Saí de Guará-SP aos 18 anos de idade para cursar Jornalismo em Londrina-PR sem que tivesse resolvido um dilema existencial: saber diferenciar um frango de uma galinha. É sério. Até então, nos terreiros do sítio do meu avô, no Barro Preto, do meu outro avô, na Grota, e no do meu pai e da minha mãe, na Grotinha, eu observava aquele monte de penosas ciscando pra lá e pra cá e ficava encasquetado por não distinguir o macho da fêmea. Sempre que eu olhava os terreiros cheios de frangos e galinhas, galos e pintinhos, franguinhas e franguinhos, me brotava uma leve irritação quando eu fitava um e outro e não sabia dizer peremptoriamente, assim, na bucha, como os adultos faziam, qual era qual. Na adolescência, do alto do meu 1,85 metro de altura e menos de 60 quilos, eu era constantemente intimado a cercar os frangos na hora da degola. “Rogério Carlos”, dizia minha mãe (sim, dona Maura é a única pessoa do mundo que me chama de Rogério Carlos, e faz questão disso), “ajuda seu pai a pegar aquele frangão amarelo ali, ó”, e apontava para o bicho que, pressentindo o perigo, já ia margeando o alambrado e exclamando os primeiros có, có, có de desespero. Daí eu olhava aquele monte de bicos com pena amarela, preta, amarela e branca, preta amarelada, branca avermelhada, carijó, e perguntava: “Qual, mãe?”. A resposta vinha com jeitão de bronca: “Aquele, né, filho, é o único frango amarelo que tem aí, ué!” Eu até que me esforçava para entender – sozinho, porque dilemas como esse a gente não reparte com ninguém. Parece filosofia de boteco, mas é isso mesmo: muitas coisas a gente só aprende com o tempo. É a tal experiência. Quando se é moleque, come-se frango por comer, sem se importar de que raça é, de que sítio veio, se é caipira ou de granja, se custou caro ou se foi de graça. O passar do tempo é que nos obriga a pensar nessas coisas. Antes de virar gente grande, a minha experiência com frangos era na hora de catar o bicho e na hora de matar. Até hoje, quando estou em Guará, é assim: no tanque, eu seguro as duas asas com uma mão e as duas canelas com a outra. Viro o rosto e a dona Maura passa a faca no pescoço – do bicho, claro. Logo depois vem o último ato da minha participação: seguro mais forte ainda, para aguentar o tranco da derradeira convulsão. O bicho dá um estrimilique e você sente as contrações musculares se esvaindo. Se não segurar bem, o bicho fica se debatendo e suja a varanda toda. Uma cena bem feia, por sinal. E, de repente, já distante dos terreiros, estudando, trabalhando e morando na cidade grande, num estalo a distinção veio e se alojou na cabeça. Pronto: você olha o galinheiro e reconhece, um por um, quem é frango e quem é galinha. E fica até com vergonha do passado. Deus do céu, está ali, claro como o sol: o frango é mais espivetado, esguio, mais caneludo, mais rápido na hora de dar no pé. A galinha é mais atarracada, as penas mais afofadas, as asas mais próximas ao chão – certamente para abrigar os filhotes, obrigação da qual o frango não compartilha, e também para chocar os ovos, coisa que o frango nem aceita discutir. Afinal, tem mais é que ficar ciscando por aí.
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rogerio carlos, o frango é a galinha jovem meu filho. q se for femea vira galinha e se for macho vira galo. minha vó matava o dito cujo destroncando o pescoço do frango no joelho.
ResponderExcluiré mole?
grande abraço
Kkkkkkkkkkkkkkk.... Amei esse texto! MInha avó e minha mãe também destroncavam o pescoço. E a pura falta de experiência aqui, quando fui tentar, deixei escapar um em pleno "destroncamento". Aconteceu aquilo que vc falou: sangue pra todo lado. Traumático! (rsssss...). Mas o frango ainda foi reaproveitado e eu me recuperei bem: continuo comendo frango. Beijo!
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