quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Privataria



Saí de férias e, claro, vim pra Guará. Na mochila - sim, mochila, porque quando venho para cá não trago mais do que a roupa do corpo, independentemente de quantos dias hei de ficar - trouxe "Cronistas do Estadão", que Aurélio Blau-Blau me emprestou sob condição de me exilar na Sibéria caso eu rasure 1% de qualquer folha do livro que, aliauses, era do pai dele, o velho e bom Albano. Deixei em Londrina uma velha edição de “Incidente em Antares”, surrupiada de um médico amigo que, acredito, nem lembra da existência dela. Meus planos era matar o livro de crônicas na minha passagem por aqui e levar o livro do pai do Luís Fernando Veríssimo para a praia, em janeiro, mas o fato é que as crônicas não deram para o cheiro. Em dois dias li todas, de forma que fiquei, literariamente falando, a ver navios. Todo esse narizaço de cera para contar que ontem, quarta, dia 28, comprei o tal “A Privataria Tucana”. Estava no Shopping Ribeirão. Tinha ido acompanhar meu irmão numa parada de trabalho e resolvemos almoçar por lá, na esperança de ver algumas ribeirão-pretanas de fechar o comércio, mas o máximo que conseguimos foi cruzar com uma antiga professora nossa de primário. Fui à livraria comprar jornal e o tal livro-bomba me fisgou. Mesmo sem ler, já havia desconfiado do bicho numa troca de e-mail com um grande amigo. O erro – se assim for confirmado – foi ter parado na frente dele. A editora me fisgou como a uma tilápia faminta. Na capa, como um Sunday derretendo na sorveteria da dona Celita, está lá: “Os documentos secretos e a verdade sobre o maior assalto ao patrimônio público brasileiro”. Nas orelhas, em que a editora oferece “clareza e objetividade jornalísticas”, as últimas linhas são um resumo comparável a doce de leite comido de colher: “Temos aqui um livro-denúncia de rara contundência no seu gênero”. Lembrei do Paulo Lima me cutucando na mesa de sinuca do Jota: “E aí, você viu?”. Lembrei de alguém me dizendo que o autor é de Londrina. Lembrei de que não tinha nada em casa para ler. Paguei 39 paus e trouxe o menino. Entendo quase nada de mercado editorial, mas está lá que o editor é Luiz Fernando Emediato, de quem ouvia falar muito na época da faculdade, como jornalista da grande imprensa. A nota do editor, que antecede os primeiros capítulos, oferece um produto ainda melhor e mais impactante que as orelhas ofereciam. Pensei: caramba, não pode ser ruim um troço assim. Não tenho absolutamente nada a ver com os tucanos. Nunca votei num tucano, nem federal, nem estadual, nem municipal. Minto: votei, certa vez, acho que na eleição que elegeu Cheida prefeito de Londrina, no Jubão, que era do PSDB, mas no Jubão eu votaria mesmo se fosse do PDC, não tinha nada a ver com ideologia. Sempre admirei Covas, e não passa muito disso. Acho que Serra fez um bom trabalho no Ministério da Saúde ao implantar um programa exemplar de tratamento e combate à AIDS e ao quebrar patentes de remédios que interessam a todos. De resto, só lembro dele levando bronca do Felipão por se meter a dar palpite na escalação do Palmeiras em 1999, durante a Libertadores. Tampouco morro de amores por ele e por FHC, em quem nunca votei e com quem só mantive contato uma vez, em 1984, quando eu tinha acabado de entrar na UEL e uma amiga já petista de carteirinha me levou para Assis a fim de participar de um congresso de sociologia que reuniu Fernando Henrique – então com olheiras enormes – e Florestan Fernandes. Acho, porém, um pé no saco o maniqueísmo que se instalou no debate PT x PSDB. Virou uma guerra de baixíssimo nível que, de tão feroz, entorpece a todos e não permite que se veja absolutamente nada no horizonte que não sejam os próprios contendores. Até parece que só existem eles no mundo. Azar nosso que os outros partidos não conseguem nos arrastar para fora dessa briga idiota, em que os caras ficam se digladiando pelo poder e nós – que não temos cargos nem parentes no governo – ficamos chupando os dedos. Aliás, se dependermos de partidos, estamos ferrados. Por isso acho legal, mesmo com eventuais exageros, esses movimentos espontâneos como o do pessoal que se revoltou contra a derrubada das árvores no Bosque. É preciso encontrar uma válvula de escape para essa situação sufocante em que nos meteram. Precisamos encontrar a tal luz no fim do túnel, para a qual tucanos e petistas nunca vão nos levar, porque uns estão querendo recuperar o terreno perdido e os outros estão defendendo o território ocupado a todo custo. E foda-se liberdade de expressão. E fodam-se princípios de toda ordem. Houve roubalheira na privatização? Até um paralelepípedo bêbado sabe disso. Mas imaginem, meus amigos, o governo com Embratel, Light, CSN, Vale, todos os bancos estaduais e uma carrada de outras estatais todas sob o controle do PT. Credencruis. Vamos ser sincerros: deozolivre. Enfim, comprei “A Privataria Tucana” para ler assim, com os olhos de advogado do diabo, com um pé atrás, mais até como um desafio imposto pelas críticas de amigos petistas de que não viram nada sobre o livro – contra ou a favor – na grande imprensa. Li os três primeiros capítulos, de poucas páginas cada. Já tenho as primeiras impressões e lhes digo uma coisa: o cheiro não é nada bom. Prometo uma opinião clara quando terminar.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Tragédia anunciada

Guará acordou absurdada, por causa da morte de um casal. Zé Antônio matou a mulher, que o chifrava. Duas pessoas tidas como do bem. A mulher - não sei o nome -  tinha 15 ou 17 irmãos, conforme as duas versões que ouvi. Zé Antônio, três. Um deles, o Salvador, não sai do Bar do Zeca, onde, ontem, tomei várias com o Ronaldi Cueio. Nunca comprou uma bala lá no bar, nunca ninguém ouviu um pio dele, mas é tido como uma das pessoas mais bem informadas da cidade. Bem, o irmão do Salvador já havia ameaçado a esposa de morte. Por conta disso, ela já fizera dois boletins de ocorrência na polícia. Homem simples, da roça, de poucas palavras, Zé Antônio matou a esposa com três tiros logo de manhã. Em seguida, foi ao pátio da antiga Mogiana, onde guardava o caminhão com que transportava caçambas. E se matou. Saiu na TV, o escambau a quatro. A cidade ficou estupefata. Minha mãe pediu - e, claro, foi atendida - para que abortássemos a roda de viola prevista para amanhã, no sítio. Não é difícil imaginar o que se passava na cabeça de um matuto como Zé Antônio. Com o assassinato, quis lavar a honra. Com o suicídio, livrar-se da vergonha.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Cão chupando manga

É preciso cair de boca numa bourbon, numa sabina ou numa coquinho para se entender exatamente aquela expressão segundo a qual algo ou alguém é tão feio quanto o Cão chupando manga. Pode ser numa espada também, e foi o que fiz hoje, por volta das três da tarde, nesta cidade em que só se pergunta, para quem veio de fora ou da roça, se andou chovendo por lá. Já havia passado duas horas e meia do almoço, bateu aquele oco no estômago e, ato contínuo, acorri à geladeira, onde me esperava a manga espada que a vó Zizinha me presenteara no sábado, quando cheguei em Guará. Mangona de uns 400 gramas. Madura, mas não totalmente. Tinha acabado de passar do estado de “de vez”. Madura, sim, mas com a carne ainda firme, principalmente nas costas, onde manga demora mais pra madurar. Na verdade, comecei de maneira civilizada. No começo, nada indicava que terminaria naquele estado deplorável. Cortei uma banda e chupei, raspando a carne com os dentes de cima, a casca apoiada nos dentes de baixo. Poderia descascá-la e comê-la em pedaços, mas assim seria civilizado demais. O correto – poderia reivindicar um guaraense mais convicto – seria abocanhá-la desde o princípio, arrancando nacos generosos, deixando que os dentes e a língua separassem a carne da casca. Mas o fato é que cada tipo de manga tem um jeito peculiar de ser chupada. Em uma manga grande como a bourbon pode-se usar a faca e cortar de um lado e de outro, deixando o caroço pelado dos lados mas recoberto de carne nas extremidades. Em mangas menores como a coquinho e a sabina, não. Morde-se a bichinha, começando, sempre, pela ponta menor, que é a parte mais doce. A coquinho, se estiver bem madura, pode ser chupada da mesma maneira com que antigamente tomávamos guaraná, ou seja, furando a tampinha. Morde-se a ponta da coquinho e vai-se chupando o caldo na medida em que vai-se espremendo a fruta, de forma que, ao final, sobram apenas a casca, praticamente intacta, e o caroço. Mas, assim, termina-se a operação com a boca limpa, exceto alguns fiapos com os quais pode-se brincar o resto da tarde. Quando se cai de boca numa manga grande, raspa-se até o caroço com os dentes, com voracidade, de maneira que não só os lábios, mas o buço e o queixo também fiquem lambuzados de amarelo tal qual palhaço de picadeiro. Quando, além da voracidade, usa-se a avidez, é comum que a ponta do nariz e parte da bochechas também fiquem amareladas. Daí sim, fica-se com o aspecto digno de um Cão chupando manga. Eu recomendo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Orgulho

(Publicado domingo 27/11 no Jornal de Londrina)



  
Desde que o santista Léri-bí apareceu e, mancomunado com o bambi Luís César, fez troça dos “mundiais” do Curíntia e do Parmera, os rivais, caindo feito patinhos, se sentiram desafiados a “provar” que são tão campeões quanto eles. A bola, agora, estava com Bracciola que, a exemplo de Moitinha, tomou um gole generoso de Presidente a fim de aprumar as ideias.

A preocupação de Bracciola era encarar o “inimigo” Luís César. Era conhecido de todos o entrevero deles sobre a importância da Taça Rio, o torneio que a prefeitura carioca promoveu em 1951 para movimentar o gigante Maracanã, às moscas desde a tragédia da Copa de 50. Bracciola se apegava à qualidade do torneio, enquanto Luís César batia na tecla de que se não era da Fifa, então não valia nada.

O palmeirense matutava. Por onde começar? Pelo aspecto técnico da competição, que reuniu oito campeões europeus e sul-americanos? Pela importância histórica da conquista, com a qual o Brasil teria começado a deixar de ser um país de vira-latas, como apregoava Nelson Rodrigues? Pelo formato do torneio, repetido pela Fifa no Mundial de 2000, vencido pelo Corinthians? Pela decisão, em dois jogos, contra a Juventus, da Itália, com o Maraca lotado? Pela festança sem precedentes na volta dos campeões a São Paulo?

Mal Bracciola abriu a boca, Luís César lançou mão, de bate-pronto, do mesmo argumento com o qual rechaçava, sempre, o discurso do palestrino.

