quarta-feira, 1 de julho de 2009

Xis-tudo


Em Ribeirão para alguns contatos profissionais, fui, lógico, ao Pinguim. Tomei quatro chopp a R$ 4,40 cada um - já incluindo os 10% - e, a caminho da casa do meu primo, parei num carrinho de lanches para encher a pança. Pedi, lógico, o xis-tudo. E, no tal Lanche do Macal, na Avenida do Café, próximo à USP, me ocorreram muitas lembranças sobre lanches. Lanche de carrinho, para mim, é que nem feijoada ou macarronada à bolonha: tento comer apenas de vez em quando, mas, quando como, é pra chutar o balde. Não sei que gosto tem um xis-salada. Ignoro o sabor do xis-bacon. Apenas imagino como deve ser um xis-galinha ou um xis-egg. Desde a primeira experiência com lanches de carrinho, foi só xis-tudo pra cima. Digo lanches de carrinho porque, na infância, meu lanche favorito era o misto quente. Meu pai nos levava de vez em quando no restaurante do posto Algodoeira, na rodovia Anhanguera, para comer o comercial de lá, e eu, moleque besta, só comia sanduíche, e era só misto quente - três ou quatro a cada noite que íamos lá. Daí fui pra Londrina, cursar UEL, e o sanduíche para aliviar a fome às três, quatro da matina, depois de uma noite toda bebendo cerveja no Jota ou no Tio Mário, tinha de ser o maior que tivesse. Ao pegar o cardápio, só olhava a parte de cima, onde ficavam os mais ignorantes. Geralmente começava pelo lanche da casa, aí ia descendo, xis-tudo, xis-baderna, umas ignorâncias assim. Dia desses um primo me falou sobre um tal xis-monstro que, se Deus quiser, vou provar antes de morrer. E a rotina, durante toda a faculdade, foi essa: o maior lanche do carrinho quase todo final de noite. Tirando o efeito colateral de ter explodido meu índice de colesterol aos 20 anos de idade, era a maior delícia da paróquia. E Londrina, naquela época, meados da década de 80, tinha lanches de responsa. Tinha o Rangus, perto do Moringão. Tinha o Viva Verão, ou Verão, sei lá, no alto da Humaitá, em frente ao Mercado Municipal. O Mad, que trabalhou anos no Jota, saiu do Jota para trabalhar lá. Depois montou um lanche no Cincão. Tinha um carrinho que não me lembro o nome instalado num vagão - quase todos eles eram assim - na esquina da Paranaguá com a JK, ao lado do RU. Esse carrinho fazia o lanche mais sequinho de todos. O hambúrguer, o bacon, o ovo, a salsicha, enfim, todas as frituras vinham sequinhas, o pão bem prensado. Ficava aparentemente fino demais, mas era só impressão; lá dentro estava tudo concentrado, bem feitinho. Tinha um carrinho também muito bom no alto da JK, num terreno vazio quase esquina com a Fernando de Noronha. Esses lanches arregaçavam nosso colesterol, mas pelo menos não davam aquela azia do xis-queca do Clube da Esquina e daquele macarrão desqualificado do Café Set. Acho que tem até hoje o lanche da tia da canja, lá no alto da JK, quase Santos Dumont. O lanche do Jota também era gostoso, mas era inofensivo perto dos carrinhos - um aperitivo, somente. Tinha também o macarrão do Valentino, famosíssimo, mas caro para os bolsos de estudante quase bicho grilo. Tinha que dividir com alguém, mas não tínhamos paciência nem etiqueta para isso. Então reservávamos grana para devorar um xis-ignorância todo final de madrugada, depois de acompanhar o som de Luisinho, Marcão, Aurélio, Tadeu, Pedrinho Livoratti no Lumiar e, depois, no Clube da Esquina. Tinha também o Cansado, que agora é Cândido, e ai de quem chamá-lo pelo velho apelido. Da última vez que o encontrei foi em São Paulo: ele e uma trupe subiam a Cardeal Arcoverde rumo à praça Benedito Calixto, cheios de pratos, bumbos e outros instrumentos pesados pra cacete. Havíamos matado o lendário baião de dois do Bil, na companhia inesperada do Yuri, e ajudamos o Cans..., digo, o Cândido, a levar aquela parafernália toda. Aquele baião de dois não havia pesado na barriga nem um tiquinho do que pesava nossos lanches na madrugada de Londrina. As poucas vezes em que dávamos um tempo nos xis-badernas era pra tomar uma canja no Nanico (quando tínhamos algum dinheiro a mais), uma canja no Sereno (era um pouco mais cara e mais gostosa; as mulheres de lá, em relação ao Nanico, também) ou, heresia das heresias, sacrilégio dos sacrilégios, matar uma porção de costela no Bar da Costela. Acho que já disse isso em algum lugar: aquela guloseima do Davi devia ser responsável pela metade do colesterol da América Latina. Tratava-se de nacos grandes de costela gorda que ficavam banhando em tigelas cheias de farinha. O Davi não abria mão de um milímetro cúbico de gordura sequer. Ao servir, em pratos fundos, colocava uma porção generosa de farinha e uma ou duas conchas de costela com bastante molho. Às quatro, cinco, seis da manhã, meu amigo, era caixa! Colocávamos as mesas no meio da rua, em plena Celso Garcia, e devorávamos aquilo como o néctar dos deuses. Mas o que me fez lembrar dessas extravagâncias todas, ontem à noite, aqui em Ribeirão Preto, foi que no carrinho do Macal serve-se catchup e maionese como nos velhos tempos: naquelas bisnagas grandes de plástico, com as quais o cliente serve-se à vontade. Tudo bem, nos sachês você também se serve à vontade, mas não é a mesma coisa. Os sachês, apesar de flagrantemente mais higiênicos, são chatos de manusear. Tem de ficar abrindo aquelas coisinhas, uma por uma, e, como sempre comi unha, não conseguia abrir direito. A ansiedade também atrapalha. Com a bisnaga é diferente. O ritual consiste em dar um galeio com o biquinho virado pra baixo, para a maionese ficar em posição favorável dentro da bisnaga. Você deu o galeio correto se um pouquinho de maionese cair no chão. Aí você põe porções generosas, dessas de fazer você gastar dois ou três guardanapos em cada mordida. Ok, ok, a visão de um estudante de Jornalismo devorando um xis-ignorância com muita maionese e catchup na alta madrugada não é lá das coisas mais bonitas de se ver. Ontem à noite, em Ribeirão, foi assim. Mas, aos 43, a gente disfarça bem.

4 comentários:

  1. Caro Rogério:

    Enviei este texto para uns amigos que estão fazendo regime. Só para ver os bichos salivando e babando.
    Lembro-me que você me apresentou ao tal Bar da Costela. Chegamos bem tarde ao bar e havia lá um generoso pedaço nos esperando com um molho que parecia ter sido feito com óleo queimado de trator. Pois bem, depois de termos devorado a dita costela, lembro ter visto umas baratas dando um passeio no prato em que ela ficou guardada a nossa espera.
    Bom, sobrevivemos!

    Inté.

    Zé Fernando

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  2. Excelente Fischer.
    continue nos presenteando com
    seus textos.
    abs.
    Andréa.

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  3. não é vira verao?? acho que comi uns lanches lá, nas madrugadas dos 00's...

    adorei o texto, e o da republica tb... me identifico de um jeito estranho...

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  4. Acho que é isso mesmo, Nilo, Vira Verão, no qual trabalhou o Mad. Não vá explodir suas taxas de colesterol aí em São Carlos, hein... Mamãe nutricionista vai te pegar no pé! Abração.

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