quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Sacrifício

(Publicado nesta quarta, 24/11, no Jornal de Londrina)

“Pra começo de conversa”, discursou Moitinha assim que adentrou o Bar Celestial, de pé, voz exaltada, dedo em riste, o semblante enfezado em contraste com os olhares sádicos de Bracciola e Luís César, “quero deixar bem claro: pro Parmera eu não torço!”

E já empinou a carroça pra cima do colega são-paulino, que exibia ar de plena satisfação desde que seu time perdera para o Flu e arrancara o Corinthians da liderança. “Tá rindo de quê, bambi?”, atacou o corintiano. “Tudo bem, vocês queriam perder, e perderam. Mas tinha que ser de quatro?”, arrematou, sentindo-se quase vingado.

Primeiro a ter chegado ao boteco para a sagrada reunião semanal dos diabinhos, realizada desta vez na segunda à noite, Bracciola não deu tempo para o tricolor contra-atacar. O palmeirense tratou logo de por as cartas na mesa. “Tão dizendo aí que só tem um jeito do Curíntia ganhar esse campeonato...”

E ficou em silêncio, conferindo as unhas, esperando a pergunta óbvia que resistia em sair da boca do corintiano. “Quer saber não?”, cutucou Luís César. Contrariado, as veias do pescoço explodindo, Moitinha, muito a contra-gosto, cedeu: “Desembucha, seu porco imundo!”

Bracciola começou então a desfiar o 171, na maior calma, como se contasse uma piada de mineiro. “Então, tem um corintiano amigado com a prima de uma colega da minha irmã que ouviu dizer que um pai-de-santo lá do São Jorge falou pra um pedreiro que aparece por lá de olho na vizinha que...”

Moitinha destemperou: “Deixa desse enrolation e fala logo!” Bracciola: “Enfim, o cara disse que pro Parmera segurar o Fluminense só se vocês vestirem verde”. Moitinha: “Nunca que o Curíntia vai usar verde no uniforme”. Bracciola: “Não é o time. É a torcida”.

Diante do corintiano estupefato, sem reação, de tanta raiva, o palmeirense prosseguiu: “Não precisa ser o uniforme completo do Parmera. Pode ser qualquer pedaço de pano, uma fitinha, qualquer coisa verde. E nem precisa aparecer. Pode ser por dentro da meia, do calção, embaixo do boné, mas tem que usar no domingo inteiro, da hora que pula da cama até a meia-noite”.

“Conversa fiada”, vaticinou Moitinha que, dizem as más línguas, foi visto na terça-feira à tarde rondando uma loja de tecidos na Duque.

2 comentários:

  1. entendi a piada. mas o motinha não está morto? como poderia ser visto numa loja de tecido na duque?

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  2. São três diabinhos fictícios que estão pagando seus pecados no purgatório e, de vez em quando, autorizados pelo Divino, descem à Terra para cumprir tarefas terrenas, devidamente disfarçados.

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