– Lá vem ele com essa fita de Taça Rio de novo. Acorda, porcão. Eu me envergonharia dessa sua tentativa de transformar esse torneio amistoso em um mundial de verdade – tascou o são-paulino. Espumando de raiva pela repetitiva tese e pela intempestiva interrupção, Bracciola deixou a Taça Rio de lado para lavar de vez a roupa suja, evocando acontecimentos que iam da Segunda Guerra até Rogério Ceni, passando pela Taça das Bolinhas.

– Eu me sentiria envergonhado se meu time tivesse tentado tomar o estádio de outro na mão grande, se tivesse fugido de campo numa decisão de campeonato, se tivesse levado para casa um troféu que pertence a outro, se treinasse gandulas para impedir contra-ataque dos adversários. Mas, enfim, cada um se orgulha e se envergonha daquilo que pode.

De repente, todos concordaram que estava na hora de chamar o garçom e acertar a conta.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Primeirão

(Publicado na quinta-feira 15/11 no Jornal de Londrina

Desafiados pelo são-paulino Luís César e pelo santista Léri-bí a provarem que Palmeiras e Corinthians também são campeões mundiais, Bracciola, gentilmente, concedeu a palavra a Moitinha, que tomou um gole generoso de Presidente e passou a divagar sobre a época em que tudo se passou.

Relatou os dias que antecederam a finalíssima contra o Vasco num Maracanã lotado por 73 mil torcedores, em 14 de janeiro de 2000. Está certo que não foi lá um dos maiores públicos do estádio, nem o jogo foi aquela brastemp – um 0 a 0 sem praticamente nenhuma chance de gol, sendo que o título foi decidido nos pênaltis.

Alheio a esses detalhes que só interessavam aos adversários, Moitinha detalhava o clima em Londrina, que recepcionava a Seleção Brasileira Sub-23 que, sob o comando de Luxemburgo, já treinava na cidade e dali uns dias iniciaria, no Estádio do Café, a caminhada rumo aos Jogos de Sydney.

Luxemburgo assumira o comando da Seleção Principal e fizera questão de dirigir também a Sub-23. Ele dirigiu o Corinthians no título brasileiro de 1998, pelo qual o time fora convidado pela CBF para ocupar a vaga de convidado no 1º Mundial de Clubes da Fifa.

Ou seja: todo corintiano de Londrina andava com o peito estufado: a equipe canarinho estava na cidade e seu clube estava prestes a conquistar um Mundial, embora tivesse sido eliminado pelo Palmeiras da Libertadores-99.

Moitinha tirava de letra esses e outros questionamentos, como o fato de o Corinthians ter obtido a vaga na decisão pelo saldo de gols, por conta de um gol a mais que o Real, embora em um dos gols de seu jogo contra o Raja Casablanca a bola não tenha entrado.

E também o fato de que a Fifa segregara o título até 2005, quando houve a segunda edição do Mundial. A entidade demorou quatro anos para reconhecer o título corintiano porque Joseph Blatter afirmara ter sido um erro ter permitido que dois times do mesmo país fizessem a final e que aquela fórmula de disputa (com equipe convidada) jamais aconteceria novamente.

– Tudo inveja. O caneco está lá no Parque São Jorge e pronto – encerrou Moitinha, pedindo licença para tirar água do joelho e passando a bola para Bracciola.

– Quero ver você, porcão, se explicar agora. 

domingo, 6 de novembro de 2011

Clube dos tri

(Publicado neste domingo 06/11 no Jornal de Londrina)

Enquanto Moitinha e Bracciola torciam o rosto diante da súbita manifestação de soberba do até então educado e sereno Léri-bí, que sinalizara a mudança do nome diante da certeza do sucesso santista no Mundial da Fifa, em dezembro, Luís César parece ter curtido o novo companheiro de mesa.

– Léri-tri, né? Gostei dessa. Mas vocês vão ter de jogar muito pra superar a rapaziada do Messi, hein... Esse gostinho de ganhar do Barça em final de Mundial é para poucos. De qualquer forma, boa sorte. De repente a gente arruma um espaço para vocês aqui no clube dos tricampeões mundiais.

– Como é bom ganhar Mundial de verdade, né, compadre? Pena que nem todo mundo é assim.

Léri devolvera a “gentileza” e... pronto! Ficara estabelecida uma divisão clara: santista e são-paulino de um lado; corintiano e palmeirense de outro. Moitinha e Bracciola se entreolharam novamente, como que buscando, telepaticamente, um argumento como contraponto à soberba da dupla adversária. Pelas caras que fizeram, dava para imaginar o calibre da reação que gostariam de ter.

A troca de “gentilezas” foi uma indireta ao Mundial conquistado pelo Curíntia em 2000 – ou Torneio de Verão, como é tratado pelos rivais – e à Taça Rio, que os palmeirenses defendem como verdadeiro Mundial até a morte. Indireta, sim, mas que pegou como um direto de Mike Tyson. Mário, o garçom, deixou duas geladas na mesa e, sentindo o clima, vazou rapidinho.

Moitinha parecia querer voltar aos tempos de várzea no interior de São Paulo, naquelas refregas cujo lema – comum entre ambas as equipes – era algo do tipo “da medalhinha pra baixo é tudo canela”.

A expressão de Bracciola revelava o desenho de uma voadora do Júnior Baiano em tarde de chuva, daquelas em que o animal abria o compasso a dez metros de distância e só largava a vítima após certificar-se de que o coitado já estava devidamente estatelado no alambrado, com três ou quatro fraturas em cada perna.

Moitinha respirou fundo e, supostamente calmo, dirigiu-se ao agora aliado Bracciola.

– Você ou eu primeiro?

– Tenha a gentileza, nobre colega.

domingo, 30 de outubro de 2011

Léri-tri

(Publicado neste domingo 30/10 no Jornal de Londrina)

Mário, o garçom do Cemitério, depositou na mesa as duas brejas e o copo com os quais os três inseparáveis amigos recepcionaram Léri-bí, o santista com nome de música dos Beatles que tão educadamente havia solicitado autorização para entrar na roda dos maiores discutidores de futebol do mundo – assim, pelo menos, se proclamavam. Nem haviam servido o novo amigo e Luís César, sempre o mais curioso, intimou:

– Então, conta a história desse nome esquisito aí...

Os três amigos se viraram para Léri, todo ouvidos. O santista pegou o copo americano, observou um lado, o outro, fez jeitão de suspense e, como que desprezando a intimada, chamou o garçom e pediu para trocar o copo, apontando um suposto sinal de gordura acumulada próximo à linha do colarinho.

– É que meu pai era fã dos Beatles quando era moço e quando o Santos ganhou o segundo título mundial, em 63, disse que quando tivesse um filho colocaria o nome de Paul ou John. Os Beatles lançaram “Let it be” em 70. Eu nasci na semana do lançamento e daí meu pai inventou de dar a mim o nome do disco. Mas o cartório não gostou muito, ele teve que aportuguesar e então virei Léri-bí, porque, afinal, o Santos já era bicampeão mundial.

O pessoal curtiu a história e, de repente, deu aquela desanuviada no ambiente, que ficara meio carregado diante da possibilidade de Léri não ser tão legal quanto aparentou inicialmente. Mas a coisa começou a mudar quando Moitinha sugeriu que pedissem um frango a passarinho para salgarem a boca.

– Frango não curto muito não. Prefiro um porquinho. De preferência, de goleada.

Bracciola, que se levantava para tirar água do joelho, fingiu que não entendeu, engoliu seco e rumou para o banheiro, já pensando no troco. Na volta, tomou um gole generoso e pediu a palavra.

– Por falar em goleada, Léri, lembra daquele 6 a 0 na Vila, no Paulistão de 96?

– Ah, isso aconteceu quando vocês tinham time, né? Agora tô preocupado é com o dia 18 de dezembro. Vamos pegar o Barça em Yokohama e acho que vou ter de trocar de nome.

– Como assim? – perguntou Luís César, inocentemente.

– É, uai. Vou mudar para Léri-tri.

Bracciola coçou o queixo e olhou pra Moitinha, que, por telepatia, entendeu o recado. “Abre a roda, bobão, abre...”

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Léri-bí


(Publicado no domingo 23/10 no Jornal de Londrina)

Passava das onze, a atração principal já se preparava para subir ao palco do Cemitério (o de Automóveis, não o São Pedro) e os três amigos – inúmeras cervejas à mesa – ainda se atracavam em discussões daquelas típicas de bebuns, que vão e vêm, intermináveis.

Começaram com um tema bem leve, o envolvimento do ministro Orlando em denúncias de corrupção, para depois partirem para os mais heavy: as chuteiras verdes de Adriano e Fabuloso em treinos do Curíntia e do São Paulo, a cueca palmeirense de Hugo Hoyama no Pan e, para completar a lista barra pesada, a calcinha supostamente alvinegra de Juju Salimeni – inimiga mortal da nossa Nicole Bahls – no ensaio da Mancha.

Nesse caldeirão de assuntos que, se dependesse deles, ocupariam a pauta do Congresso Nacional e dos programas sérios de TV, os três amigos passaram a se divertir – agora em unanimidade – quando Luís César lembrou a declaração de Romário em Guadalajara, colocando os pingos nos is: “Messi primeiro tem que ser um Maradona antes de chegar a um Romário. E só depois cogitar ser um Pelé”.

Foi quando um sujeito trajando a camisa 10 dos tempos de Aílton Lira aproximou-se da mesa e interrompeu as gargalhadas.

– Olá. Tô ligado que vocês curtem futebol. Posso entrar na roda?

Os amigos foram pegos de surpresa. Ninguém nunca tivera a ousadia de interrompê-los daquele jeito. Entreolharam-se, sem saber o que responder. Moitinha interpelou:

– Quem é você?

– Léri-bí.

– Lélio o quê?

– Não é Lélio. É Léri. Léri-bí.

– Aquela música dos Beatles?

– Isso mesmo.

A mesa abriu nova sessão de gargalhadas. Jamais tinham ouvido apelido mais inusitado. Risos encerrados, Léri permanecia educadamente de pé, à espera de autorização. Bracciola tomou a iniciativa.

– Senta aí, meu. E conta a história desse apelido.

– Não é apelido. É meu nome mesmo.

Os três ficaram com cara de tacho. O papo prometia.

