sábado, 10 de outubro de 2009

Londrina inquieta


Nesse meu retorno a Londrina, talvez a única coisa de que não posso reclamar é de tédio e monotonia. Depois de cinco anos em Maringá, e alguns meses em regime de engorda em Guará, na casa de mamãe e papai, havia me esquecido de como as coisas são bem mais agitadas nessa terra basáltica, vermelha, fértil. Fértil, sim, para o bem e para o mal. Fértil e a seu modo agitada, instigante, inquieta. Sim, é isso, Londrina é inquieta. Deve ter sido desde o início, desde o tempo dos pioneiros, desde o marco zero. Cidade de picaretas, e foda-se quem se ofenda com isso, mas de picaretas, sim, e digo picaretas sem quase nada pejorativo, pois incluo entre os picaretas aqueles que batalham o pão, que ganham o dia no esforço, no suor, sem muita formação, sem muito fru-fru, um pouco de malandragem, a malandragem sem lona, sem subterfúgios, você olha na cara do picareta e a picaretagem vem transparente, translúcida, o suor dela se mistura com o suor da enxada, da labuta, do suor da capina, do suor do médico-referência, do médico-picareta cuja clínica fica na avenida da máfia branca, do suor derramado pelo morador anônimo que cuida do canteiro da avenida sem nome, do suor não derramado pelo poder público nos canteiros mal cuidados, da malandragem de oito anos, da malandragem de três mandatos, da malandragem do forasteiro derrotado, mas malandragem sadia porque malandragem sem dono, Londrina não tem dono, meu amigo, Maringá tem, Curitiba tem, Londrina não, o dono de Londrina é um agnaldo realçado, um nordestino arretado, um galego prepotente, com o perdão da redundância, um paulistano incauto, um gaúcho que se acha, um nativo irredutível, a esposa milionária que não se acomoda, da cantina italiana, do filé a parmegiana, com catuaba, arroz e pão, para surpresa do garçom, do lixo sem solução, da dupla de soldados motocicletados que conversa sei lá o que com a garota loira da zona azul, da gostosa que nunca perde a majestade, da pamonha de tarde, da pera de madrugada, do tilt na terça, na quarta, na quinta e no sábado, do mané que perde o carro aonde ele sabe que a chance de perder o carro é muito grande, do mané que agradece a Deus pelo fato de terem levado o carro do amigo, não o dele, e ele diz isso ao amigo, que concorda, do talento sem válvula de escape nos traços de um japa obtuso, do semáforo que dá medo, da praça aleijada, da quinta sem lei, do cemitério atravessado, dos baurulinos indecisos, do erre-ú derrubado, dos baurulinos afetados, dos estudantes folgados, da onda maçante de leste até oeste, da via expressa em seu nome, da leishmaniose na porta de casa, dos buracos de rua com bananeira dentro, dos encontros em sujinhos de esquina, da peroba rosa amassando latas, do celsinho pacheco, da vista embaçada, do igapó puído, do bom humor de fachada, da descida sem freio, da tempestade no lago, do refluxo patológico, da calçada esburacada, da morena escorregadia, da turca fugidia, da banqueta no canto, do baseado na rua, da conta de bar, do gato que late, do cachorro que mia, da bacia vazia, olha a melancia, dona maria.

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