(Publicado esta semana na seção Boas Histórias, no site da Sercomtel)
Em grande parte do mundo o Dia do Amigo é comemorado em 20 de julho, mas em pelo menos um endereço de Londrina essa determinação é descaradamente ignorada toda semana.
Faça chuva ou faça sol, seja horário de verão ou não, com eleição ou sem eleição, no Bar do Kelé, na esquina da rua São Vicente com a Pirapó, toda quarta-feira é Dia dos Amigos.
É um dia especial, em que os principais frequentadores marcam presença munidos de uma porção de carne e muito bom humor para jogar conversa fora ou desafiar o palmeirense Gilmar, dono do pedaço, na mesa de sinuca.
A regra é simples: aparecer com uma bandeja de carne, dessas que os mercados disponibilizam aos montes. É o “ingresso” para o Dia dos Amigos. E cada um paga a sua bebida. A churrasqueira, o carvão, os molhos todos, a farofa – todo o resto é por conta da casa.
A churrasqueira – personalizada, toda funcional, fabricada sob encomenda pelo pedreiro Cidão – é pilotada pelo sósia do Amado Batista, que, de tão parecido com o cantor brega, ninguém mais o conhece pelo nome, Hélio. É Amado Batista e ponto final. Ele próprio se apresenta assim, para surpresa dos incautos.
Deu cinco e meia, seis horas, Amado arrasta a churrasqueira com rodinhas para a calçada da São Vicente e acende o fogo, geralmente com lascas de peroba e tocos de goiabeira que o pedreiro Cidão traz de casa num daqueles engradados de supermercado.
Amado prepara uma pirâmide de lascas de peroba; no centro, um punhado de espetinhos de bambu usados na última churrascada. Nem precisa de muito álcool. A gordura impregnada nos bambuzinhos garante um fogaréu rápido e vigoroso.
E vão chegando os amigos. O comerciante Dirceu ocupa a ponta esquerda do balcão. O mecânico Rogério, impaciente, mata um gomo de lingüiça com muito molho de pimenta, e fica namorando um risólis, todos preparados pela dona Maria, que segura as pontas até a chegada do filho. Gilmar, que, assim que chega do trabalho (é contabilista numa empresa exportadora de café), veste a camisa do Palmeiras e assume as funções de botequeiro-mor.
E chega a comerciante Rita, logo puxando papo com todos. E chega um marciânico sujeito que tenta emplacar uma conversa sobre disco voador – que ele viu, é claro. E chega a turma toda, vizinhos, todos conhecidos de dona Maria e do finado Kelé, que resolveu nos deixar no último dia 10 de dezembro, aniversário da cidade, oito dias depois de ter completado 70 anos.
“Caiu do céu”, afirma Gilmar, falando sobre a iniciativa de Amado em criar o Dia dos Amigos. “Deu tão certo que estou até pensando em trocar o nome do bar, para Amigos do Bar do Kelé, com totem e tudo.”
Cidão vai falando sobre a última pescaria no Mato Grosso, queixando-se de que não vai poder ir noutra, agora, no feriado de Finados. E, como todo bom italiano, se emociona com a chegada do neto, de 13 anos, um baita garotão, a quem serve carne com farinha.
Amado remexe os pedaços de costela ripa, bistecas de porco, gomos grandes de linguiça calabresa, fatias de coração de boi. E vai controlando as labaredas com uma bisnaga d’água estrategicamente colocada na mesa ao lado.
Gilmar, de boa fé, cai na lábia do jornalista Fragoso, freguês temporão, que disse a ele que, para tirar fotografia, era melhor trocar de camisa. Milton, o fotógrafo, corintiano como Fragoso, dá aquela gargalhada de satisfação.
O Dia do Amigo foi inventado pelo argentino Enrique Ernesto Febbraro em homenagem ao 20 de julho de 1969, data em que o homem chegou à lua. E, do jeito que todos bebem, comem e riem no Bar do Kelé, a lua nem fica tão distante assim.
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