– Marião, duas brejas e um copo, please.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O avesso do avesso


Tem gente que tem competência para colocar as coisas do avesso. É ou não é? O moleque que nunca viu um troço desses - como nessa charge que vi agora no Feice - não poderia pensar outra coisa. E pensar que redigi muita matéria em máquina de escrever. A que eu usei na Folha de Londrina está em casa. Uma Lexikon 80 verde, que passou por uma sessão completa na loja do Ninho (Centro Comercial) e está plastificada no balcão da cozinha, à espera de que eu compre móveis decentes e a instale num local definitivo. Estaria totalmente protegida em seu invólucro, não fosse um fura-bolo impertinente do Giovanni, que rasgou o plástico no setor sudoeste. Se fosse o mapa do Paraná, o furo sinalizaria Pato Branco, Palmas, por ali. E o piá do Marião ainda sentou o dedo no meio das teclas 3 e 4. As teclas encavalaram e assim ficaram, porque não há como enfiar o dedo pelo vão de cima para desencavalá-las. Se tivesse puxado para o Corinthians, como o pai, levaria uns petelecos, mas, como é Tubarão, decidi relevar. Quando a Folha informatizou a Redação, em 1992, se não me engano, eu, com 25, 26 anos, fiquei tão assustado quanto o Jota Oliveira, o Stélio. Que coisa absolutamente non sense para os dias de hoje: aprendemos o que é cursor, quantas vezes clicar para abrir um arquivo, como fazer para salvar o texto a cada uma ou duas linhas redigidas a fim de evitar que cometêssemos um erro e perdêssemos o texto. O básico do básico do básico, que já veio no chip dos que nasceram, sei lá, de 1995 para cá. Até funcionaria, a minha bichinha, se houvesse laudas. Claro, não dá para colocar um sulfite qualquer e teclar. Para operá-la, deve-se usar laudas, obrigatoriamente. De 20 linhas e 1.440 toques. Brancas como comandos pretos, como as da Folha. Ou com comandos verdes, como as da UEL. Assim manda o Código de Ética dos Jornalistas Já Quarentões e Ranzinzas. Fechado?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O poeta da rebeldia



Estou na 98ª das 240 páginas de “O poeta da rebeldia”. Espetacular o romance de José Antonio Pedriali sobre a vida do avô dele, Mário Romagnolli. Lembro que quando entrei na Folha de Londrina, em 1987, me deparava muito com pautas e menções aos pioneiros, as dificuldades impostas pelos tempos da colonização, a terra vermelha, mas eram sempre citações genéricas, repetitivas, quase um clichê. Ao ler o relato da chegada da família de Romagnolli (na foto, em primeiro plano, com Getúlio), em 1938, e os primeiros anos de adaptação a um lugar promissor, sim, mas inóspito por natureza, dadas as condições da época, daí passei a entender verdadeiramente o significado da palavra pioneirismo. A descrição feita por Pedriali do incêndio que consumiu a casa de Romagnolli e a luta dele para retirar os nove filhos e convencer a mulher – em estado catatônico – a afastar-se do fogaréu é espetacular. A narrativa ganha doses cavalares de emoção por conta da dúvida se o caçula Marinho, de três meses, havia ou não sido salvo. A narrativa leva o leitor a torcer com absoluto fervor por um final feliz. Não recordo de outro trecho de qualquer outra obra literária em que eu tenha sido levado a torcer tanto por um personagem. Fantástico, o livro de Pedriali. E não há indício nenhum de que vá arrefecer. Matá-lo-ei até o feriado, com certeza.

domingo, 9 de outubro de 2011

Niki Lauda


(Publicado neste domingo 9/10 no Jornal de Londrina)

Com a idade avançando, manda o bom senso que se anote assuntos que não se pode esquecer – ainda mais se o assunto em questão forem gozações entre torcedores de futebol. Bracciola fazia suas anotações ontem de manhã, antes de seguir para a Toca do Cateto, no Heimtal, onde saborearia a feijoada do Plantão Sorriso e, depois de uma dúzia de caipirinhas tamanho maracanã, certamente se engalfinharia com Moitinha e Luís César num canto a fim de exercitarem a sagrada arte da zoação.

No topo da lista, sem dúvida, ficou a revelação da nova tática dos bambis para jogos no Panetone: quando Rogério Ceni vai ao ataque cobrar faltas, os gandulas escondem as bolas de reposição para – em caso de algo dar errado – evitar que a defesa são-paulina seja pega com as calças na mão.

Bracciola pensava no segundo item da lista quando um mosquito atravessou a varanda a toda velocidade. Ele nunca tinha visto aquilo: a drosófila (Wikipédia serve para isso, rapá!) passou raspando o nariz, no sentido pia-churrasqueira. Voltou com tudo, fazendo curvas imaginárias, como se estivesse na Saint Devote ou na Tamburelo, a mais de 300 km/h.

– Ô Niki Lauda! Cuidado aí, meu...

Nem Senna, nem Schummy, nem o maluco do Hamilton: Niki Lauda foi o primeiro nome que lhe veio à cabeça para batizar aquele mosquito que misturava a velocidade do beija-flor com o barulhinho irritante do pernilongo. Ia e voltava, em hipérboles, parábolas e outros traçados nada cartesianos.

E o danado parecia a fim de tirar uma, porque passava sempre pertinho do rosto, às vezes pela nuca, como que desafiando Bracciola a acompanhar com os olhos aquela velocidade vertiginosa.

Quando o intruso parecia ter dado um tempo, Bracciola dedicou-se a anotar, finalmente, o segundo item da lista: o mais recente ranking da IFFHS, o esquisito instituto alemão de estatísticas de futebol, que trouxe o Curíntia na colocação de número... 171.

Foi então que Niki Lauda veio zunindo, como se estivesse em Interlagos, saindo do S do Senna e entrando com tudo no Mergulho, rumo à bandeirada final. A intervenção desconcentrou Bracciola, que demorou um tempão para lembrar o terceiro item da lista.

– Ah, é. A chuteira verde do Adriano...

sábado, 1 de outubro de 2011

Alma

(Publicado domingo 2/10 no Jornal de Londrina)

Na Sexta Sem Freio retrasada, Bracciola – com o humor hepático, por conta de mais uma derrota inexplicável na sinuca para o Aranha Duarte Júnior – sugeriu ao balconista do Bar do Jota que trocasse o som ambiente, pra lá de insosso, pelo velho e indivisível CD do Zé Ramalho.

Sim, aquele mesmo, capaz de, em um segundo, melhorar o astral do bar todo, do pinguço da vila ao professor da UEL, do artista de rua ao garçom empedernido, da garota de coturno ao garoto blasé. Não havia garrafa vazia ou bituca de cigarro que ficasse impassível aos primeiros acordes de Avôhai.

Tragédia: Brasil, o balconista, nunca ouvira falar de tal CD. Imagina-se que deva ter ficado nas mãos de um dos vários donos que passaram por lá nos últimos anos. Com mil raposas incendiárias: aquele CD – ao lado da sinuca e da biodiversidade – era a alma do Bar do Jota.

Tal qual a batida do Baiano, a canja do Toninho, o mocotó do Gerson, a feijoada do Jaime, o bolinho de carne do Lucílio e o xis-queca do Clube da Esquina, o CD do Zé Ramalho era a alma do Jota.

Equiparável à garra corintiana, à cadência palmeirense, ao arrebatamento flamenguista, ao ímpeto vascaíno, à raça gremista. Ao som daquela coletânea foram urdidas greves, iniciadas amizades, rompidas uniões estáveis. Mesas e cadeiras voaram, muita gente saiu do armário. A jiripoca piou e a onça bebeu água, mermão.

Sob aquele som, Bracciola entornou quantidades oceânicas de cerveja, assistiu a lutas do Maguila e do Mike Tyson e, pra lá de Marrakesh, roubou, na saída do banheiro, no dia da eleição do Lula, um beijo da garota mais cobiçada do pedaço, como quem cobra pedágio.

Quem terá sido o desalmado que ficou com aquele CD?

sábado, 24 de setembro de 2011

O astro

(Publicado neste domingo 25/9 no Jornal de Londrina)

Já que o clássico de quarta ficou mesmo no zero a zero e, portanto, ninguém teria motivo para tirar sarro no outro, o são-paulino Luís César resolveu convidar Moitinha, na sexta-feira, para dividir um comercial esperto no restaurante do Danilo, na Pernambuco, ali perto do Terminal. Já passava das duas da tarde, mas o Danilo – pensou – não iria fazer essa desfeita. De qualquer modo, se o almoço já tivesse ido pro beleléu, ofereceria ao colega corintiano a oportunidade de matar dois daqueles bolinhos de carne divinos preparados pela senhora mãe do Danilo.

Antes, passaria no Detran para mudar o endereço no cadastro. Subindo a Sergipe, notou uma das coisas que mais lhe deixa na bronca: agente da CMTU de óculos escuros olhando pro nada e mascando chiclete.

Deu de cara com o Detran fechado e o aviso: horário de atendimento até as 14h. “Fechar às duas da tarde é pra acabá”, pensou Luís César, que ao passar por um shopping ouviu, na TV, a notícia de que um satélite de cinco toneladas, do tamanho de um ônibus, desativado em 2005, iria cair naquele dia na Terra, sem que a Nasa tivesse noção do local da queda. “Ah, essa eu preciso contar pro Moitinha.”

Nisso, Moitinha descia a Minas Gerais, macambúzio e sorumbático por conta da primeira semana do Timão fora da liderança, ainda que o empate com o São Paulo tivesse, pelo menos, evitado a sensação de um desastre.

Mas, na quinta, o Botafogo ganhara do Grêmio, jogando o Timão para quarto lugar. Até o Parmera vencera – 1 a 0 no Ceará, gol contra de Tiago Mathias – após longo e tenebroso inverno, com direito à torcida no Canindé gritando Ão, ão, ão/ Luan é Seleção.

“Era só o que faltava”, pensou Moitinha, indignado, sem se dar conta da ironia dos palmeirenses. “E esse Tiago Mathias... Ajudou a afundar o Londrina em 2004 e agora me faz um gol contra e a favor do Porco”, lembrou. “E o Curingão nessa draga: me perde a liderança, o capitão do time afastado, a Fiel pedindo a cabeça do treinador. O que mais falta acontecer? Um objeto espacial cair em Itaquera?”, ele viajou.

Ao virar a Sergipe, rumo ao restaurante, o corintiano dá de cara com Luís César, que exclama:

­– Moita, preciso te contar uma coisa, você não vai acreditar.

domingo, 18 de setembro de 2011

Dorflex FC


(Publicado neste domingo 18/9 no Jornal de Londrina)

Numa semana em que anunciaram o fim da Recopa Sul Brasileira – o que deixa o Tubarão definitivamente sem calendário no restante do ano – e a dolorida ausência do time de basquete do próximo campeonato da NBB, a única coisa que salvou a lavoura foi a lambreta do Leandro Damião em cima do zagueiro argentino na Superpelada das Américas, quarta-feira, em Córdoba.

Aquela foi de doer. Para o zagueiro argentino, é claro, que, aliás, chama-se... Papa! Deve ter sido a primeira vez que se viu um papa enfezado em público. Emiliano Papa ao menos foi espirituoso. Depois da partida, sobre o que pensava do drible sofrido, disse que primeiro mataria Damião; depois, o aplaudiria.

