sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Putaria e Jornalismo

Em maior ou menor grau, Putaria e Jornalismo sempre estiveram intimamente ligados. Pelo menos foi isso que a vida me ensinou. Quando cheguei a Londrina, em 1984, desci na Rodoviária Velha. Quando vi que a Nova, projetada por Niemeyer, não passava de umas vigas abandonadas pela primeira administração Belinati, soube que ali, exatamente, funcionava a Vila Mattos. Eu, que mal conheci o Largo Velho, de Ituverava, deixei de conhecer também a lendária zona londrinense.

Mas quis o destino que eu fosse morar no meio do freja. A lendária república da Paraíba 322 ficava 50 metros acima da linha férrea – que, desativada, daria lugar ä Leste-Oeste. Na esquina da Paraíba com a Fernando de Noronha (no Sesc) e com a Benjamin (antiga HM), os travecos já faziam ponto. As meninas de rua ficavam ao longo da Quintino, em especial ao redor do Nanico, que funcionava no andar de cima daquele posto que hoje fica em frente ao Shopping Quintino. A poucos metros dali, na curva da JK, funcionava o Sereno.

Ambos serviam deliciosa canja na madrugada – a do Sereno, mais pomposa, com seus talheres e bandejas; a do Nanico, mais popular, acrescida da parede chapiscada na qual ralávamos braços e cotovelos para conseguirmos chegar lá em cima, tarefa nem sempre fácil se levarmos em conta que chegávamos lá, invariavelmente, às quatro da matina, depois de peregrinar por Jota, Lumiar, Clube da Esquina e Valentino, nem sempre nesta ordem.

O Nanico eu frequentava mais durante a faculdade. O Sereno, cujas meninas estavam um degrau acima, embora algumas perambulassem por um e outro indiscriminadamente, eu freqüentei mais quando virei jornalista – ou seja, a partir de 1987. Ainda hoje rimos com a história do Robertinho Marginal que, rejeitado por uma gata, sugeriu que ela enfiasse, lá, o objeto de seu desejo – como se ambos ficassem muito distantes um do outro.

Mas esse trololó todo (às vezes eu entendo o Fábio Linjardi, que não consegue ler textos com mais de 140 toques) é pra dizer que acabei de ler, nas últimas semanas, dois livros que me foram emprestados pela turquinha Márcia Neme Buzalaf: “Eny e o Grande Bordel Brasileiro”, de Lucius de Mello, e “Tarso de Castro: 75 kg de músculos e fúria”, de Tom Cardoso.

É impressionante como esses dois universos – Putaria e Jornalismo, ambos em caixa alta – se interseccionam.

Eny era neta de italianos da região de Salerno. Cresceu rebolando pelas ruas da Vila Mariana enquanto entregava marmitas da pensão da mãe. Fugiu com um gigolô para o Rio, passou por Porto Alegre e depois Paranaguá até fincar raízes em Bauru, onde montou uma casa – em mais de um endereço – que recebia, além de usineiros e barões de café de toda a região, políticos e seus asseclas. João Goulart passou por lá. Vinicíus lá se hospedava quando tinha shows agendados em Bauru e cidades próximas.

Já o livro de Tom Cardoso (belo texto, hein...) desnuda Tarso de Castro, que cresceu chafurdando no jornal do pai em Passo Fundo e, já na Última Hora de Porto Alegre, sitiou-se no Palácio do Piratini ao lado dos brizolistas mais fanáticos à espera dos tanques e aviões que nunca chegaram. Na ditadura, já no Rio, fundou O Pasquim e, em São Paulo, botou a Folha de S. Paulo de pernas pro ar. Passou o rodo na mulherada das duas capitais na mesma medida em que colecionou amigos e inimigos – nos primeiros, dava beijos na boca; nos outros, chutes na canela.

Foi legal ler o livro também por ter encontrado referência ao cartunista Jota, que mora na minha rua, e a Nelson Merlin, com quem trabalhei na Folha de Londrina. José Pires, o Jota, integrou a equipe de cartunistas que, sob a batuta de Tarso, revolucionou a "Ilustrada", na qual trabalhava Merlin, que certo dia desobedeceu o chefe e mandou para o lixo a nota de falecimento que o mesmo mandara publicar anunciando a morte de Jaguar. Tarso vivia nos bares – onde, pensando bem, tudo começa, até chegar na zona.

Bares e zona são o tema central de "O Brasil oculto", de Mauri König, repórter especial da Gazeta do Povo e meu ex-colega de Folha. Ele e Albari Rosa, craque da foto, percorreram 42 mil km pelos extremos do Brasil. Foco: turismo sexual e prostituição infantil. Comecei hoje. Promete.

Um comentário:

  1. Com Tarso de Castro, Nelson Merlin editou "O Nacional", cujo losango circundando a logomarca é semelhante ao do Liberatión, de Paris. Dizem que o francês copiou o gaúcho. Eu comprava "O Nacional" semanalmente, quando trabalhava em São Luís, em 1987. Tenho quase a coleção completa. De todo talento aplicado a mais um de seus rebentos, Tarso ainda inventava: criou o "Vista-se", suplemento de moda, de leitura aprazível. Apreciei seu relato a respeito de zonas, porém abstenho-me de entrar no assunto, pois esse tema era sempre recorrente na Old Port (Porto Velho, Rondônia) d'antanho. Abraço e próspero 2014.

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