Não há um paralelepípedo em Londrina que não saiba quem é João Milanez. É uma figura ímpar, conhecida por empresários e balconistas, executivos e engraxates, garçonetes e catadores de lixo, reitores e taxistas. Raramente odiado, quase sempre admirado. Ao citar o nome dele, em qualquer lugar, dia ou noite, em qualquer roda, alguém vai ressaltar que o conhece, que conhece um sobrinho dele, que trabalhou na casa do cunhado de outro sobrinho, que namorou a filha da empregada do vizinho dele, que ficou sabendo que a moça bonita da vila tinha recebido uma cantada dele – tudo, mas tudo mesmo, motiva lembranças de João Milanez. Sei que no início, quando veio de Meleiro-SC, após uma breve estada em São Paulo, ao fundar a Folha de Londrina andou tirando fotos e redigindo notas. Sei também que fazia questão de ser citado, nas muitas cerimônias das quais participava, como “jornalista João Milanez”. Era um adendo fantasioso ao nome, se considerarmos literalmente sua produção jornalística, mas absolutamente plausível para alguém que, se não emplacou grandes reportagens como um Schwartz, um João Arruda, um Capucho, nem se destacou como um célebre editor, como um Jerê, um Bernardo, um Jota, teve o grande mérito de criar e fazer crescer um veículo que é – ainda – referência nacional em Jornalismo. E, mais do que isso, soube reconhecer os bons jornalistas. Sabia, como disse várias vezes, perante ministros e deputados, dentro da Redação da Folha, na sua lógica particular, que jornalista bom é comunista e maconheiro. São lendárias as histórias e as estórias de como tratava os funcionários, particularmente de como os pagava. Em meados da década de 90, quando já havia passado a maioria das cotas da empresa para José Eduardo de Andrade Vieira, perambulava pela Redação, ali mesmo, na rua Piauí, à cata de um ou outro editor que se dispusesse a conceder uma nota de pé de página para que revelasse ao leitor, no dia seguinte, que naquele dia havia recebido uma visita importante. E todos os editores, invariavelmente, lhe negavam espaço – não por maldade, mas por saber que nas concorridas páginas do jornal já não cabiam coisas assim, naquele tempo em que a Folha amadurecia profissionalmente e se afundava administrativamente. Era de uma humildade tão grande, a ponto de ouvir placidamente a sugestão de um editor pentelho e pretensamente bem intencionado para que criasse uma coluna com seu nome e contratasse um jornalista para redigir as notas que ele suplicava a todo canto – e eu juro a vocês que não fui xingado por isso. Porque, se não foi um jornalista na acepção da palavra, foi um patrão de primeira linha. Não sejamos hipócritas agora que ele morreu: Milanez era um grosseirão, cometia impertinências a cada deglutição, estivesse onde fosse. Presenciei várias. Frequentemente constrangia os próprios repórteres que cobriam alguma solenidade na qual discursava, e ele discursava em todas, mas também cansei de vê-lo salvando cerimônias vazias, fracas, protocolares – quebrar protocolo era com ele mesmo. Mas também era de uma natureza absolutamente aberta, democrática, franca. A Redação da Folha, em todo o período em que trabalhei lá (1987-2000), mas em especial nos primeiros anos, respirava liberdade. Sim, era uma Redação cheia de intrigas, como, de resto, toda grande repartição, pública ou privada, mas falava-se abertamente sobre tudo, sobre o dono, os diretores; usava-se o mural com ampla liberdade de expressão, ao contrário de uns jornalecos aqui do Paraná que não permitem sequer um comunicado sindical. Enfim, há muito o que dizer sobre esse homem, e me parece que Jota Oliveira está escrevendo, ou já finalizou, um livro sobre a vida dele. Saí de Londrina neste sábado com destino à minha Guará-SP uma hora antes dele morrer, e sinto não ter estado no velório e no enterro para dar um abraço fraterno nos parentes e, na mesma medida, em todos os que, tenho certeza, o conheceram e, o conhecendo, o consideram tão próximo quanto um tio, um pai ou um avô. É como se todos nós estivéssemos um pouco órfãos neste sábado, 8 de agosto de 2009.
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Rogê, gostei muito do seu texto. Você retrata muito bem o seo João. Sábado estive lá e encontrei nossa grande amiga Graça Milanez - igualzinha! Falamos de você e de muitos da turma 84/1. Eu disse a ela que vc estava viajando. bjs
ResponderExcluirGrande Fischer. Gostei do seu texto. Concordo com você em diversos pontos. E só para recordar, eu era um dos poucos repórteres da Folha que era escalado para produzir as matérias das visitas que o seo João recebia no jornal. Trabalhava na época com o Ednelson Alves e, depois, com o Roberto Francisco, no regional, e por conta disso acabava sobrando para mim essa tarefa. Também o acompanhei muito em eventos na região norte do Estado. E nunca houve determinações ou imposições da parte dele para eu fazer essa ou aquela matéria. O máximo que ele fazia para mim era sugerir uma pauta. E posso dizer que o nome dele era referência. Ao cobrir matérias na região, ao verem o nome Folha de Londrina, sempre me perguntavam sobre o Milanez, o seo João.
ResponderExcluirAproveitando, o seu blog está com uma cara legal, com textos muito gostosos de ler.
Considerando que eu sou o paralelepipedo bauruense em Londrina, seu texto me explicou o que o J.M. representava. Bela escolha de palavras. Beijo grande.
ResponderExcluirObrigado, Alexandre. Saudades da Graça também, Carina.
ResponderExcluirRogério Fischer:
ResponderExcluirEste foi o melhor texto escrito sobre João Milanez até agora. Forte abraço.
Rogê! Muito dez o texto sobre o veiaco!
ResponderExcluirGostaria de saber se posso publicar na revista Frizz??
Estou dando uma matéria sobre ele e o texto seu cairia bem legal...
Me responda, urgente, please!!
Abraços
Misa, o Lili....
Manda bala, Lila. Depois a gente discute quantos milhares de dólares valem essas mal traçadas.
ResponderExcluirValeu Rogê! Vou pagar você em engradados de Liber....
ResponderExcluirHa! Pra não perder o hábito:
TIMIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIINHO!!!
Abs