Dor pra lá, dor pra cá, Bracciola se lembrou do time de coroas que, na década de 90, desfilou seu talento por alguns campos dessa cidade. Depois de arrancar um empate heróico no campo do Santa Mônica e, surpreendemente, ter vencido um time de moleques à noite no esburacado campinho da Vila Brasil, o catadão sucumbiu, em casa, diante de uns malacos que contavam até com um ex-profissional do LEC.

Já no bar, após o jogo duramente disputado, todo mundo reclamava de dores pelo corpo, até que veio à tona um assunto antigo: com qual nome batizariam o time, que já contava com um cartel respeitável. Diante daquele bando de meia-idade enfaixando tornozelos, esparramando merthiolate e distribuindo gelol, alguém matou a charada:

– Dorflex Futebol Clube!

sábado, 10 de setembro de 2011

Greve!


(Publicado neste domingo 11/9 no Jornal de Londrina)

Pra começar, um time que adora jogar pontos preciosos na lata de lixo – como se viu contra Cruzeiro e Atlético-PR. Ainda por cima, o cara ainda é obrigado a ver o maior bambi da história completar mil jogos no Morumbi lotado, numa festança invejável. E, pra completar a desgraça, o Curíntia vira o jogo pra cima do Flamengo e sacramenta a liderança.

“Nossa Senhora do Chuveiro Elétrico”, pensou Bracciola após a rodada de meio de semana, “dai-me resistência para agüentar uma situação dessas”. Foi daí que, talvez evocando os anarquistas italianos do século passado, nosso amigo palmeirense decretou greve – dele para com o futebol.

Na falta de um Tubarão no Estádio do Café, programou o final de semana apenas com cinema. Veria “O Homem do Futuro” no Catuaí e “A Árvore da Vida” no Com-Tour. Nem daria bola para o jogo com o Inter. Não queria ver o Parmera descartando coringa mais uma vez.

Tragédia por tragédia, veio à mente o 11 de setembro, que completa 10 anos hoje. Lembrou de tudo que fizera naquele dia. Era uma segunda-feira. Às oito e pouco da manhã, foi ao Centro Comercial tomar café. Viu ao vivo, pela tevê, o segundo avião de Bin Laden adentrar a torre sul do WTC e, a partir de então, o mundo inteiro teve a certeza de que o primeiro choque, na torre norte, minutos antes, não havia sido um mero acidente aéreo, e sim o maior ataque terrorista da história.

O final daquela noite e a madrugada do dia seguinte Bracciola passou no 14º andar de um edifício defronte o cemitério São Pedro. Estava ali numa missão kamikase: cair matando em cima da moradora, uma morena clara de vinte e poucos anos que, naquela época, mesmo com roupa e tudo, representava um atentado público ao pudor – especialmente para quem freqüentava o Bar Brasil ou o antigo Valentino.

Tanto fez o nosso amigo que lá pelas tantas a garota cedeu e então, ali, sob o chuveiro, já nas primeiras carícias, se fosse possível que algo desviasse sua atenção, não seria, por mais trágico que tenha sido, o ataque às torres gêmeas.

Embora improvável, seria mais fácil a Bracciola lembrar do desfecho da velha piada do palmeirense que, indignado com a esposa reclamona, seguiu a recomendação de um amigo e, na hora de ir pro estádio, para não ouvir o chororô de sempre, pegou a patroa, colocou-a de bruços no colo e, quando preparou a palmada, olhou aquilo tudo e vaticinou:

– Que futebol que nada...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Presidente


(Publicado neste domingo 4/9 no Jornal de Londrina)

De humor supostamente restabelecido após a vitória do meio de semana diante do Grêmio, que aplacou a chateação pela derrota de domingo para o Parmera, em Presidente Prudente, Moitinha convocou os dois inseparáveis amigos, na sexta-feira, para a reunião do Clube dos Corintianos de Londrina, que pretendia lotar as dependências do Fábrica 1, ali perto do Igapó.

Encontrou Bracciola e Luís César sinucando na Sexta Sem Freio, no Bar do Jota. Com uma garrafa de cerveja cheia nas mãos, chegou de boa, reforçando o convite com estranha serenidade.

– E daí, vamos lá dar um abraço no novo presidente?

Bracciola, que deixara de ir a Prudente para testemunhar o título do Tubarão no Estádio do Café, num sol de rachar mamona, foi o primeiro a se manifestar. Jogou verde para colher maduro.

– Depende. Quem é o presidente?

– Vão empossar o Naym Libos.

– Aquele turco lazarento? Sei não. Presidente, mesmo, eu gosto é daquele outro...

– Quem?

– O Prudente. Presidente Prudente. Esse é bão.

A tirada quase tirou Moitinha do sério.

– De que adiantou ocêis ganhá? O Timão continuou líder e ocêis, ó, lá embaixo...

Moitinha logo viu que daquele mato não sairia coelho e, para não perder a esportiva, vazou pra casa a fim de tomar uma ducha e escolher a indumentária com a qual iria ao jantar que, além da possa da nova diretoria, comemoraria os 101 anos do Timão. Com boné ou sem boné? Camisa ou aquele agasalho chinfroso da Gaviões? Na dúvida, vestiu todos.

Tomou trocentos chopes e ontem à tarde, enquanto matava a ressaca no Bar do Lucílio, num estalo, lembrou de um certo carro preto passando perto do Fábrica 1 com o som no último tocando o hino do Parmera, e aquele bando de gaviões em polvorosa.

– Será que eu sonhei? - pensou o corintiano, observando a chegada de Bracciola com um sorriso sarcástico no canto da boca.

domingo, 28 de agosto de 2011

Ao Café. Ou ao Prudentão?


(Publicado no domingo 28/8 no Jornal de Londrina)

Mais do que qualquer teste ergométrico, análise laboratorial ou terapia complementar, o melhor indicativo para alguém avaliar seu condicionamento físico é cortar as unhas do pé. É o meio mais eficaz para se saber se está com umas gordurinhas a mais ou está precisando de umas sessões de alongamento. Basta registrar o nível de gemidos em cada operação.


Há um pé em que fica mais confortável cortas as unhas do que o outro. No caso de um certo palmeirense, o esquerdo é praticamente uma moleza. Tirando o mindinho, que sempre arranca um leve suspiro, os outros ele corta de boa. Já no pé direito é um inferno. No dedão e no “indicador”, vá lá, a missão é cumprida com razoável facilidade. Mas passou dali a tarefa tende a ficar inglória.

O diabo é que, no curvar-se, o joelho chega a bater no queixo e, a partir daí, alcançar os últimos três dedos do pé direito faz o nosso amigo arfar como um vira-lata sedento e, sobretudo, lembrar de que há meses prometera a si mesmo começar a malhar naquela academia do San Fernando.

Sentado na soleira da porta, já recolhendo as lascas de unha espalhadas ao redor, Bracciola é interpelado pelo Moitinha, que adentrou a casa sem cerimônia.

– E daí, porquinho... Prudentão ou Café? Quer ver o título do Londrina ou o título do Curíntia?

– Que mané título, rapá. O Tuba vai só empatar dessa vez, para ganhar na quarta-feira. Por que ganhar agora, se pode ter duas rendas boas? E o Gladiador, só de raiva, vai meter três na gambazada, que nem o Obina e o Magrão. Lembra do Magrão?

– Gladiador, Gladiador... Hum... Por acaso é aquele que assinou ficha na Gaviões?

Bracciola ia empinar a carroça quando Luís César chegou botando ordem na casa.

– Parem com isso. Lá do Bar do Siroco tá dando pra ouvir esse bate-boca. Vamos todos pro Estádio do Café. E ponto final.

Silêncio. Dez segundos depois, Moitinha recomeçou:

– Tá bom, mas eu fico do lado da Falange e você fica lá na curva do autódromo.

– Ah, pensei que você ia ficar na cativa, junto dos almofadinhas, que nem o Paçoca.

– Cada gol do Curingão eu mando um torpedinho procê.

– E cada gol do Verdão eu faço um sinalzinho bacana de lá.

Esse domingo, pelo jeito, vai ser de pelar o sabugo.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Quadros

(Publicado neste domingo 21/8 no Jornal de Londrina)

Bracciola deveria ter desconfiado que, apesar do barril e meio de cerveja, Major falava sério quando o chamou para a ponta do balcão e ali, no tête-à-tête, diante da Mara, que deixara a cozinha só para ouvi-lo, sugeriu que trouxessem os primeiros quadros para começar a encher o Bar Brasil com fotos de times de futebol.

A proposta – alegou o proponente – era de uma obviedade ululante: sendo aquele um tradicional reduto de torcedores em dias de jogos pela TV, nada melhor, portanto, que o espaço interno do dito cujo exibisse imagens de todos os times, de todas as cores, de todas as torcidas.

A proposta, contudo, parecia fadada ao esquecimento (afinal, cobrar o que da memória após três ou quatro horas ininterruptas num balcão de bar?), até que, dias depois, Bracciola reapareceu por lá e logo observou, na parede próxima à janela da Hugo Cabral, de onde se avista o velho DCE, um quadro do Santos Futebol Clube.

Sim, o Major – certamente inebriado pelo recente tri na Libertadores – tomara a iniciativa e, para tripudiar, veio logo com a melhor escalação da história do Santos, com o Negão e companhia limitada. Detalhe: a foto traz a assinatura de cada um dos jogadores, uma relíquia cujo original deve estar guardado a sete chaves na casa do dono.

O troco veio na mesma moeda. Dias depois, Bracciola entregou a Mara um quadro da Seleção Brasileira. Mara passou a procurar um lugar para o novo hóspede, sem se atinar que, na verdade, tratava-se do time do Palmeiras envergando a amarelinha – do roupeiro ao ponta-esquerda – para enfrentar o Uruguai na inauguração do Mineirão, no feriado de 7 de setembro de 1965.

Mara estacionou o quadro numa estante balcão adentro, de modo que o melhor Santos da história (Gilmar; Lima, Mauro e Dalmo; Zito e Calvet; Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe) está cara a cara com o melhor Palmeiras de todos os tempos (Valdir de Moraes; Djalma Santos, Djalma Dias, Valdemar Carabina e Ferrari; Dudu e Ademir da Guia; Julinho Botelho, Rinaldo, Servílio e Tupãzinho).

Para incrementar a iniciativa, Major disse que vai armar um esquema para que Carlos Alberto Garcia, Neneca e Marinho apareçam por lá, para que levem sua foto preferida e, claro, confraternizem com a galera.

