segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sou a favor do diploma e do curso universitário

Como todo palmeirense, tenho gosto por grandes jogos. Se pudéssemos, só jogaríamos clássicos. Temos uma queda para grandes confrontos e, por outro lado, uma certa ojeriza para jogos de menor expressão. É que meu time goleia o Flamengo de Zico no Maracanã com a mesma facilidade com que perde um título para a Inter de Limeira. Vence duelos arrepiantes com o melhor Corinthians da história na mesma proporção em que é eliminado pelo ASA de Arapiraca. Nós, palestrinos, curtimos mesmo é encarar rivais de qualidade, de jogar em estádios lotados – nem que seja pela torcida adversária. E é com essa filosofia de boteco que volto à polêmica sobre o diploma para jornalistas, instigado por novo artigo de Paulo Briguet. Eu avisei que a briga é de cachorro grande.

Em seu blog (www.tipos.com.br), Briguet volta a festejar a recente decisão do STF, repisando uma antiga convicção pessoal: a de que os cursos de Jornalismo são ruins e, para aprender esse ofício, bastariam não os quatro anos convencionais de uma faculdade, apenas meses – talvez semanas. Bastaria, segundo ele, um curso à la Instituto Universal Brasileiro, cuja propaganda sustentou muitos gibis da nossa época. Não que eu ainda não leia gibis; pelo contrário, ainda não desisti de devorar as coleções inteiras de Asterix, Luke Lucky e Milo Manara, quando tiver grana para isso.

Temos muito em comum, Briguet e eu. Torcemos pelo mesmo clube, nascemos no mesmo Estado, nos formamos na mesma universidade, começamos no mesmo jornal, freqüentamos o mesmo boteco, dividimos as mesmas amizades, encaramos o ofício com a mesma seriedade. Já as diferenças residem basicamente no fato dele ser um ótimo escritor e eu saber dirigir automóvel.

Nos une, também, a glória de termos feito um curso ruim. Sim, não é por defender a exigência do diploma que farei vistas grossas à qualidade dos cursos, nem mesmo o da Universidade Estadual de Londrina. Meu curso foi ruim sim. Em termos de técnica, quase tudo que sei aprendi na prática. Meus professores – e, por conseguinte, as aulas e os projetos acadêmicos – não eram nenhuma brastemp. Nem por isso devo aceitar a ideia (ah, que vontade de acentuar esse ditongo) de que a boa formação jornalística possa estar encerrada num curso a distância ou num reforço de verão.

A qualidade de um curso superior não é ditada por uma mão única. Não são apenas a qualidade do corpo docente, dos equipamentos, o tamanho da biblioteca e a grade curricular que determinam essa qualidade. Ela vem também do interesse e da dedicação do aluno. De nada adiantam excelentes recursos humanos e materiais se o estudante não quiser aprender. Falo isso de cátedra, porque sou exemplo vivo dessa negligência. Ainda hoje me ressinto da falta de aprendizado em disciplinas básicas, como rádio e TV. É só ocorrer um desses percalços da vida, em que você se vê com uma mão na frente e outra atrás, que bate o arrependimento de não ter se dedicado um pouco mais nisso ou naquilo.

Admito, na boa: não faço apenas impresso porque só gosto dele, mas porque, na verdade, durante o curso me lixei para rádio e TV, o que – vim a sentir na pele depois – me restringiu sobremaneira meus horizontes profissionais, as possibilidades de uma recolocação profissional mais rápida, menos traumática. Daí porque defendo a necessidade de um curso de duração convencional: são muitas as vertentes do exercício profissional. Além de jornais diários e publicações impressas periódicas, há o rádio, a televisão, a assessoria de imprensa e, agora, também o mundo virtual, cada um com suas especificidades, suas características, suas demandas próprias.

Sei que isso não rebate o argumento inicial. Afinal, bastaria que a pessoa fizesse um curso rápido já dirigido para a especialidade requerida. Mas daí colocaríamos o ambiente jornalístico dentro de um tecnicismo absurdo. Estaríamos criando profissionais esquartejados em áreas de interesse, não profissionais em Comunicação Social, conscientes de seus princípios, direitos e deveres. Todo profissional que se preze, seja ele da área humanista, das exatas ou biológicas, tem de ter o entendimento do todo.

- E aí, mermão, já decidiu que curso vai fazer?
- Ainda não. Estou em dúvida em ser repórter de TV aberta ou fotógrafo de impresso diário.
- E eu, então? Estou em dúvida entre estudar para pauteiro de rádio AM ou editor de sites noticiosos corporativos.

É imprescindível, para alguém que vá trabalhar com algo tão importante quanto a informação, que tenha sim contato com um pouco de sociologia, filosofia e todas aquelas disciplinas do tronco básico. Um arquiteto pode ser muito melhor, profissionalmente falando, se entender melhor a sociedade brasileira. E não venham me dizer que basta ele ir a uma livraria e comprar um Roberto Campos ou um Sérgio Buarque de Hollanda. Se um jovem de 18, 19 anos, não for instado, ele não vai sair de uma livraria dando risada com um Nietzsche ou um Friedman debaixo do braço, nem vai espontaneamente a uma biblioteca deleitar-se sobre os grandes escritores contemporâneos. É preciso que alguém – uma instituição, preferencialmente – diga a ele pra que aquilo serve, de onde veio, em que contexto surgiu. Fôssemos valorizar o autodidatismo, bastaria, a rigor, fazer chegar a toda residência um cartãozinho com o endereço da biblioteca municipal. E o cidadão que se vire para ler e aprender o que quiser.

