quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Freguesia

(Publicado nesta quarta-feira, 10/11, no Jornal de Londrina)

“Tio Mário!”, berrou Moitinha, o corintiano, torcedor que vem a comprovar a tese de alguns acadêmicos da Turiassu de que parte da linhagem do Homo Sapiens até hoje nasce com o sitocômetro avariado. “Ô, tio Mário”, ele voltou a berrar a plenos pulmões, ignorando o Bar Celestial lotado e a cara de poucos amigos do dono, que minutos antes flagrara mais um espertinho tentando dar um perdido com uma Skol e dois copos – poucas coisas o deixavam mais enfurecido quando neguinho saía com cerveja e voltava sem o casco e sem os copos, e nessa hora o velho Mário, de tão bravo, pouco ouvia ao seu redor.

“Tio Mário!”, insistiu Moitinha, antecipando uma sonora gargalhada, assim que Luís César atravessou a rua principal daquele pedaço do purgatório. “Traz a caderneta, tio Mário, que o freguês está chegando.”

A exaltação era plausível. Não bastasse o 2 a 0 categórico de domingo, em pleno Morumbi, Moitinha já estava com o pote cheio por três cevas e dois lavrados ingeridos nas quase duas horas em que ficou ansiosamente esperando o amigo são-paulino chegar para a sagrada reunião das terças.

Bracciola, o palmeirense, chegara no horário combinado, e se divertira com o estado eufórico do corintiano, chegando a dar trela para as projeções pra lá de otimistas do rival, embora tenha sido, na verdade, uma forma de esconder a preocupação com o pega desta quarta com o Galo pela Sul-Americana – uma eliminação precoce seria o cúmulo, capaz de transformar os normalmente ardentes corredores do Palestra num inferno.

De qualquer forma, pensou, não adianta sofrer antes da hora, e o negócio foi se divertir com as investidas do Moitinha sobre Luís César, a essa altura já devidamente sentado, servido e enturmado – na medida do possível, é claro. Moitinha deitava e rolava:

– Quatro anos, mermão. Não são quatro dias, nem quatro semanas, nem quatro meses. São quatro anos que vocês não ganham da gente. Nem no ano do rebaixamento o Curíntia perdeu do São Paulo!

Luís César ia levando na boa. Só perdeu a esportiva no final, quando, inadvertidamente, disse que havia esquecido a carteira em casa e que ia pendurar a parte dele da conta. Moitinha esculachou de vez.

– Tio Mário, traz a caderneta!

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