabe como é?”.
E não é que o Divino responde?
“E o que você daria em troca?”
Surpresa! E agora?
“Sei lá, vê aí, a gente podia...”
“A casa financiada?”
“Não, a casa não, sei lá, algo do tipo...”
“O carro novo, com som e tudo?”
“Também não. Vê aí algo que o Senhor me deu quando nasci e, agora, pode trocar...”
“Depois de tudo o que você aprontou, não deve ter sobrado muita coisa aí pra você trocar, mas deixa Eu ver, cabelo! Você aprende a dançar mas fica careca”.
“Cacildes... Tô fora, escolhe outra coisa”.
“Amizades... Vou te tirar uns amigos”.
“Melhor não, já não tenho muitos, não dá pra abrir mão de nenhum”.
“Já sei: lembranças! Tiro da sua memória lembranças tipo Ilha do Mel, a decisão do Brasileirão de 93 no Morumbi, aquela mulata de Arapongas... Já passou mesmo”
“Pelo amor de Deus, Divino, pára com isso!”.
“Assim fica difícil, você não abre mão de nada. Já sei: vou cortar um pedaç...”
“Êêêêê!!!”
“Calma, só um peda...”
“Êêê, pó pára!”
"Mas você nem sabe o que é, não me deixa terminar".
"Sei muito bem o que está passando nessa cabecinha aí".
“Larga de ser tonto, só um pedaci...”
“Nem vem!”.
“Pensa bem, um tiquinho de nada”.
“Ó o celular tocando, ó, vou lá, papo encerrado. Que conversinha, hein...”

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Putaria e Jornalismo

Em maior ou menor grau, Putaria e Jornalismo sempre estiveram intimamente ligados. Pelo menos foi isso que a vida me ensinou. Quando cheguei a Londrina, em 1984, desci na Rodoviária Velha. Quando vi que a Nova, projetada por Niemeyer, não passava de umas vigas abandonadas pela primeira administração Belinati, soube que ali, exatamente, funcionava a Vila Mattos. Eu, que mal conheci o Largo Velho, de Ituverava, deixei de conhecer também a lendária zona londrinense.

Mas quis o destino que eu fosse morar no meio do freja. A lendária república da Paraíba 322 ficava 50 metros acima da linha férrea – que, desativada, daria lugar ä Leste-Oeste. Na esquina da Paraíba com a Fernando de Noronha (no Sesc) e com a Benjamin (antiga HM), os travecos já faziam ponto. As meninas de rua ficavam ao longo da Quintino, em especial ao redor do Nanico, que funcionava no andar de cima daquele posto que hoje fica em frente ao Shopping Quintino. A poucos metros dali, na curva da JK, funcionava o Sereno.

Ambos serviam deliciosa canja na madrugada – a do Sereno, mais pomposa, com seus talheres e bandejas; a do Nanico, mais popular, acrescida da parede chapiscada na qual ralávamos braços e cotovelos para conseguirmos chegar lá em cima, tarefa nem sempre fácil se levarmos em conta que chegávamos lá, invariavelmente, às quatro da matina, depois de peregrinar por Jota, Lumiar, Clube da Esquina e Valentino, nem sempre nesta ordem.

O Nanico eu frequentava mais durante a faculdade. O Sereno, cujas meninas estavam um degrau acima, embora algumas perambulassem por um e outro indiscriminadamente, eu freqüentei mais quando virei jornalista – ou seja, a partir de 1987. Ainda hoje rimos com a história do Robertinho Marginal que, rejeitado por uma gata, sugeriu que ela enfiasse, lá, o objeto de seu desejo – como se ambos ficassem muito distantes um do outro.

Mas esse trololó todo (às vezes eu entendo o Fábio Linjardi, que não consegue ler textos com mais de 140 toques) é pra dizer que acabei de ler, nas últimas semanas, dois livros que me foram emprestados pela turquinha Márcia Neme Buzalaf: “Eny e o Grande Bordel Brasileiro”, de Lucius de Mello, e “Tarso de Castro: 75 kg de músculos e fúria”, de Tom Cardoso.

