quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

No Vilão, a grande viagem de Willian Moraes


(Publicado na seção Boas Histórias, no site da Sercomtel. Foto: Milton Dória)

Pode até ser que entre os 520 mil habitantes de Londrina, em algum canto da cidade, haja alguém que trabalhe atrás de um balcão há mais de 33 anos. Mas no mesmo bar e no mesmo endereço muito provavelmente só exista um: Willian Amador Bueno de Moraes.

Willian comanda o balcão do Vilão Bar desde 27 de janeiro de 1978. O dia da inauguração foi na data do aniversário da primeira mulher dele, Lilian, que hoje mora em Red Wood City, na Califórnia (EUA).

“José Antônio Teodoro se inspirou no Vilão para fundar o Valentino, um ano depois”, afirma Willian, se referindo ao bar que marcou época na esquina da Jorge Velho com a Bandeirantes e, depois que o terreno foi adquirido por Desirée Soares e Galvão Bueno, mudou-se para a Faria Lima, à beira do Igapó 3.

O começo
A primeira mulher, aliás, tem muito a ver com a história do Vilão. Lilian é natural de Rolândia, conheceu Willian em São Paulo – ambos trabalhavam na Avon – e foi uma irmã dela, dona de uma escola de inglês por aqui, que sugeriu ao casal que se mudasse para Londrina a fim de tratar melhor da bronquite asmática da primeira filha, Júlia.

A cunhada também sugeriu a Willian que abrisse um bar. Paulistano da gema, Willian, publicitário, só conhecia bares e restaurantes do lado de fora do balcão, quando biritava diariamente nos happy hours da Paulicéia. Mas topou a parada.

Passou, então, a perscrutar possíveis locais. Conheceu o “Souza” e o “Carlão”, campeões de venda de cerveja na Londrina da década de 70. Queria, porém, abrir um bar diferente daqueles convencionais, de preferência em “algum lugar esquisito, com porão”. Chegou a namorar um ponto em frente ao Mater Dei, outro na Hugo Cabral. Até que apareceu o definitivo, na Sergipe entre Belo Horizonte e Santos.

O terreno, todo ajardinado, tem uma casa na frente – a casa de Willian – e, ao fim do corredor, onde há mesas recostadas no muro à esquerda, começa o bar propriamente dito, sempre à meia-luz e um som ambiente de extremo bom gosto, embora os acordes de jazz e blues, impecavelmente limpos, saiam, ainda, do mesmo aparelho Quasar que inaugurou o recinto.

De tudo um pouco
Adentrar o Vilão é viajar no tempo. A decoração, baseada em peças antigas, é a mesma – acrescidos, claro, os presentes de amigos. Trata-se de um verdadeiro antiquário que, em um ou outro ponto, se transforma num relicário. Em 70 ou 80 metros quadrados, o cliente mais atento se delicia com uma diversidade absurda de objetos antigos, lindos, chocantes ou simplesmente esquisitos.

O telefone, claro, é daqueles pretos que parecem um sapo do brejo. A máquina registradora parece ter saído da Inglaterra Vitoriana. O abajur é um show. Há gramofones e rádios que mal conheceram o século XX. É preciso cuidado para não tropeçar num projetor de 16 mm. Na ponta do balcão, há um castiçal que guarda parafinas de 15 anos de queima de velas – o resultado é algo absolutamente indescritível.

Relógios! Há relógios por toda parte, de todos os tamanhos, relógios seculares. Estribos. Ferraduras. Cornetas. Um baleiro. Centenas de vinis. E muito, muito mais.

A coleção de brincos
Ainda no balcão, quase acima da cabeça de Willian, que trabalha sentado numa cadeira de barbeiro da marca Ferrante, tem um objeto onde ele pendura brincos que as mulheres, por uma razão ou outra, perderam no bar.

Um deles encerra uma história emblemática. Uma distinta senhora que vez ou outra se atracava com algum acompanhante certa feita levou a filha ao bar e, apontando para a coleção de brincos pendurados, disse a ela se tratar de objetos “que vagabundas deixavam por lá”.

– Ué, mãe, aquele ali não é da senhora?

E era.

Essa é apenas uma das muitas histórias que Willian Moraes testemunhou nesses 33 anos de Vilão. “O bar me deu três mulheres e muitas alegrias”, conta o proprietário, que sofreu um revés federal na época do Plano Collor, quando teve de se desfazer de dois imóveis para tapar o rombo provocado por Zélia Cardoso de Melo.

Foi a época em que Willian perdeu a mulher, a linha e o carretel. Caiu numa vida desregrada que culminou, em 1997, com uma pneumonia que o deixou à beira da morte. Ficou 45 dias hospitalizado – 15 deles em coma, dos quais se recorda de coisas às vezes concretas, às vezes desconexas, mas que lhe deu sentido à vida.

“Cheguei ao hospital com pneumonia num domingo cedo, tive parada respiratória. Naquela época, só tomava vinho. Foi o vinho que me ajudou, cuidou do coração. Em coma, tive uma viagem e tanto. Fiquei num limbo. Ficava andando para cá e para lá. Pessoas me ajudavam, me mantiveram vivo. Cheguei num ponto que tive de fazer uma escolha, entre desistir e resistir. Foi a melhor coisa do mundo, a maior viagem da minha vida. Passei a ter uma curiosidade maior sobre a morte.”

Completamente distante do álcool, Willian diz hoje ter encontrado o segredo da vida: simplicidade, respeito e desapego.



6 comentários:

  1. Rogê, eu sei que vc escreve bem, então dizer isso seria nova repetição, mas este texto está DEMAIS DE BÃO. Logo se vê que vc é de 84/1.

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  2. Adorei a história de Willian e as referências a personagens risíveis,tal qual essa dona do brinco. rs rs Abraço, Rogério Fischer e a todos os seus felizes leitores. Ah! tuitei tudo, viu?

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  3. Monte, por sua conta, eu ainda vou ficar famoso. rsrs

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  4. Grande Fischer. Estou passando para elogiar o blog e deixar um abraço.

    Saúde!

    Wilhan Santin

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  5. Valeu, Wilhan. Volte sempre. E vá lá dar um abraço no seu xará do Vilão. Comida e bebida da melhor qualidade.

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