Por via das dúvidas, Lourival já pensa em ampliar o estoque de cerveja.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Tubarão

Na semana em que o Londrina ficou sem jogar por conta da liminar do TJD que barrou o início das semifinais da Segundona, Bracciola ficou absurdado com a notícia – o fato aconteceu no mesmo dia da decisão judicial – de que um tubarão foi encontrado numa floresta dos EUA, a pelo menos uma hora de distância do litoral.


É certo que, tirante a maioria cristã e alguns paus d’água, New Hampshire não tem nada a ver com o Paraná. Mas a imagem do tubarão, mortinho da silva, estirado entre as árvores da cidade de Milton, todo azulado e, portanto, alviceleste como o nosso, perturbou a cabeça de Bracciola.

Inebriado pelos três shows a que assistiu no Festival de Blues que agitou o Valentino, o nosso amigo – dizem as más línguas – até teria tentado tirar uma chinfra de compositor, cometendo alguns versos ao imaginar como teria sido a viagem do tubarão, do mar até a floresta.

Quem ou o que, afinal, teria transportado um baita animal daqueles por pelo menos 80 km? Teria ele viajado a bordo de algum ciclone extratropical? Teria pegado carona em algum tornado impertinente? Teria sido capturado por um bando de adolescentes que achavam que ele poderia sobreviver na piscina da vizinha?

Ou teria ele ido para a rodovia e, tal qual o nosso Tubarão, na definição do filósofo Jefinho, ao invés de pegar a estrada principal foi se aventurando pelos carreadores da vida, sempre tomando o caminho mais difícil, até topar com um ignorante bêbado? Mesmo que rendesse uma letra de blues, dificilmente passaria pelo crivo de um Mindelis, um Cristovan e, muito menos, de um Jozzolino.

Bracciola ainda pensava na tragédia tubarônica quando topou com o Pinduca, em frente às obras do Calçadão. Nego fino, liso, extrovertido, falador, tapeceiro no Ilda Mandarino, passista de primeira, beque pra lá de viril nos tempos do amadorzão, Pinduca, após os cumprimentos de praxe, foi logo interpelando:

– E a bola?

– Óóóó - respondeu Bracciola, unindo o polegar com o indicador.

– A gente vai ficando velho mesmo. Beleza. Dá um abraço no pessoal. Tem visto o Apolo, o Lelei?

– De vez em quando. Mais o Bado, que trabalha ali no Centro Comercial.

– Maravilha, bro. Fica com Deus.

E cada um foi para um lado, com Bracciola ainda encafifado: como é que aquele tubarão foi parar no meio da floresta?

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Virada

(Publicado nesta sexta-feira 05/08 no Jornal de Londrina)
A terceira edição da Sexta Sem Freio – reunião de amigos em torno da mesa de sinuca no Bar do Jota, lembrando a famosa Quinta Sem Lei, que durante anos movimentou o balcão norte do Bar Brasil – teve o domínio amplo, geral e irrestrito de Paulinho Pára-Choque, que mais parecia a Carroça Desembestada do Ceará, atropelando quem viesse pela frente.

A primeira partida ele perdeu pra Bracciola que depois levou uma catracada do Véio do Rio que perdeu pro Pára-Choque que não perdeu pra mais ninguém. Com uma sequência irritante de finas impecáveis e vários imponderêibols on the teibôls, aqueles em que a bola que deveria cair ali acabou caindo lá, o são-paulino arrasou a todos – era uma “nega” atrás da outra.

A última vítima foi Armandowski, que na semana anterior faltara à reunião sinuquística por conta de um compromisso familiar e, desta vez, atrasou-se em nome de um compromisso profissional. Bracciola aproveitou a deixa para soltar todos os cachorros possíveis.

– Fecharam a Shirogohan, mandaram a Sauna Igapó pra Ibiporã, proibiram cerveja no estádio e agora vem você trocando a sinuca com os amigos por aniversário de criança e, pior, por trabalho atrasado? Assim não dá, assim não dá... Mais uma dessa e a gente arruma um jeito de te nomear secretário do Barbosa. Sem habeas corpus. Aí você vai ver o que é bom pra tosse.

A ameaça cabeluda não surtiu o efeito desejado, de levantar os brios de Armandowski. No final, mais uma vitória de Paulinho Pára-Choque, que, assim, deu prosseguimento à série de viradas históricas que começou na quarta-feira com o Flamengo do Dentuço pra cima do Santos de Neymar, continuou no domingo com a sapecada do “rebaixado” Avaí pra cima do líder Corinthians e culminou, na segunda-feira, com a punição ao Foz que jogou o Nacional de Rolândia no colo do Londrina na semifinal que apontará um dos classificados para a primeira divisão do ano que vem.

No happy hour de ontem, no Bar Celestial, Bracciola, Luís César e Moitinha combinaram que estarão no Erick George domingo. Nesse mata-mata, o Tuba sai com um ponto à frente, por ter conquistado o primeiro turno. Logo, se vencer o primeiro jogo, já leva a vaga. O que ninguém quer é uma nova virada. Agora não.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Balança

(Publicado nesta quinta-feira 28/07 no Jornal de Londrina)

Sentado num toco de mangueira e coçando a orelha de uma cadela gorda de pelo vermelho baixo, à sombra de uma jabuticabeira carregada de jabuticaba verde, Luís César achou graça quando viu Diomedes, no Sítio Recreio, fazendo contas com o dedo na poeira acumulada na pia do barracão, a fim de calcular o peso final do porco que tinha acabado de vender ao cunhado João Bim.

Fazia um minuto que Diô e Joãozinho tinham pesado o cocho dentro do qual, meia hora antes, o porco viajara no estrado do trator rumo à nova morada. De cabeça, Diomedes já tinha calculado o peso do porco – tirando o peso do cocho do peso total – e, agora, na poeira da pia, tirava os 20% de praxe, correspondentes, principalmente, à barrigada.

Peso total do porco: 78 kg. Peso final, sem a barrigada: 62,4 kg. Porcão, hein... Mais ou menos um Márcio Araújo. Maior talvez mais que um Cicinho.

Mas por que cargas d’água eles não levaram o porco diretamente à balança – aquelas de fazenda, em que o cidadão cutuca aquele negócio até o troço parar de balançar – em vez de pesá-lo com o cocho e depois pesar o cocho para saber o peso só do porco?

Vai saber, matutava Luís César na terça-feira, no retorno a Londrina, enquanto observava fartos exemplares de cipó-de-são-joão e ipês amarelos na beira da estrada que une a região de Ribeirão Preto ao Norte do Paraná.

– Deve ser a lógica da roça, que só o povo da roça entende.

Luís César liga o rádio do carro e fica sabendo que o Tubarão deu o troco no Grêmio de Maringá e que o Toledo surrou o Foz. Na última e decisiva rodada, o Londrina pega o Foz na fronteira e o Toledo – dois pontos à frente – encara o Serrano em Prudentópolis.

Daí, é ele quem faz as contas de cabeça. Para o LEC, campeão do primeiro turno, ganhar também o segundo e subir direto pra Primeirona, precisa vencer o Foz e torcer pro Toledo só empatar. Assim, o próprio Toledo, dono da segunda melhor campanha no geral, também sobe direto.

Mas se o Toledo ganhar o segundo turno, ele e o Londrina terão de jogar as semifinais para definir os dois classificados. E, nessa, até podem ficar de fora, porque, enfim, futebol é uma caixinha de surpresa.

– Pensando bem, a lógica da roça até que é simples. Absurdo é o regulamento do futebol.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Falar o quê?

(Publicado nesta quinta-feira 21/07 no Jornal de Londrina)

Era a terceira vez que ele tentava pular da cama. Não estava fácil. Pegara pesado na noite anterior. Começou com uma inocente sessão de cinema no Com-Tour. Em cartaz, “O Poder e a Lei”, com Mattew McConaughey, o hollywoodiano que, bobo nem nada, casou com uma brasileira de tirar o chapéu.

Um minuto antes do filme, o chefe do cinema pediu a palavra e informou que um gato entrara no recinto ainda na semana anterior, durante “Meia-noite em Paris”, de Woddy Allen, e que podia acontecer do bicho começar a miar. Se alguém se incomodasse, poderia requerer o dinheiro de volta.

Depois da telona, Bracciola curtiu uma jam session esperta na Casa das Máquinas e, à procura de algo mais hard, caiu no Cemitério de Automóveis, onde deparou-se com uma roda de samba de responsa, com dona Vilma e Joaquim Braga.

Voltou pra casa às quatro e tralalá, depois de ingerir um mix de substâncias sólidas, líquidas e gasosas – não exatamente nessa ordem. Portanto, era de se esperar tamanha resistência em abandonar o edredon. Ao abrir os olhos, percebeu o sol forte, levantou-se e, ato contínuo, sintonizou a Paiquerê, bem na hora do Hino Nacional.

Vintão ele se recusa a pagar para ir ao Estádio do Café, sem ao menos poder tomar uma cervejinha. Então, estava decidido que de manhã acompanharia Londrina x Cascavel pelo rádio, enquanto prepararia a brasa para a carne que estava na geladeira e, também, a que viria com Faísca Acesa, Blau-Blau e Nilton Peteleco. Véio do Rio apareceu, já almoçado.

O 2 a 2 que tirou do Londrina a liderança da Segundona não foi a única tragédia do domingo. Com a turma, Bracciola acompanhou a eliminação do Brasil na Copa América. Antes, tinha lido no jornal sobre o bebê encontrado num bueiro da Vila Hípica – como que para fechar uma semana em que, surpreendentemente, não ocorrera nenhum novo grande escândalo na prefeitura.

Na hora dos pênaltis contra o Paraguai, era tangível o clima de pessimismo na sala, plenamente justificado com aquelas cobranças estapafúrdias rumo ao espaço sideral. Findo o vexame, Bracciola rumou para a churrasqueira e lá, por uns 10 minutos, ficou tal qual o gatinho do Com-Tour: sem dar um pio. Juntando LEC e Seleção, torceu em seis cobranças de pênaltis... Só um entrou. Falar o quê?

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sinuca

(Publicado nesta quarta-feira 13/07 no Jornal de Londrina)

Mais absurdo que o enorme muro cinza e com arame farpado que deixou o Estádio do Café com cara de campo de concentração é a facilidade com que o bancário Paulo Lima mata de fina na sinuca. No meio, no canto, pela esquerda, pela direita, de perto, de longe: não importa a situação, o sujeito é mestre na fininha.

Bracciola sofreu nas mãos do Paulinho na segunda-feira à noite, no Bar do Jota, onde a turma está tentando restabelecer o Dia da Sinuca. O placar de quatro ou cinco a um, de virada, não representou a realidade do pega. Bracciola apenas foi mais feliz nos arremates finais. Alguns dos quais mereceram o comentário característico do adversário.

– Imponderêibou on the têibou.