Quatro anos de um curso universitário, ademais, não são percorridos apenas com disciplinas regulares divididas em seriados. Quatro anos de faculdade servem para as pessoas conhecerem gente de lugares e costumes diferentes, amizades que vão lhe marcar para o resto da vida; servem para você interagir com a cidade onde está morando e, a partir dela, ser universal; servem para uma eventual iniciação política nos centros acadêmicos e nos diretórios estudantis; servem para que um moleque de Palmital, Jardinópolis ou Echaporã saibam que o mundo é muito maior do que a praça matriz; servem para que se derrube mesas de lata em rodadas de truco; para xingar reitor e diretor de centro; servem para catar cogumelos, participar de saraus, engrossar passeatas; servem até para você já ir conhecendo, a fundo, a personalidade do seu futuro prefeito, para que você saiba se deve ou não votar naquele cara da turma de 84/2. O ambiente universitário não é uma enrolação. É um período fundamental na vida de uma pessoa, no qual ela vai, se não definir totalmente, no mínimo sinalizar o que vai ser dali pra frente. Caráter e convicções não se formam por correspondência. Antes, na vivência.

A atividade jornalística tem sim sua complexidade específica, tanto quanto a Engenharia ou a Medicina. Uma cobertura jornalística mal feita causa tanto prejuízo quanto um edifício mal planejado ou uma lipo mal conduzida. Mata tanto quanto, aliás – no sentido literal e no figurado. Afinal, quem sofreu mais: a vítima de um choque anafilático, os moradores do Palace 2 ou os donos da Escola Base? O que é pior: uma sequela cirúrgica, um prejú gigantesco ou uma honra trucidada? Tenho absoluta convicção, amigo Briguet, de que a caneta está no mesmíssimo patamar da calculadora científica e do bisturi.

E vamos parando por aqui, porque você não gosta de textos longos e temos mais coisas com que nos preocupar. Há poucas horas, nesse 28 de junho, por exemplo, nosso Palmeiras perdeu dois pontos fáceis em casa. O campeonato está no início e de repente Luxemburgo não é mais o técnico. Já vi esse filme, alguns anos atrás. E não gostei do final.

5 comentários:

  1. Durante algum tempo gastei os parcos neurônios ainda ativos com o Briguet. Pelo mesmo motivo que você: o cara sabe, como poucos, escrever sobre tudo.
    De uns tempos pra cá, no entanto, desisti. No caso da cassação do diploma (ainda bem que nem sei onde foi parar o meu), por exemplo, vejo uma contradição maior que a semvergonhice humana.
    O cara desce o cacete nos cursos de jornalismo, mas não vê problema algum em ganhar uns trocos dando aulas para estudantes que, no futuro, receberão mum diploma que não serve nem pra embrulhar peixe.
    Ah, quer saber, deixa pra lá. O que interessa, mesmo, é o Corinthians na final contra o Inter.

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  2. Grande Rogério:
    O caso da Escola Base foi provocado por gente formada em jornalismo (a imprensa da época) e direito (o delegado da época). A merda infelizmente aconteceria com ou sem diploma.
    Amanhã, na crônica do JL, citarei seu honrado nome e o genial título do seu post anterior.
    Mário (é o Mário Sérgio?):
    Não desista. Ao contrário do que você acha, eu nunca fui professor de jornalismo.

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  3. grande textos fischereco. não conseguio achar o do briguet. me manda o link aí
    sabes q sou a favor... a´té pelo tempo q levei pra me formar. aqui em sampa me foi muito útil. trabalhar sem diploma no interior é muuuuito mais fácil. aqui em sampa, simplesmente não rola. os caras pedem diploma e MTB. sem acordo. mas entendo quem defende o outro lado. e acho q tem o que tem que ter, é concorrência mesmo. os incompetentes não poderão se esconder atrás de um diploma nem se tornarem prefeitos, né??

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  4. Briguet, o Mário é o Sérgio sim. Brukão, o blog do Briguet está hospedado no www.tipos.com.br desde sempre. Marião, apesar do chororô antecipado, acho que dá Inter (ou pelo menos sonho com isso).

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  5. Adorei a discussão, mas estou com o Rogério. Se for para dizer dos professores unversitários ruins, vamos cancelar a obrigatoriedade de TODOS os diplomas. Sou professora de jornalismo e já vi alunos-jornalistas agradecerem por estarem passando pela universidade, por ter aprendido bases importantes e por ter aprendido a argumentar - tanto no texto quando com os chefes. E os casos Escola Base, Eleição do Collor etc etc são abordados hj em dia nos cursos de graduação com toda a base de pesquisa acadêmica que o jornalismo adquiriu ao longo dos anos...

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