- O que esses pequis tão fazendo aqui?
Neguinho metido a cronista sempre fica atento a algo que possa lhe render um texto. E foi aquela pergunta que me fiz ao passar na manhã desta sexta-feira pela Rio de Janeiro, a caminho do centro de Londrina, onde postaria uma carta, consertaria os óculos e procuraria um livro – “Ela é carioca”, de Ruy Castro – para presentear uma amiga que trocou Ipanema pela Terra Vermelha. Na esquina com a Alagoas, uma meia dúzia de pequis estava na calçada, amassados como se um automóvel os tivesse flagrado num momento de bobeira. Lembra da piada dos tomates atropelados? Então...
Tem coisa que a gente acha que nunca vai experimentar na vida. O pequi – fruto típico do Centro-Oeste – se encaixa perfeitamente no meu caso, ao lado do vatapá e da moqueca capixaba. Em tese, seria muito mais fácil eu visitar Salvador e Vitória do que o sertão goiano, por motivos óbvios. Afinal, para ir ao Espírito Santo deve-se passar obrigatoriamente pelo Rio de Janeiro, o que já garante uma viagem bem-sucedida. E a capital baiana já prometi a mim mesmo umas oito mil vezes que não morrerei sem conhecê-la.
Toda vez que Ivan Amorin me avisa que está saindo de Maringá rumo à Bahia para mais um trampo como fotógrafo de formaturas, eu reforço a encomenda de três ou quatro baianas, daquelas que ele sempre me diz que existem por lá – mas Ivan, não sei por que, nunca atende meus pedidos. Paciência. Não que Goiás e, principalmente, as goianas não devam ser atraentes, mas, sei lá, na cabeça deturpada de homem, sol e mulher combinam mais com praia do que com o cerrado.
O fato é que aquelas frutinhas esborrachadas na calçada da Rio de Janeiro me lembraram que tive, sim, a oportunidade de saborear o tal pequi. Foi no início do ano passado, quando, sem ter o que fazer, passei uma temporada de engorda em Guará-SP. Um dia, fui surpreendido com o convite do Papelão e da tia Dite para acompanhá-los até Pires do Rio. Como fazem pelo menos duas vezes por ano, iriam visitar o César, o mais novo dos onze irmãos Cherutti, dos quais Dite e minha mãe fazem parte.
Fazia 15 anos ou mais que eu não via tio César, desde que ele e a Cleonice, cansados da mesmice da pequena Guará, venderam o que tinham, fizeram as trouxinhas e se pirulitaram para Goiás. Nem meus primos, já adolescentes, eu conhecia. Era, portanto, uma grande chance, imperdível, de rever tio César, conhecer meus primos e, de quebra, experimentar o pequi – ainda que não tivesse consciência disso. Até que na segunda ou terceira noite de estadia na progressiva Pires do Rio, a Cléo anuncia: “Hoje vamos de arroz com pequi e frango”. Pensei: “Pô, é hoje!”
Já tinha ouvido falar do dito cujo. Que é preciso cuidado para não machucar as gengivas no caroço do bicho. Imaginava-o como um cajamanga: gostoso, mas não vá com muita sede ao pote porque o caroço pode render surpresas desagradáveis. E, me desculpem os goianos e, especial, as goianas, mas para mim o pequi foi uma decepção. Orientado pela Cléo, peguei o bicho na mão e o raspei nos dentes. O troço é liso e o sabor... Sei lá, dei uma raspada só, não curti e minha história com o pequi terminou ali. Está longe de ser um trauma, mas digamos que se for a algum mercado não vou atacar uma bancada de pequis como nordestino faz com farinha e carne seca.
Na volta do centro, sem o livro do Ruy Castro (o sebo não tinha), sem ter postado a correspondência (parte do conteúdo ficara em casa) e com um orçamento de R$ 40 para o conserto do óculos na ótica do Carlão, passei pela mesma calçada e, desta vez, vi um monte de pequis no meio-fio, amontoados, abandonados. São frutinhas de médio porte, amarelas. Imagine um mamão papaia tirado de um bonsai. É isto!
Fui vendo outros “pequis” ao longo do caminho, até chegar ao posto defronte o cemitério e me tocar de que aqueles frutos todos tinham caído da árvore ali em frente. Questionei o frentista, que me disse que não era pequi não, era outro nome que tinha ouvido de alguém, mas que não se lembrava. De fato, abri um com a unha e, em vez de um caroço espinhento, encontrei algo como uma castanha.
Lavei as mãos e segui para a casa, enfrentando uma chuvinha de molhar bobo, tentando imaginar alguma outra coisa para me meter a escritor. Aliauses, alguém tem “Ela é carioca” dando sopa por aí?
Neguinho metido a cronista sempre fica atento a algo que possa lhe render um texto. E foi aquela pergunta que me fiz ao passar na manhã desta sexta-feira pela Rio de Janeiro, a caminho do centro de Londrina, onde postaria uma carta, consertaria os óculos e procuraria um livro – “Ela é carioca”, de Ruy Castro – para presentear uma amiga que trocou Ipanema pela Terra Vermelha. Na esquina com a Alagoas, uma meia dúzia de pequis estava na calçada, amassados como se um automóvel os tivesse flagrado num momento de bobeira. Lembra da piada dos tomates atropelados? Então...