É impressionante como esses dois universos – Putaria e Jornalismo, ambos em caixa alta – se interseccionam.

Eny era neta de italianos da região de Salerno. Cresceu rebolando pelas ruas da Vila Mariana enquanto entregava marmitas da pensão da mãe. Fugiu com um gigolô para o Rio, passou por Porto Alegre e depois Paranaguá até fincar raízes em Bauru, onde montou uma casa – em mais de um endereço – que recebia, além de usineiros e barões de café de toda a região, políticos e seus asseclas. João Goulart passou por lá. Vinicíus lá se hospedava quando tinha shows agendados em Bauru e cidades próximas.

Já o livro de Tom Cardoso (belo texto, hein...) desnuda Tarso de Castro, que cresceu chafurdando no jornal do pai em Passo Fundo e, já na Última Hora de Porto Alegre, sitiou-se no Palácio do Piratini ao lado dos brizolistas mais fanáticos à espera dos tanques e aviões que nunca chegaram. Na ditadura, já no Rio, fundou O Pasquim e, em São Paulo, botou a Folha de S. Paulo de pernas pro ar. Passou o rodo na mulherada das duas capitais na mesma medida em que colecionou amigos e inimigos – nos primeiros, dava beijos na boca; nos outros, chutes na canela.

Foi legal ler o livro também por ter encontrado referência ao cartunista Jota, que mora na minha rua, e a Nelson Merlin, com quem trabalhei na Folha de Londrina. José Pires, o Jota, integrou a equipe de cartunistas que, sob a batuta de Tarso, revolucionou a "Ilustrada", na qual trabalhava Merlin, que certo dia desobedeceu o chefe e mandou para o lixo a nota de falecimento que o mesmo mandara publicar anunciando a morte de Jaguar. Tarso vivia nos bares – onde, pensando bem, tudo começa, até chegar na zona.

Bares e zona são o tema central de "O Brasil oculto", de Mauri König, repórter especial da Gazeta do Povo e meu ex-colega de Folha. Ele e Albari Rosa, craque da foto, percorreram 42 mil km pelos extremos do Brasil. Foco: turismo sexual e prostituição infantil. Comecei hoje. Promete.

sábado, 4 de janeiro de 2014

A volta triunfal aos gramados (Truco, ladrão!)

AOS INIMIGOS

Foi triunfal minha volta aos gramados, neste sábado, 4 de janeiro de 2014 - uma data histórica. Foi no campo do PSTC, em Cambé, o bairro mais populoso de Londrina, que desfilei minha arte perante um monte de japoneses boquiabertos. Enquanto eu ainda cortejava a bola, depois de tanto tempo afastado, perdíamos de 1 a 0. Quando passei a ocupar o meio-campo, minha posição predileta, o cenário mudou. Empatamos. O jogo permaneceu duro até o 3 a 3 - havíamos feito 3 a 1 graças a um desarme meu que resultou em gol. Depois, foi só festa: 6 ou 7 a 3, perdi a conta. Dei passes precisos, me posicionei corretamente, chamei o jogo, dei duas assistências que não viraram gols devido à ruindade latente de quem recebeu os lançamentos e, por fim, marquei meu retorno com um resultado positivo, uma goleada indiscutível, que me anima para os próximos embates. Que a Arena Vale do Rubi e o Estádio Municipal Cacá Scolari me aguardem.

