(Publicado domingo 2/10 no Jornal de Londrina)
Na Sexta Sem Freio retrasada, Bracciola – com o humor hepático, por conta de mais uma derrota inexplicável na sinuca para o Aranha Duarte Júnior – sugeriu ao balconista do Bar do Jota que trocasse o som ambiente, pra lá de insosso, pelo velho e indivisível CD do Zé Ramalho.
Sim, aquele mesmo, capaz de, em um segundo, melhorar o astral do bar todo, do pinguço da vila ao professor da UEL, do artista de rua ao garçom empedernido, da garota de coturno ao garoto blasé. Não havia garrafa vazia ou bituca de cigarro que ficasse impassível aos primeiros acordes de Avôhai.
Tragédia: Brasil, o balconista, nunca ouvira falar de tal CD. Imagina-se que deva ter ficado nas mãos de um dos vários donos que passaram por lá nos últimos anos. Com mil raposas incendiárias: aquele CD – ao lado da sinuca e da biodiversidade – era a alma do Bar do Jota.
Tal qual a batida do Baiano, a canja do Toninho, o mocotó do Gerson, a feijoada do Jaime, o bolinho de carne do Lucílio e o xis-queca do Clube da Esquina, o CD do Zé Ramalho era a alma do Jota.
Equiparável à garra corintiana, à cadência palmeirense, ao arrebatamento flamenguista, ao ímpeto vascaíno, à raça gremista. Ao som daquela coletânea foram urdidas greves, iniciadas amizades, rompidas uniões estáveis. Mesas e cadeiras voaram, muita gente saiu do armário. A jiripoca piou e a onça bebeu água, mermão.
Sob aquele som, Bracciola entornou quantidades oceânicas de cerveja, assistiu a lutas do Maguila e do Mike Tyson e, pra lá de Marrakesh, roubou, na saída do banheiro, no dia da eleição do Lula, um beijo da garota mais cobiçada do pedaço, como quem cobra pedágio.
Quem terá sido o desalmado que ficou com aquele CD?
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