sexta-feira, 26 de março de 2010

Chiquitim


Entre o Natal e o Ano Novo, estava em dúvida se amarrava o burro na sombra ou tirava a vaca do brejo quando resolvi fazer o que não havia feito desde que chegara em Guará-SP para as festas de fim de ano: dei uma passada na Fischer Fértil, ao lado da Câmara, onde meu pai vende sementes e alguns insumos agrícolas nessa terra que já foi a Capital Nacional do Algodão e hoje não passa de uma das muitas Cidades da Cana desse interiorzão paulista. Cumprimentei uns amigos que proseavam na calçada, entrei, tomei um gole d’água e já ia abrindo a Playboy da Sabrina Sato quando entra o Chiquitim.

Figuraça.

As famílias dele e do meu pai se conhecem desde a época de Matusalém. Chiquitim, que nasceu Francisco, virou Chico e depois Chiquitim, tem 14 filhos. “Nunca ninguém passou fome em casa”, ouvi ele dizer, enquanto observava um vereador folgado jogando uma bituca no meio-fio – a impressão é de que em alguns locais a consciência ambiental só vai chegar no quarto milênio depois de Cristo.

Chiquitim entrou no escritório pedindo ajuda para duas crianças da rua dele que tinham sido atropeladas no dia de Natal pelo carro da prefeitura que passou jogando bala pra molecada. E, pau pra toda obra, logo foi questionado pelo meu pai se conhecia algum veneno para morcegos, que andam infestando o sítio na Grota. “Só existe um, e eu que inventei”, vaticinou, ligeiro, atropelando as palavras, bem ao estilo caboclo. Segundo ele, a única coisa que espanta morcego é naftalina – que ele pronuncia sem o efe. Evidente que ele quis dizer que inventou não a naftalina, mas a utilização dela como tal.

Terminada a receita para afugentar os únicos animais mamíferos capazes de voar, aproveitei a deixa para checar com o dito cujo a história que ouvira dias antes numa roda de cerveja sobre uma antiga apresentação dele na TV – um desastre, segundo as más línguas.

Figura carimbada nos botecos, Chiquitim canta, digamos, muito mais ou menos. Já o alertaram sobre isso um milhão de vezes, mas sempre quis porque quis se apresentar “na rádia”, até que, de tanto insistir, conseguiu coisa melhor: uma brecha num programa sertanejo da TV Record de Franca, isso há mais de 20 anos, época em que, na esteira de Milionário e José Rico, o Trio Parada Dura – Creone, Barrerito e Mangabinha – emplacava um sucesso atrás do outro.

Combinaram que cantariam “Grão de areia”, e lá se foram ele e o parceiro Betão para Franca. Um sanfoneiro da TV ajudava os calouros. O programa era ao vivo. Sentados à espera da vez, de cabeça feita (“tomei oito pingas”), Chiquitim já começava a perder a paciência com Betão, que a toda hora o cutucava para ele não se esquecer do primeiro verso da música escolhida: já fui um grão de areia e todos pisavam em mim... “Eu sei, eu sei, diacho!”, ele repetia ao parceiro. “Ocê que vai se atrapaiá de tanto pensar nisso, sô.”

Chegada a hora, entraram no estúdio, onde havia vários monitores mostrando a dupla em diversos ângulos. Chiquitim olhou para um deles, se viu na tela da tevê, decerto se achou o bicho da goiaba e, quando o sanfoneiro puxou o fole, em cima do já fui um grão de areia entoado pelo parceiro ele tascou sou um homem de pedra que não tem mais compaixão – primeiro verso de outro grande sucesso do Trio Parada Dura na época, “Homem de pedra”.

Resultado: cantaram uma música sobre a outra durante mais de um minuto, até que engrenaram a letra certa de “Grão de areia” e foram até o final e, com isso, talvez tenham sido a única dupla na história daquele programa que cantou uma música e meia. Da TV, Chiquitim já desistiu, mas, dos botecos e da naftalina, ainda não.

3 comentários:

  1. Hahaha, muito boa a crônica!
    E o Chiquitim tá certo, as bolinhas de naftalina são boas pra espantar morcegos. O duro é acertar os bichim com elas...

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  2. êee Fischer... é sempre muito bom ler seus textos!!

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  3. Concordo com andrea é muito bom meeesmo.

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