É assim que Paulinho se manifesta toda vez que o imponderável sobe à mesa. Tipo aquela boa que cai na caçapa do meio depois de bicar em dois ou três cantos, tá ligado? O resultado adverso certamente deveu-se ao inferno astral de Paulinho, um corno-procopense são-paulino – uma coisa não tem nada a ver com a outra – que ontem completou 54 anos.

Embora a turma lá costume rachar o custo das fichas irmanamente, Paulo Lima, com o espírito natalino, decidiu quitar a conta da sinuca. Restou a Bracciola e ao Armandinho – outro que festejou idade nova ontem, quatro ponto cinco – apenas a conta da cerveja.

Que, aliauses, não foi pequena. A relação da comanda fez Bracciola lembrar o mar de latas que forrava a rampa leste do Café na noite do jogo com o Toledo. Sem poder saborear uma cerveja dentro do estádio, a torcida foi emborcando a última pelo caminho.

Nos 40 ou 50 metros que separam a Henrique Mansano das catracas, havia talvez milhares de latinhas – intactas, amassadas, pisoteadas, comprimidas. Um reciclador ali faria a festa. Certamente o mesmo deve ter ocorrido na rampa oeste, que dá acesso às cativas.

Bracciola, Moitinha e Luís César resolveram ver a partida caminhando, para espantar o frio. Pararam no último lance de arquibancada, ao lado dos espetinhos de gato. Não mais que de repente, Moitinha viu um torcedor cruzando rapidamente aquele espaço, com um espeto numa mão e, na outra, um copo com uma espuminha suspeita. A reação foi instintiva:

–Ei, brother, que cê tá tomando aí?

O apressado torcedor apenas sorriu aquele sorriso dos espertalhões, e sumiu em meio ao fumacê dos braseiros.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

É nóis!




Queria muito estar lá. Deve rolar um monte de camisa que nem se imagina. A despeito de toda sua tradição, o Palmeiras sempre brincou com seus uniformes, produzindo camisetas muitas vezes inusitadas, quase sempre com grande qualidade. Bico Doce, seu coxa-branca mal ajambrado, vá lá nos representar. Não são vocês que se dizem torcedores do Verdão? Então...

Estabanado

(Publicado no Jornal de Londrina nesta quinta 07/07)


Derrubar copo em mesa de bar, esbarrar em batente de porta ou chutar o pé da mesa com os dedos de fora é apenas uma das características de Bracciola, um homem de 1,86m que, ainda jovem, descobriu ter perdido quatro centímetros por conta de má postura no trabalho e, a partir dali, passou a se policiar para não chegar à velhice abaixo do metro e meia de altura.

Outra característica peculiar é a arte de se enroscar. Enrosca-se com uma facilidade tremenda. Dias atrás, naquela semana em que o clima nos lembrou de que, infelizmente, Londrina fica no mesmo Estado de Curitiba, tamanho o frio, o dito cujo conseguiu enroscar a manga no botão da própria blusa de couro.

É um monumento, o sujeito, cujo lado B tem outro ponto de destaque: é péssimo para contar piada. De pouco adiantaram as aulas de Miguel Arturo, Eduardo Judas Barros e Donato Parizoto na UEL, nas quais a turma ria sem parar, seja com o sotaque dos dois primeiros ou com os chistes hilários do último.

O fato é que Bracciola é ruim de piada. Fizera sucesso uma única vez, num retiro espiritual, quando contou a estória dos dois mineiros que, sentados lado a lado num final de tarde, viram elefantes voando, vários, um seguido do outro. E não abriam o bico, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, até que um deles, lá pelo 30º elefante, comentou:

– Acho que o ninho deles é pra lá...

Por isso, a cara de pouco entusiasmo, ontem, no bar do Wilson, ali na rua Pará, esquina com a João Cândido, quando Moitinha o instigou a contar piadas, uma vez que ele e Luís César haviam travado ferrenha disputa nas duas últimas reuniões, um azucrinando o outro. Bracciola se negava peremptoriamente. Mas os dois amigos tanto insistiram que chegou uma hora que o palmeirense achou que ele já estava virando piada. Mirou o são-paulino e mandou:

– Tão falando que o Rogério Ceni é igual Leite Moça: bateu, tomou!

Moitinha rachou o bico. Ria a não poder mais, riu até chorar. Quando parecia que ia parar de rir, Bracciola tascou:

– Tem um amigo meu, palmeirense lá da Vila Yara, que a mulher tá grávida. Vai ganhar uma menina e já decidiu que o nome dela vai ser Libertadores.

– Putz, que nome, hein... - disse Moitinha, inocentemente, abrindo a guarda.

– É pra corintiano nenhum relar a mão nela.

Pra acabar a amizade, faltou pouco. Muito pouco.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O troco

(Publicado quarta-feira 29/06 no Jornal de Londrina)

É claro que depois de um 5 a 0 daquele Luís César tinha certeza mais do que absoluta de que levaria o troco de Moitinha. Afinal, na sagrada reunião das terças-feiras, semana passada, crente de que o São Paulo, líder do campeonato, surraria o Corinthians no domingo, esquentara o ouvido do colega com uma série de piadas infames.

Mas não sabia que o troco viria tão rápido. Assim que pisou no Bar Celestial, Moitinha gritou para Tio Mário, torcedor do Bangu que, ao trocar o Rio de Janeiro por Londrina, virou gavião de carteirinha, a ponto de ter presidido o Corintinha da Vila Ipiranga, campeão amador do Paraná em 1967:

– Tio Mário, traz um franguinho pra gente.

 – A passarinho?

– Não, à la Rogério Ceni.

Pô, zoar tudo bem, mas começar pegando pesado justamente com seu ídolo maior, de cara, na bucha, deixou o são-paulino com uma tromba de elefante. Mesmo assim, evocou o espírito esportivo, puxou a cadeira e sentou ao lado de Bracciola, que também não estava lá muito sorridente depois de levar 2 a 0 do... Ceará!

O palmeirense ficou na dele, pensativo. Notou Major Adalberto no canto do balcão, à espera da turma de sempre; ao lado, Alberto Macedo, Marcelo Rocha e Pafu – todos saboreando o tri da Libertadores. Pensou juntar-se aos santistas e começar, ali, uma campanha pela volta da cerveja aos estádios. Inspirado nas várias passeatas que têm pululado pelo Brasil, estava arquitetando a Marcha dos Maiores Abandonados em Prol de Uma Inocente Cervejinha nos Estádios de Futebol.

Pior para Luís César é que ele nem imaginava que Moitinha pesquisara algumas piadas infames para rebater as da semana passada. E piada infame, todo mundo sabe, é engraçada quando você está de bom humor. Se tu andas escorneado, é o fim da picada. De novo sem rodeios, o corintiano empinou a carroça:

– Meu bambi preferido, me diga uma coisa: o que o cavalo foi fazer no orelhão?

– Sei lá, seu gambá desqualificado.

– Foi passar um trote, uai.

E, antes que o são-paulino pudesse respirar, emendou:

– O que dá o cruzamento de pão, queijo e um macaco?

– X-panzé.

Luís César suspirou profundamente, como que se preparando para uma longa e tenebrosa noite de alugação.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Piadas

(Publicado nesta quarta-feira, 22/06, no Jornal de Londrina)



– Como se fala topless em chinês?

– Sei lá eu...

– Xen-chu-tian.

Luís César estava impossível ontem no bar do Quinin, o Copo Sujo, no Jardim Bancários. Certamente recebeu um daqueles e-mails cheios daquelas piadas repletas de trocadalhos do carilho – e, pelo jeito, fez questão de decorar umas vinte para atazanar o Moitinha.

Na falta de alguém para alugar, já que todo mundo se dera bem na rodada, inclusive o Londrina campeão, resolveu encrespar com o amigo corintiano. Uma espécie de desforra, depois de ter ficado quatro anos sem ganhar do Curíntia, jejum que acabou graças àquele 100º gol do Rogério Ceni.

Sem falar que domingo agora o São Paulo – líder disparado do Brasileirão – pega justamente o Curíntia. Numa dessas que, vira e mexe, o são-paulino sacava uma piada infame da cartola. Fazia a pergunta e, diante do silencioso desprezo do colega, ele mesmo respondia.

– Como as enzimas se reproduzem?

– Fica uma enzima da outra.

E caía na gargalhada, enquanto Moitinha, fingindo que não era com ele, bebia cerveja em goles generosos e atacava o amendoim japonês da mesa.

Escanteado, Bracciola passou todo o tempo avoado, como se estivesse longe dali. Pensava, na verdade, naquele rasgo de papel que catou no canteiro da Henrique Mansano, no domingo.

Foi um grande achado, aquele. Amenizou sobremaneira a caminhada que teria de enfrentar da caixa d’água da Sanepar até a rampa do Estádio do Café. Um pedaço de catálogo de peças íntimas femininas mostrava uma morena que, embora não fosse “a sua” Camila Pitanga, deixaria qualquer marmanjo de queixo caído.

Como encontrou aquele pequeno de papel nem ele sabe. Coisas do destino. Ou vai ver é igual ao tio, César Cheruti, que nos bons tempos do Bar do Vicente dizia ter um radar de nascença que apita sempre que alguma beldade – tipo Luana Piovani – se aproxima de seu raio de ação.

Bracciola ainda viajava na imagem daquela morena de cabelos “negros como a noite que não tem luar”, como na canção de José Fortuna, quando Luís César atacou novamente, para desespero definitivo de Moitinha.

– Por que o jacaré tirou o jacarezinho da escola?

- Porque ele réptil de ano.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Vinte e cinco anos atrás


As tais redes sociais às vezes nos aprontam dessas. Rose Castro, de Marília, da nossa turma de Comunicação (84/1), postou essa foto aí no Face. É da formatura da turma, da qual eu não participei porque atrasei um ano. Mas fui de bicão, off course. Vamos às identificações... Nas pontas, dois professores bastante queridos da turma: Sonia Weil e Ivan Santo Barbosa. Eu estou atrás do Aurélio, que está com o copo na mão. Aquela camisa eu comprei pra ir à festa. Pedi ajuda da Carla Sehn. Comprei numa loja que ficava na esquina da Pernambuco com a Paraná. Ainda não era Calçadão ali. Do meu lado direito, a Cris, que viria ser mãe da minha filha Natália. Entre eu e o professor Ivan, duas meninas que não me lembro. Do lado da Cris, a Pia, filha do Natel Gomes de Oliveira, delegado famoooooso em Londrina. Do lado dela, uma supostamente japonesinha que não conheço. Daí, ajoelhados, tem o Dirceu Herrero - desde sempre em Maringá, onde foi superintendente da Associação Comercial - e Ariel Palácios, que voltou a morar na terra natal, Buenos Aires, onde é correspondente do Estadão e da Globo News. Atrás deles, Gracinha e a Rose. A festa foi no salão de inverno do Country Club. Fiquei um ano pra trás porque já trabalhava na Folha quando os professores da UEL fizeram uma greve gigantesca, em 1987. O regime era semestral. Quando voltaram às aulas, depois de quase dois meses, o semestre, claro, estava praticamente perdido. Daí todo mundo reformatou a coisa para terminar de maneira digna, menos o Paulo Boni e o Bola, que fizeram questão de que entregássemos todos os trabalhos pedidos nas primeiras semanas de aula. Mandei-os às favas. Hoje são dois bons amigos. Como, aliás, todos aí da foto - pelo menos os que eu conheço.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Cabaré

(Publicado nesta quarta-feira, 15/06, no Jornal de Londrina)


Com o JL na mão, Bracciola entrou na fila domingo de manhã, no Royal, a fim de comprar ingressos para o Cabaré do FILO. Consumidor esporádico de teatro, quando pinta o Festival Internacional de Londrina ele fica mesmo é na expectativa do Cabaré, o braço musical do FILO, que sempre trouxe bons artistas para shows em locais descolados e a preços civilizados.




