terça-feira, 14 de julho de 2009

Rapa de curau: minha vingança será malígrina


Já estamos no meio de julho, o que significa que milho verde já era. Granadas, as espigas entram agora em fase de maturação, para colheita da safrinha, em agosto. A menos que você queira pagar bem caro, nos supermercados, por milho irrigado, terá de esperar até dezembro/janeiro, na safrona de verão, para saborear curau, bolo e pamonha feitos em casa. De nossa parte, aqui em Guará-SP, aproveitamos razoavelmente bem. Só não foi nota 10 porque pamonha não fizemos. Atacamos três vezes a roça do Francisquinho, na Grota, e nas três vezes fizemos bolo e curau. Foram 30, 40 espigas em cada investida. Ou em cada roubada de milho. Sim, milho não se pede, se rouba. Mesmo se pedir ao dono, a gente fala que vai roubar milho. É costume. A gente chega para o dono da fazenda, ou do sítio, e pergunta: “Já tem mii bão?” Se o cara responde “tem, pódi ir lá pegá”, a gente acrescenta: “Vô lá robá um meio saco, intão”. Não sei de quando vem nem o porquê desse costume, sei que sempre foi assim, e deve ser, no fundo, aquela história: jabuticaba roubada é mais gostosa. Além do que, no nosso caso, a roça do Francisquinho fica parede e meia com o nosso sítio. Aliás, fica dentro, porque o Francisquinho plantou milho no meio alqueire que arrendou do meu pai. No começo o sítio tinha uns cinco alqueires, mas sabe como é, aperta daqui, aperta dali, vende um alqueire aqui, outro lá, e o que sobrou mesmo foi a casa, com uma boa área de pomar e um pequeno cafeeiro, além de um bambuzal e dois eucaliptos gigantescos onde uma turma de macacos faz a festa. E meio alqueire agricultável, que é arrendado pelo vizinho. E como a nossa política de boa vizinhança dá de lavada no Itamaraty, quando precisa a gente pega verdura no João Bim, mandioca e ovo no Diomedes... Neste ano, o alvo foi o milharal do Francisco. Meu pai e minha mãe apanharam as espigas, porque, se fosse eu, teria de abrir espiga por espiga, pra ver se está no ponto, e isso dá um trabalhão danado, além de uma coceira dos diabos, por causa do pó que cai dos pendões. Eu vou junto para dar aquele apoio moral e carregar as cestas lotadas. E meu irmão depois rala as espigas naquele ralador que costuma deixar as pontas e os nós dos dedos com um pouco menos de pele. O trampo acaba dividido civilizadamente, embora, no fim das contas, como em tudo, a mãe sempre se estrepa, porque depois tem a etapa final, a etapa do fogão, na qual, além de ficar de olho no forno para o bolo não passar do ponto, tem de ficar mexendo a panela do curau para o caldo não engrossar antes da hora, e nesse momento os marmanjões fogem da cozinha – são flagrados geralmente em frente da TV, deveras preocupados com o reality show da Record ou o jogo do Parmera. Tudo bem, minha mãe, assim como 99% das outras, acha que veio a esse mundo para agradar os filhos, daí que não demora e logo vem o aviso de que o curau está pronto. Quando a gente chega na cozinha, já vê os pratos fundos preparados, aquele mingau no ponto, cheiroso e fumacento. A gente come o curau quente, e aí você se toca de que culinária também é cultura, porque saboreando curau quente você entende direitinho o sentido figurado de “comer pelas beiradas”. O curau quente é quente praca. Tem de pegar as colheradas na beirada, e soprar bem antes, porque o contato do curau muito quente com a língua e o céu da boca é desastroso. Enfim, o troço é bão demais, mas se você perguntar se tem jeito de melhorar, eu digo que tem, mas aí você vai ter de convencer a responsável pelo preparo a deixar um pouquinho no fundo da panela, para aquele pouquinho juntar-se à rapa que normalmente já fica impregnada no fundo, aí você pega uma colher e rapa toda a panela, no fundo e dos lados. Meu amigo, rapa de curau só não é melhor que mulher, embora, para alguns, haja controvérsias. É a parte concentrada do curau, em que o milho e o tempero se manifestam em plenitude. A rapa da panela do curau é muito mais disputada que chave de carro e controle de TV. Se essa questão não ficar bem equacionada, pode comprometer o equilíbrio da família, destruir casamentos, gerar rancores fratricidas. Em casa, antes de eu ir viver no Paraná, eu e meu irmão revezávamos – num curau, a panela era dele; no outro, minha. Chegamos a esse acordo pela absoluta impossibilidade de dividir a dita cuja. Simplesmente não é possível dividir uma rapa de curau, por não haver solução salomônica para isso. Nem que a panela fosse dividida ao meio por um maçarico, uma das partes fatalmente reclamaria que na metade dele ficara menos rapa que na outra. Enfim, o fato é que, silenciosamente, nesses três últimos curaus, meu irmão, talvez julgando-o caduco, quebrou o acordo, e rapou olimpicamente as três panelas, sem qualquer satisfação. Poxa, brother, você sabe que rapa de curau não tem preço. Mas deixe estar, vou estudar um troco à altura. Minha vingança será malígrina!

5 comentários:

  1. E aí Bigatão. Já esta em Londrina????

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  2. Yes, Zé. E no mesmo celular de sempre. Vai passar por aqui? Já arrumou aquele computador onde estão as fotos?
    abs

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  3. Amei o texto!!!!! Me deu uma vontade danada! E muita saudade do tempo de Palmital, onde a empreitada era igual. Ontem encontrei a Monclair. A Andréa disse que vc está na área. Beijo bem grande!

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  4. Oi! Adorei o texto, que delícia! Me fez lembrar dos tempos de Palmital quando a gente fazia dessas empreitadas. Ontem encontrei a Monclair. A Andrea me disse que vc está na área. Beijos

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  5. O "comer pelas beiradas" também vale pra brigadeiro quente. E a rapa também é boa...

    Beijos!

    Claudia Silva

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