AOS AMIGOS

Porra, foi foda. Tentei me segurar, como havia me aconselhado o Aureo Cinagawa, o cara que operou meu joelho em fevereiro. Mas entrei numas de acompanhar quase todas as jogadas. Enquanto tive pernas, acertei bons passes, mas depois o bicho foi pegando. Na hora agá, errei 3 ou 4 assistências fáceis, simplesmente porque telegrafei os passes - ser desarmado por um zagueiro japa é pracabá. Tentei alguns chutes, que só comprovaram que falta muito para chegar minimamente ao que eu era. Pareciam chutes de amador do Nepal. Tá tudo doendo. Os músculos em volta dos joelhos estão em frangalhos - no final da pelada, fui pro gol, temeroso de que a fadiga muscular me traísse e acabasse pisando em falso, torcendo o joelho, sei lá. Tá doendo do dorso do pé esquerdo até o pescoço. Vai demorar pra caralho para, pelo menos, voltar a brincar legal. Pelo menos não matei nenhuma na canela - o gramado, impecável, tem muito a ver com isso.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O Orkut ainda existe! (Ou: as primeiras gargalhadas de 2014)

Juro por Deus que não sei por que; sei que devo ter clicado em alguma coisa porque, uma hora de soneca depois, voltei ao computador do meu irmão, ao lado da cama, e minha página no Orkut estava aberta em uma das abas do Google Chrome que eu estava navegando antes de cair no sono. A primeira surpresa, claro, foi "SIM, O ORKUT AINDA EXISTE". Imaginava, sinceramente,que o Face o havia engolido, o havia inutilizado, de tão ultrapassado ficou em relação ao seu colega de relacionamentos. Mas o bicho está lá, firme e forte, e operante, como pude constatar ao clicar nas minhas configurações e atestar que, de fato, estou com 48 anos de idade.

O Facebook deve ter nos deixado em torpor, tamanhas a velocidade e a intensidade com que mexeu nas nossas vidas. Foi a conclusão a que cheguei ao verificar que nem faz tanto tempo assim que fiz minha última atualização no orkut - dezembro de 2011, ou seja, somente dois aninhos atrás. O último comentário foi da Wal Batista, diagramadora d'O Diário, de Maringá, que me parabenizou pelo aniversário, e eu a chamei de minha funcionária mais alto astral, porque ela era mesmo, e porque ela havia me chamado de chefe, que fui mesmo.

Passeando pela relação dos amigos, dei as primeiras gargalhadas de 2014. A Telma Elorza - que ainda não tinha o "HO" como marca registrada - tem uma foto de menininha. Não sabia que era amigo orkutiano do prefeito Kireeff. Há amigo que não é mais meu amigo e hã amigo que limei da relação dos amigos do Face. Há velhos amigos em comum com o FB: Carla Sehn, Ivo Akio, Sonia Weil, Mineirinho, Benê Bianchi, a Natália Fischer e as amiguinhas dela, o Edenilson, o Preto, o Feinho, a Valéria Giani, o Armandinho, a Alessandra com cara de Bia Pajolla, quase todos os jornalistas, diagramadores e fotógrafos de Maringá, o Gilberto Abelha e o Aníbal, a Karen Debértolis e o Luizão Jacobs...

E as tais comunidades? Tinha - tenho, claro, posto que ainda estão lá - 14 comunidades, entre elas "Eu sou gateiro", "Bar Valentino", "84, ano em que fizemos contato" (no FB virou "Eu sei o que você fez em 1984", que reúne a turma com a qual entrei na UEL), "Banda Beco" (do guitarrista Bruka Lopes e do maior batera de todos os tempos, Kadu Guariente), "Um Orkut para Daibert" (assim como é feito hoje com Andrea Monclar, fizemos com Juliana Daibert, repórter d'O Diário) e "Henri estamos torcendo por vc" (página de apoio a Henri Jr, querido repórter-fotográfico maringaense que o câncer levou aos vinte e poucos anos de idade).

Na parte das Visitas Recentes, está lá: Total de visitas, 3891; Semana passada, 0. Fiquei tentado a navegar entre os comentários, mas, definitivamente, não tenho saco para ler o que escrevi há dois anos ou mais.

Engraçado... Sem querer, na primeira tarde de 2014 me pago visitando o passado. Psicólogo Apolo Mário de Souza Theodoro, o senhor poderia explicar isso?