Todo ano, porém, é a mesma coisa: nunca se sabe se vai ter Cabaré ou não. Invariavelmente rola. Ano passado não rolou. Por isso, Bracciola correu para a fila quando tomou conhecimento do início da venda dos ingressos. Nem sabia quem viria. Ficou sabendo na fila, ao topar com a Turca, uma jornalista com quem – como diria Odorico Paraguaçu – teve um teretetê anos atrás.



Vem aí uma turma, revelou a Turca, de responsa: Wilson Simoninha, Martinho da Vila, Erasmo Carlos, Nando Reis, Eduardo Dusek, Arnaldo Antunes. Como a grana anda mais curta que coice de porco, Bracciola se viu com dinheiro para no máximo dois espetáculos. Eliminou Nando Reis de cara.



– Esse aí é um bambi desqualificado.



Surpreendeu-se, porque, na verdade, jamais condicionara a preferência musical com o clube do coração. Na juventude, curtiu muito Ultraje a Rigor, liderado pelo são-paulino Roger. Até hoje, nos churrascos em casa com a rapaziada, ouve “Nós vamos invadir sua praia” até furar o vinil.



Acabou optando pelo Tremendão – que ele sabe ser um vascaíno histórico – e Arnaldo Antunes, que, diz a lenda, torce para o Cosmos, de Nova Iorque. Comentava sua decisão com Luís César e Moitinha ontem no Bar da Keiko quando, num estalo, se tocou de que o Simoninha é – como ele – palmeirense até debaixo d’água.



Lembrou que o filho de Wilson Simonal, ainda guri, em São Paulo, morou um ano no hotel onde o Palmeiras se concentrava. Levado aos treinos por César Maluco, centroavante da Segunda Academia, virou torcedor fanático do Palestra. E que o cara sempre homenageia o Verdão em seus shows.



Pintou aquele arrependimento. Pra piorar, aquela gata que ele vem cevando há séculos disse ao Luís César que não perde o show do Simoninha de jeito nenhum. Com cara de pidoncho, mirou o colega são-paulino, que rebateu de primeira:



– Também tô liso. Não vem que não tem!

Devastador


Pela cara da dona Maura e pelo andar desolado do seu Fischer dá pra calcular o tamanho da bagaça. Semana passada passou um vento no sítio lá em Guará que deixou poucas árvores em pé. Um eucalipto ignorante de grande veio abaixo, derrissando a copa de dois jambolões centenários. O babaçu gigante parece que sofreu bastante também. Galhos de ipê e sibipiruna deixaram mixiriqueiras deveras prejudicadas. O consolo é que a casa e o barracão não foram atingidos. Ninguém se machucou. Não morreu nenhuma galinha. Então, falei pra minha mãe, numas de consolar, ficou barato. Divirtam-se agora, recompondo a vegetação devastada. Se meu irmão - que fez a foto acima - conseguir uma motosserra para esquartejar o eucalipto derrubado, teremos madeira para milhares de churrascos, daqueles que meu pai gosta de fazer, no latão. Preciso voltar lá. Meus frangos caipiras miaram. No congelador, sobrou um mísero pedaço de paleta de porco. Guará já!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Arapa

(Publicado nesta quarta-feira, 08/06, no Jornal de Londrina)
¬ Vamos pra Aparongas?

– Demorô. Vamos nessa.

Moitinha e Bracciola tomaram o metropolitano na Tiradentes e vazaram pra Arapa. Pararam num ponto de ônibus a poucas quadras do campo, 300 metros morro abaixo. Antes da bilheteria, embora já atrasados, pediram duas latinhas para molhar a garganta. O ambulante, todo atrapalhado, não conseguia sequer abrir o saquinho.

Tirar a cola daqueles saquinhos de fato é um sacrifício, ponderou Bracciola, que enfrenta a mesma dificuldade quando vai ao supermercado. E riu quando o ambulante passou ao colega um saquinho aberto no fundo, e Moitinha viu um generoso gole da sua brahma parar no chão empoeirado. Resolveram, então, arrancar alguma coisa proveitosa daquele cidadão.

– Vende cerveja lá dentro?

– Vende, mas é mais caro.

Compraram ingressos (a deizão, sem essa de antecipado, que é o que devia ser nessa segundona, comentou Moitinha) e, já na entrada, a ducha fria: após a tradicional revista, foram orientados a consumir o precioso líquido ali mesmo, próximo às catracas. Descer com o saquinho de cerveja pra arquibancada? Nã-na-ni-na-não. Ambulante mentiroso!

O jeito era curtir o jogo. Estádio dos Pássaros com 1.500 torcedores, 95% com a camisa do Tubarão. Domingo frio de sol ardido. Agostinho Garrote pegou uma bandeira emprestada para proteger a careca reluzente. Jurandir Barrozo usava a blusa de couro como guarda-sol.

O Estádio dos Pássaros estava daquele jeito que todo torcedor gosta: bastante gente, batucada na geral e muita figurinha carimbada, mais ou menos assim como um VGD quando reúne aquela tranquerada da Fraternidade, do Leonor e da Vila Ipiranga. E aquele cara vestido de boneca cor de rosa com chifres na cabeça? Mataria de inveja metade do FILO.

Tudo perfeito – inclusive pelo placar – a não ser a chateação de, mais uma vez, ter de encarar um futebol a seco. Um grupo passou a fazer marcação cerrada pra cima dos policiais, implorando uma brecha para comprar uma geladinha dos ambulantes lá de fora. Nã-na-ni-na-não. Até que um torcedor, depois da enésima tentativa frustrada de matar aquela sede obscena, desabafou, emburrado, em voz alta:

– Esse povo tá pensando que campo de futebol é igreja.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Quinze anos


Vale o chavão: parece que foi ontem que ela nasceu; no último dia 27, fez 15 anos. Natália está à direita na foto com colegas. Lembro bem quando a Cris chegou à Redação da Folha com o exame. Não quis abrir sozinha. Interfonou da portaria, eu desci e fomos à esquina da Rio de Janeiro com Piauí para abrir o envelope. Naquele exato momento, atravessou a rua Adriano Garib, que ainda não tinha ido pro Rio de Janeiro trabalhar como ator em cinema, teatro e TV. Adriano foi logo nos cumprimentando efusivamente, com aquele sorriso que lhe é peculiar. Retribuímos, mas procuramos ser rápidos porque o exame estava queimando nas nossas mãos. E deu positivo. Cris estava grávida. Teve uma gestação relativamente tranquila. Às oito horas da manhã de 27 de maio de 1996, uma segunda-feira, levantou da cama para fazer xixi. Lá da patente disse que havia algo estranho. Algo descera junto. Ligamos para o médico, acho. Era a bolsa, estourando. Em meia hora, estávamos no Hospital Evangélico. Logo depois Natália nasceu. Parto normal. Peguei o telefone público do corredor do hospital e liguei para minha mãe. Depois do "oi, mãe" não consegui falar mais nada. Só chorava. Compulsivamente. Com soluços. É uma emoção absolutamente única, ímpar, inigualável, indescritível e mais meio dicionário aí. Ficamos no quarto ao lado onde Amanda, filha de Benê e Apolo, havia semanas era tratada dum troço que até hoje não se sabe o que foi. Ficou meses hospitalizada, algumas vezes muito próxima do pior. Mas do jeito que adoeceu, sarou. Hoje é uma bela advogada de vinte e poucos anos. Cris engravidou concomitantemente a duas colegas minhas da Folha, Adriana de Cunto e Célia Musilli. Célia teve gêmeos. Natália nasceu na semana em que o Palmeiras conquistou o título paulista com a melhor campanha da história do campeonato. Tenho foto dela com pijaminha verde-branco, presenteado pelo bambi Claudio Osti. Quando ela e a Cris se mudaram para Ibitinga, Natália deu uma bandeada pro Tricolor, certamente influenciada pela mãe. Adolescente, virou corintiana. Na Semana Santa entreguei a ela uma blusinha - argh! - do Corinthians gentilmente presenteada pela mulher do Toninho, um amigo comum de infância que eu e meu irmão visitamos em São Paulo no Carnaval. Mandei a foto acima a alguns amigos. Dirceu Herrero, de Maringá, respondeu oferecendo o endereço de um fabricante de bazuca no Rio de Janeiro, onde ele encomendou a dele, para espantar os gaviões que rondam a Marília. Armando Duarte Júnior, exercitando a descendência libanesa de dona Azize, propôs racharmos a conta de uma espingarda esparramadeira, da qual ele necessitará duplamente em breve. Há mais de ano Natália namora o Juninho, um garoto de 17 anos cujo nome é o mesmo do meu pai, José Moacyr. Já a Carla Sehn viu na foto o jeitão de uma garota criada no interior, sossegada, porém esperta. É tudo o que eu sonho.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Barça furado

(Publicado nesta quarta-feira, 01/06, no Jornal de Londrina)

Bracciola havia planejado uma comilança com os amigos para depois da Fórmula 1 até a hora do jogo do Tubarão, mas ao agüentou esperar o domingo. Acordou no sábado e, sabe como é, deu aquela coceira. Afinal, se não tinha Londrina nem Parmera, teria Barça x Manchester na finalíssima da Liga dos Campeões. Sorte que a gaveta do freezer já estava recheada.

Aliás, pensou, o fabricante de geladeira deve ter se mancomunado com o fabricante de cerveja, porque a gaveta abaixo do congelador comporta, direitinho, 12 latinhas, um fardinho completo, sendo duas filas de cinco e, atravessadas ao pé delas, as outras duas, sobrando apenas espaço para a mão capturar a primeira e iniciar o extermínio.

Devidamente abastecido, convocou, por telefone, meia dúzia de salafras de reputação ilibada, e por volta de meio-dia deram início a um chega-e-traz de cerveja, pão, tomate e carne que mataria de inveja até quem anda guardando grana pesada em casa ou no carro.

