Me surpreendi ao ver hoje, no Calçadão de Londrina, um cara com a
camisa do Palmeiras. É normal as pessoas saírem às ruas com a camisa do seu time no dia seguinte a uma derrota. É uma maneira de reafirmar a devoção. Adolescentes e pré-adolescentes fazem muito isso. Dias atrás a
Carina Paccola me contou que o filho dela, de 14 ou 15 anos, fez exatamente assim ao ir ao médico – que, eles sabiam, é sãopaulino. No que o doutor tascou, logo que viu o Nícolas uniformizado: “Corajoso, hein?” Mas nesta segunda, me desculpem, mas não dava. O cara do Calçadão nem moleque é, é homem feito. Tenho convicção de que os palmeirenses, que cultuam suas cores e brincam com seus símbolos, anarquicamente até, como é de sua índole, hoje estão majoritariamente
envergonhados. E não dá pra conciliar vergonha na cara com neguinho te olhando atravessado, com sorrisinho sarcástico. É dar pano pra manga. Confusão na certa. Melhor não.
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De confusão e violência, aliás, esse campeonato acabou cheio. Foram vários os casos, em especial na última rodada. A invasão de campo no
Couto Pereira foi a maior delas. Ser rebaixado em casa no ano do centenário não deve ser bolinho, o que, evidentemente, não justifica o que os coxas fizeram. Até no Rio houve
quebra-pau, entre torcedores do Flamengo. Até agora não li nada sobre a recepção que os palmeirenses fizeram à delegação, mas não me surpreenderiam novas ocorrências como a dos tabefes no Vagner Love numa agência bancária perto do Palestra e a das pedras no ônibus da delegação que voltava de Itu. Duvido que, por conta de todo o clima criado, não tenha havido uns catiripapos em Porto Alegre. Sei que a delegação do Grêmio foi recebida com ira por torcedores que acharam que o time se empenhou demais. E, na minha opinião, quem mais mereceu apanhar acabou saindo ileso:
Carlos Eugênio Simon, um grande mau caráter. Se o sujeito é afastado de um campeonato nacional por erro grosseiros e, mesmo assim, é mantido como representante deste país na Copa do Mundo, ah, a alguém ele está servindo, pode ter certeza.
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Quando, finalmente, o campeonato de
pontos corridos ganhou emoção, ao reunir quatro candidatos ao título na última rodada, foi justamente quando deu asas à bronca de quem acha que o melhor é o sistema
mata-mata. O argumento fatal dos pontos corridos – melhor campanha, de cabo a rabo – acabou seriamente arranhado com o corpo mole dos rivais nas últimas rodadas. Quem olhasse a tabela e, prevendo um final parelho, a comentasse, diria que o Flamengo estaria em maus lençóis, porque pegaria Corinthians e Grêmio. Seria uma análise lógica, mas a
lógica foi pro espaço no momento em que, no frigir dos ovos, apareceram São Paulo, Palmeiras e Inter como rivais do Flamengo. E dois dos times considerados mais aguerridos do Brasil foram
presa fácil para o Mengão, que passeou em cima do Corinthians e fez o que quis com o Grêmio.
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E não venham me dizer que o Grêmio, ao
abrir o placar, dificultou as coisas para o Flamengo e deu emoção à rodada decisiva. Coisa para inglês ver. Colóquio flácido para acalentar bovinos. O Grêmio não fez absolutamente nada para ameaçar o Flamengo. Nem antes, nem durante o jogo. Antes, a diretoria sacou
mais da metade dos titulares, incluindo o meia Souza (principal jogador) e o goleiro Vitor, da seleção. E mandou ao Rio um elenco em que oito jogadores nunca haviam atuado no Maracanã. Em campo, um enredo enganoso: os gaúchos saíram na frente com um gol de treino, de pelada, de rachão, em que dois jogadores, na pequena área, disputaram quem chutaria a bola vinda do escanteio. A câmera que mostrou um
ângulo transversal revelou que, da defesa até o ataque, ninguém do Grêmio, com exceção dos que estavam envolvidos diretamente na jogada, comemorou o gol.
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E a leitura labial revelou que, ao entrar em campo, um cara do Grêmio disse aos demais colegas:
“Parou! Ninguém mais chuta a gol”. E as câmeras mostraram o atacante flamenguista Adriano cochichando com um zagueiro do Grêmio – ambos com as mãos na boca, para evitar a leitura labial. E o clima de
já ganhou que a imprensa chapa-branca criou durante a semana em torno do Flamengo serviu para camuflar, entre outras coisas, a irregularidade do primeiro gol rubro-negro, em que Adriano usa o braço para impedir a aproximação do zagueiro adversário, deslocando-o no ar. Mas quem teria peito para anotar falta ali? O londrinense Heber Roberto Lopes não teve.
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A violência é injustificável, mas burros de nós se ficarmos achando que tudo o que aconteceu de dez dias para cá é fruto apenas de uma
meia dúzia de baderneiros, como os comentaristas e apresentadores sempre dizem para livrar a cara do resto da torcida em questão. A explosão de violência na
emboscada ao ônibus do Palmeiras, na invasão do Couto Pereira, no quebra-pau do Rio e todas as outras ocorrências veiculadas ou não na imprensa são fruto do
nervosismo sistemático a que os torcedores foram submetidos no decorrer do Brasileirão. Erros de arbitragem grosseiros. Decisões díspares e recuos inexplicáveis da Justiça Desportiva. Declarações intempestivas de dirigentes e, às vezes, dos próprios jogadores. Exploração maciça, pela mídia, de determinados supostos erros, em detrimento de outros. A chapa-branquice das emissoras que detêm os direitos de transmissão quando os times em questão são Flamengo e Corinthians. A absoluta falta de
ética de torcedores e dirigentes – e, em menor grau, de outros envolvidos no processo – na hora de honrar a camisa quando o rival pode ser beneficiado.
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De resto, ficam alguns registros exponenciais. O principal deles: a
reação heróica do Fluminense, que escapou do rebaixamento numa arrancada fulminante que nem mesmo o erro absurdo de Simon ao anular aquele gol de Obina arranhou. A
amarelada histórica do Palmeiras, que teve todas as chances de disparar na frente e acabou fora da Libertadores. A não-vitória do São Paulo, que daria à equipe um
tetracampeonato não condizente com a qualidade do elenco dos últimos quatro anos e reforçaria a baixa qualidade atual do futebol brasileiro. A vitória do Flamengo, que tirou o troféu do hegemônico Estado de São Paulo. E a absoluta necessidade de se adotar, no Brasil, uma
arbitragem profissionalizada, que eliminaria grande parte de erros crassos que alteram resultados e deixam os nervos à flor da pele.