Tem coisa que a gente acha que nunca vai experimentar na vida. O pequi – fruto típico do Centro-Oeste – se encaixa perfeitamente no meu caso, ao lado do vatapá e da moqueca capixaba. Em tese, seria muito mais fácil eu visitar Salvador e Vitória do que o sertão goiano, por motivos óbvios. Afinal, para ir ao Espírito Santo deve-se passar obrigatoriamente pelo Rio de Janeiro, o que já garante uma viagem bem-sucedida. E a capital baiana já prometi a mim mesmo umas oito mil vezes que não morrerei sem conhecê-la.
Toda vez que Ivan Amorin me avisa que está saindo de Maringá rumo à Bahia para mais um trampo como fotógrafo de formaturas, eu reforço a encomenda de três ou quatro baianas, daquelas que ele sempre me diz que existem por lá – mas Ivan, não sei por que, nunca atende meus pedidos. Paciência. Não que Goiás e, principalmente, as goianas não devam ser atraentes, mas, sei lá, na cabeça deturpada de homem, sol e mulher combinam mais com praia do que com o cerrado.
O fato é que aquelas frutinhas esborrachadas na calçada da Rio de Janeiro me lembraram que tive, sim, a oportunidade de saborear o tal pequi. Foi no início do ano passado, quando, sem ter o que fazer, passei uma temporada de engorda em Guará-SP. Um dia, fui surpreendido com o convite do Papelão e da tia Dite para acompanhá-los até Pires do Rio. Como fazem pelo menos duas vezes por ano, iriam visitar o César, o mais novo dos onze irmãos Cherutti, dos quais Dite e minha mãe fazem parte.
Fazia 15 anos ou mais que eu não via tio César, desde que ele e a Cleonice, cansados da mesmice da pequena Guará, venderam o que tinham, fizeram as trouxinhas e se pirulitaram para Goiás. Nem meus primos, já adolescentes, eu conhecia. Era, portanto, uma grande chance, imperdível, de rever tio César, conhecer meus primos e, de quebra, experimentar o pequi – ainda que não tivesse consciência disso. Até que na segunda ou terceira noite de estadia na progressiva Pires do Rio, a Cléo anuncia: “Hoje vamos de arroz com pequi e frango”. Pensei: “Pô, é hoje!”
Já tinha ouvido falar do dito cujo. Que é preciso cuidado para não machucar as gengivas no caroço do bicho. Imaginava-o como um cajamanga: gostoso, mas não vá com muita sede ao pote porque o caroço pode render surpresas desagradáveis. E, me desculpem os goianos e, especial, as goianas, mas para mim o pequi foi uma decepção. Orientado pela Cléo, peguei o bicho na mão e o raspei nos dentes. O troço é liso e o sabor... Sei lá, dei uma raspada só, não curti e minha história com o pequi terminou ali. Está longe de ser um trauma, mas digamos que se for a algum mercado não vou atacar uma bancada de pequis como nordestino faz com farinha e carne seca.
Na volta do centro, sem o livro do Ruy Castro (o sebo não tinha), sem ter postado a correspondência (parte do conteúdo ficara em casa) e com um orçamento de R$ 40 para o conserto do óculos na ótica do Carlão, passei pela mesma calçada e, desta vez, vi um monte de pequis no meio-fio, amontoados, abandonados. São frutinhas de médio porte, amarelas. Imagine um mamão papaia tirado de um bonsai. É isto!
Fui vendo outros “pequis” ao longo do caminho, até chegar ao posto defronte o cemitério e me tocar de que aqueles frutos todos tinham caído da árvore ali em frente. Questionei o frentista, que me disse que não era pequi não, era outro nome que tinha ouvido de alguém, mas que não se lembrava. De fato, abri um com a unha e, em vez de um caroço espinhento, encontrei algo como uma castanha.
Lavei as mãos e segui para a casa, enfrentando uma chuvinha de molhar bobo, tentando imaginar alguma outra coisa para me meter a escritor. Aliauses, alguém tem “Ela é carioca” dando sopa por aí?
Adorei o mamão papia tirado de um bonsai! Claudia
ResponderExcluirGenial! Pelos personagens e pela essência sexo-turístico e lítero-culinária do texto. Apenas lamento aqui o meu trauma com pequís, verdadeiros: uma vez, no Venâncio 3000, em Brasília, a precária iluminação de um self-service e a minha catarata em desenvolvimento levaram-me a confundir dois frutinhos – só dois! – com almôndegas. Eu queria almôndegas há meses. Resultado, mordi com tanta vontade que rapidamente os minúsculos espinhos adentraram à mknha gengiva e bochechas. Mifu durante 48 horas. Sem precisar ir ao dentista, consegui expulsá-los naturalmente do território invadido. E viva o grande Ivan Amorin, esse elemento essencial à fotografia brasileira.
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