A primeira manhã de 2014

Será mau presságio sonhar com duas ex-namoradas na primeira madrugada do ano? Se for, tô fudido. Acordei às oito e pouco com as lembranças de um caso que encerrei há sete anos - lembranças tórridas, aliás - e outro bem mais recente. Estranha maneira de começar a primeira semana do tal ano novo. Sensação estranha - mais pra ruim que pra bom. Levantei e tomei café com biscoito de polvilho, porque as padarias hoje nos abandonaram. Meu pai, que nunca foi de comer nada pela manhã, fazia o primeiro cigarro de palha do dia. "É... Ano de Copa...", comentou, talvez esperando engatar um papo que não rolou.

Fui pro sofá e li mais 15 ou 20 páginas de "Eny e o Grande Bordel Brasileiro", de Lucius de Mello, excelente biografia romanceada da cortesã mais famosa de Bauru. A Casa da Eny mexeu com a cidade em meados do século passado. Conheci a casa, alguns anos atrás, levado por uma amiga fotógrafa que fez pós em Londrina e uma amiga dela. Funcionava um bar no local, com sinuca, mas pelo tamanho do imóvel e o número de quartos cujas portas dão para um amplo jardim deu para imaginar o rendevú que era.

Peguei a bicicleta e avisei os velhos que daria uma volta, com a intenção de suar um pouco e encarar o banho preparatório para o tradicional almoço de ano novo na casa da vó Zizinha. Peguei o rumo da avenida Mogiana, que substituiu o leito da linha férrea. O prefeito da época acertou em cheio: plantou centenas de palmeiras imperiais ao longo da avenida, que está muito bonita e hoje concentra grande parte do comércio de Guará.

Passo pelo professor Tufi com sua indefectível bicicleta. A única imagem que tenho dele é andando de bicicleta. Se tem ou algum dia teve carro, seo Tufi acho que nunca dirigiu. É professor de Educação Física, de tradicional família libanesa, os Chaud, embora, na infância e adolescência, tenha sido mais ligado aos Tannous e aos Aboud. Seo Tufi me deseja feliz ano novo, retribuo daquele jeito alemâo de ser, "pro senhor também", mal olho para ele, pedalo adiante. Poucos segundos depois seo Tufi deseja o mesmo para um sujeito sentado no banco do canteiro central - imaginei que ele saiu de casa para desejar um bom ano para todos com os quais encontrasse.

Fazendo a curva da antiga estação vejo um jovem casal, com mala e banho tomado, certamente se dirigindo à rodoviária. Pombas, mas não são nem 10 da manhã e já vão embora? Devem morar longe. Para São Paulo, por exemplo, poderiam pegar o ônibus depois do almoço que estariam lá a tempo de dormir de boa e aguentar o trampo de amanhã. Iriam os dois ou o rapaz estaria fazendo a gentileza de levar a bagagem da irmã/namorada?

Entro num pedaço de rua sem asfalto que é prolongamento da Washington Luiz e que ainda está sem asfalto porque ali vai sair o novo loteamento da cidade - meu pai e meu irmão reservaram dois lotes e, se sobrar algum, vão passar a pagar as prestações em breve, com o início efetivo do empreendimento. Muitos canudos de papelão pelo chão, acusando fogos de artifício espoucados. No portão de entrada casa do seo Ziquinho de Paula, um gatinho preto, com poucos dias de vida, chama a atenção, andando sem rumo pela calçada. Mais de perto vejo que um irmão dele está estatelado, meio que no local onde passam as rodas direitas do carro. Hum...

Seo Tufi foi o cara que, trinta e cinco anos atrás, disse que minha posição era a de volante. O livro de Lucius de Mello remete ao caso amoroso mais recente. Hoje é aniversário do caso mais antigo, que eu vi pela última vez no final de semana em que o Corinthians foi rebaixado. Deixa pra lá. Tem frango caipira, polenta, pernil e cerveja nos aguardando na vó. Vou acordar meu irmão, esse folgado.