segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Me amarrei em biografias


Gosto de ler, sempre li muito. No começo eram gibis, leio gibi até hoje, mas na infância devorava tudo o que caía em mãos, de Walt Disney a Maurício de Souza, e lia sempre muito rápido, devorava gibis em minutos, teria gastado uma puta grana se não tivesse passado a comprar gibis em sebos, ainda mais quando, adolescente, passei a ler Conan, O Bárbaro, e depois, já adulto, colei em Tex Willer. Pô, cada Tex pequeno custa R$ 1,50; aqueles grandes, com história completa, não se acha por menos de dez paus. Nesse meio tempo, li tudo que achei de Lucky Luke e Asterix, duas publicações admiravelmente engraçadas.

Mas o que eu queria dizer é que de uns anos para cá, além dos gibis em geral e alguns Milo Manara, não consigo – falando de leitura mais convencional – ler nada além de biografias. Não sei explicar, talvez seja a dificuldade que sempre tive de viajar na maionese da poesia e da ficção, em especial dos autores internacionais. Quando deparo com muitos nomes e termos estrangeiros, cujo significado e pronúncia invariavelmente me fogem, a tendência, com raras exceções, é eu me irritar; daí surge o desinteresse, pulo pra frente, adio aquela leitura que nunca vai rolar. A não ser que seja biografia. Ou fatos históricos. Adorei o 1808, do Laurentino, livrou que tapou 99% das minhas deficiências naquele momento particular da História do Brasil.

Então, o que me tem interessado, ultimamente, são histórias de vida e/ou períodos históricos. Dos últimos dez ou quinze livros que li, pelo que me lembre agora, todos fazem parte dessas categorias. Li muito Ruy Castro. Depois de Estrela Solitária, que apareceu na roda de adoradores de futebol no antigo bar da Casa do Jornalista, li a história da bossa nova, li Saudades do Século XX, li O Anjo Pornográfico. De amigos, li a biografia não autorizada do Roberto Carlos, com a qual Regina Daefiol presenteara o marido Dirceu Herrero pouco antes da Justiça capturar o restante da tiragem. Li Vale Tudo, do Nelson Mota, sobre o impagável Tim Maia.

Com essa trilogia (Chega de Saudades, Roberto Carlos Em Detalhes e Vale Tudo), passei a conhecer mais do velho Rio de Janeiro que muitos cariocas. Na época do Pan, passei uma semana lá, e todo dia eu saía do Largo do Machado e ia pra Copacabana bater perna e passar a limpo por todos aqueles endereços malucos da boemia carioca. Não fosse a chuva fina que caiu sobre o Rio aquela semana toda, teria sido bem melhor. Mas vi muitos locais onde músicos da mais alta estirpe fizeram história.

O fato é que me amarro em histórias verídicas, e a última que li foi Corações Sujos, do Fernando Morais. Trata-se da saga da Shindo Renmei, ou Liga do Caminho dos Súditos, organização secreta que renegava a derrota japonesa na Segunda Guerra e cujos membros, recrutados entre a própria colônia no Brasil, tratavam de calar para sempre a boca dos que ousavam admitir a derrota. Entre janeiro de 1946 a fevereiro de 1947, batalhões de tokkotai, os matadores da Shindo, aterrorizaram a colônia. Eliminaram 23 e feriram 150 “corações sujos”, os traidores do imperador, em várias cidades paulistas e no Norte do Paraná.

Surrupiei o livro do jornalista César Lopes, então editor do site da EleEla. Fiquei na casa dele, em São Paulo, meses atrás, numas de aliviar a cachola. Vi dois jogos do Palmeiras e tomei dois porres homéricos, um no Bar Alemão, perto do Palestra Itália, outro na Mercearia, reduto de bons cafajestes na Vila Madalena. Bruka, como ele é mais conhecido entre jornalistas e roqueiros do eixo Londrina-Sampa, foi pra Echaporã-SP visitar o filho recém-nascido e fiquei sozinho em casa alheia - e aproveitei para dar uma geral na estante do cara. Avisei por e-mail que havia embarcado 100 Crônicas, de Mario Prata, e Corações Sujos na mala. “O do Prata tudo bem, mas esse do Morais tem dedicatória, hein?!?”, ele protestou, em vão. “Vê se devolve!”

Na última das 327 páginas, li que a história da Shindo acabara numa última e desastrada tentativa de assassinato. Eiiti Sakane, que se tornara uma espécie de samurai sem patrão, um tokkotai errante, reservara para si a missão de matar Paulo Morita, que, por ter colaborado com a polícia na identificação dos fanáticos, entrara na primeira lista dos condenados pela seita. E até então estava impune. Numa abafada segunda-feira de verão, segundo o relato do autor, na entrada do Parque da Aclimação, na capital paulista, Sakane matou o cunhado de Morita achando que era Morita o cara que tinha seguido desde a rua Castro Alves e que segurava uma criança no colo. Nada de anormal, não ficasse esse endereço a poucos metros da casa do Bruka, de onde, dias antes, eu surrupiara o livro – autografado – de Fernando Morais.

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