À espera do jogão, os convivas tagarelavam à vontade. Nilton Peteleco dizia que quer porque quer gravar as modas de Tião Carreiro que ecoavam na varanda. Blau-Blau não botou fé na história de que o manda-chuva dum certo órgão público aí botou a própria mulher na tesouraria. Dorico avisou que dali algumas semanas terá mandioca boa na chácara do Limoeiro. Apoleta anunciou que na segunda-feira vazaria para o Nordeste, para comemorar 66 anos.

Iniciado o pega em Londres, a turma passou a se revezar entre a TV na sala e a costela na brasa. Nesse vaivém, quem chegava à tábua de carne relatava o mais recente lance genial do Barcelona, cujo time tocava a bola de pé em pé – o adversário como mero coadjuvante de um espetáculo que Sepp Blatter não foi ver porque, enfim, o presidente da Fifa, ultimamente, anda com coisas mais importantes para resolver.

Bracciola era o único que não desgrudava os olhos da TV. Ficou verdadeiramente encantado com Messi, Iniesta e Xavi. Talvez ainda estivesse com o Barça na cabeça quando, no dia seguinte, viu seu Parmera empatar aos trancos e barrancos com o Cruzeiro em Minas.

Do outro lado do quarteirão dava para ouvir os impropérios toda vez que a bola caía nos pés de Tinga, Gabriel Silva ou Adriano Michael Jackson.

Nosso Mundial



A Sociedade Esportiva Palmeiras apresentou ontem, terça, 31/05, novo uniforme alternativo, homenageando, desta vez, a conquista da Copa Rio 1951, o primeiro - e maior - torneio mundial interclubes da história. No dia 22 de julho completará 60 anos da conquista. Foi o dia em que o Palmeiras empatou com a Juventus da Itália por 2 a 2 (havia vencido o primeiro jogo da final por 1 a 0) num Maracanã com 100.093 torcedores. A decisão do primeiro mundial "oficial" da Fifa, entre Vasco e Corinthians, em 2000, levou ao Maracanã 73 mil pessoas. Para organizar esse, para o qual o Corinthians foi convidado, a Fifa se baseou na Copa Rio, promovida por Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues, que hoje dá nome ao maior estádio do mundo. Foram dois grupos, no Rio e em São Paulo. No Rio, Vasco (campeão carioca), Sporting (campeão português), Áustria Viena (campeão austríaco) e Nacional (base da seleção uruguaia que desbancara a brasileira um ano antes na Copa). Em Sampa, Palmeiras (campeão paulista), Juventus (campeão italiano), Nice (campeão francês) e Estrela Vermelha (campeão iugoslavo). No "Mundial" de 2000, no grupo carioca estavam Vasco (campeão da Libertadores de 1998!!!), Necaxa (campeão da Concacaf), Manchester United (campeão europeu do ano, que foi ao Rio passear) e South Melborne (campeão australiano, ou coisa assim). No grupo paulista, Corinthians (campeão brasileiro de 1998!!!), Real Madrid (campeão europeu de 1998!!!), Al-Nassr (campeão da Supercopa da Ásia) e Raja Casablanca (campeão africano).

Dá para comparar?

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Bicho furão

(Publicado nesta quarta-feira, 25/05, no Jornal de Londrina)

Os três amigos chegaram ao Estádio do Café de ingressos na mão, comprados antecipadamente a R$ 10. Bracciola dissera durante a semana do jogo que vintão ele não pagaria nem que elefante voasse. Moitinha foi mais radical: não pagaria R$ 20 pra ver o LEC nem que todos os buracos de rua da cidade resolvessem sumir de uma vez só.



Já Luís César assumira postura moderada. Até pagaria vintão, desde que não visse mais ninguém – tirante as crianças e os velhinhos – entrando de graça. Os carteiraços sempre o incomodaram. Não entendia por que policial, gente da prefeitura, gente do Fórum e neguinho folgado da imprensa podem entrar de graça, enquanto a maior parte da galera sua para bancar seu ingresso.



No momento em que terminavam de subir a rampa das numeradas, viu um conhecido barnabé dar a costumeira carteirada na mocinha da roleta. Luís César não agüentou. Da outra roleta, a uns três metros de distância, tascou, em alto e bom som, tentando constranger o furão:



– Bonito, hein?!?



Em campo, aquela maravilha: torcida presente, time bem postado, três a zero no placar, vitória na estreia, três pontos no embornal. Derramavam-se em elogios ao LEC na sagrada reunião de terça, no Bar Celestial, quando Moitinha, que não consegue ficar meia hora sem falar no Coringão, entrou de sola:



– E aquele voleio do Liedson? Coisa linda! O gol mais bonito da rodada.



– É, mas o do Lucas foi melhor - emendou o são-paulino. Lembrou o Fenômeno na época do Barça.



– Lucas, Fenômeno? Não me faça rir. Isso é piada mais pronta que o Barrichello, que faz aniversário no Dia da Tartaruga. O gol do Gladiador sim é que foi bonito. Se bobear vai ser o mais bonito do campeonato - exagerou o palmeirense.



E passaram a se engalfinhar em torno da beleza dos gols, cada um puxando a sardinha para sua brasa. Lembraram detalhes edificantes, evocaram sutilezas decisivas. E, nessa toada, tomaram várias cervejas, emborcaram algumas branquinhas, devoraram quilos de torresmo.



Na hora de pagar a conta, entreolharam-se em busca de um auxílio salvador. Ninguém ali tinha um tostão furado. Nem precisaram dizer nada. Tio Mário, que acompanhara o desfecho constrangido da conversa, saiu detrás do balcão, passou pano na mesa e encarou os caloteiros:



– Bonito, hein?!?

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Programão

(Publicado nesta quarta-feira, 18/05, no Jornal de Londrina)

Não que ele seja santo, que isso ele não é mesmo, mas, por precaução, ao invés dos bares da vida, como seria natural, Moitinha resolveu acompanhar a decisão do Campeonato Paulista num ambiente mais privativo e protegido – atitude bastante sensata numa cidade em que se atira nas pessoas tanto quanto se rouba da Saúde.


Daí que, cauteloso, ligou para Bracciola com a proposta de que convocassem Luís César e assistissem ao jogo juntos – afinal, raciocinou o corintiano, se tivesse de agüentar zoação nas sagradas reuniões de segunda ou terça, que já enfrentasse o perigo ali, ao vivo, na barba do leão.


Combinaram um rango esperto, regado a latinhas de cerveja e a uma pinga de alambique daquelas de azular o bico da chaleira, trazida de Minas pelo vizinho de Bracciola, o Belchior. Prato principal: paleta de porco assada, com pele, comprada, surpreendentemente, a R$ 4,67 o quilo no Carrefour.


E azulou mesmo, porque o Santos nem bem tinha esquentado o papo do goleiro do Curíntia e Moitinha já roncava estirado no único sofá dois-lugares da sala, o que obrigava os outros dois espectadores a torcer o pescoço nos principais lances da TV.


Murmurou algo desconexo quando Arouca abriu o placar. E arriscou abrir um olho quando Neymar, com um toque maroto, fez Júlio Cesar engolir uma penosa. O infortúnio corintiano acendeu em Bracciola – ainda atordoado pelos 6 a 0 diante do Coritiba, pela Copa do Brasil – a chama da vingança.


– Aí, ó! Para quem gostava tanto de Coxa, sobrou um frango inteiro.


Sacramentado o resultado, cada um se preparava para seguir rumo quando alguém se lembrou de que nesta quarta tem Santos pela Libertadores (“Sou Once Caldas desde criancinha!”, vociferou Moitinha) e, no domingo, já começa o Brasileirão. Também no domingo, ressaltou Bracciola, tem Londrina em campo, no Estádio do Café, ainda que pela segundona estadual.


– Caraca, não vende mais cerveja no estádio.


– Tudo bem, ué. A gente se cruza no centro, vai a pé até o Jardim Pacaembu, parando de bar em bar, turbina no Zé Cofel e passa na dona Vanira pra beliscar qualquer coisa.


– Daí a gente arrasta o Marião e vai matando um tarja preta lá do Franciscato no canteiro da Henrique Mansano.


– Fechado!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Que time!

Festa de aniversário de Emília na mansão dos Antunes. Golaço!


Doce vingança


Nada como um dia atrás do outro, né, gambazada?


quarta-feira, 11 de maio de 2011

Maus-tratos

(Publicado nesta quarta-feira, 11/05, no Jornal de Londrina)

Com cinco brahmas 650 ml e muito folk rock na cabeça, Moitinha deixou o Vitrola Bar às três da manhã de domingo convicto de que tinha valido a pena segurar a onda até de noitão no sábado para ver a tal banda australiana que, além de uma guitarra afiada, um baixo nervoso e uma batera firme, tem, na cozinha e na flauta, duas gatas – o que é aquilo, torcida brasileira? – experientes e infernais.


Saiu do Vitrola convicto de que, à tarde, no Pacaembu, o Curíntia, vitaminado pela vitória sobre o Parmera na semifinal, atropelaria o Santos no primeiro jogo da decisão paulista. O Curíntia não atropelou ninguém, mas, de qualquer forma, nosso diabinho curtiu o zero a zero. Afinal, o Santos, agora sem Ganso, será presa fácil para o Timão domingo que vem, na Vila.

A semana começara bem demais, com o Timão vivo no Paulistão e, nas ruas e na internet, piadas à vontade pra cima dos palmeirenses, depois da traulitada de meia dúzia a zero diante do Coritiba pela Copa do Brasil.

Moitinha gostou principalmente da foto do Osama com a camisa verde e o seguinte cabeçalho: “Confirmado! Bin Laden morreu de desgosto”. E aquela, então, da mulher acordando o marido na segunda? “Benhê, levanta, já são sete”. O cara pula da cama, assustado: “O quê, mais um do Coxa?”

Melhor do que isso, só ao vivo, pensou, flagrando um cara em frente ao Bar do Rosinha, perto da avenida Inglaterra, falando para o dono, palmeirense roxo, de que estava ali para entregar um carregamento de coxas. Moitinha rachou o bico com a cara de desentendido do Rosinha, dizendo toda hora “mas eu não pedi coxa nenhuma...”

Ontem, reuniu-se com os amigos diabinhos na lanchonete do Nicolas. Já tinham tomado várias e, por crueldade, nem Moitinha nem Luís César tinha zoado com Bracciola, cientes de que o palmeirense devia estar com os miolos fervendo, até que lá pelas tantas o corintiano tascou:

– Vocês viram no jornal que o Ibama multou o Coxa? Também, quem manda ficar maltratando os animais? Coitados dos porquinhos.

– Engraçado - retrucou Bracciola. Não me consta que multaram o Tolima por ter ferido milhões de gambás. E olha que daí é crime internacional, hein...

Pagaram a conta e foi cada um para um lado, cuidar da vida.